8.24.2009

DOM QUIXOTE E A SÍNDROME DO NÃO LIDO


Terminei de ler o quarto e último volume de “Dom Quixote de la Mancha”, de Miguel de Cervantes, às 17h30 do dia 11 de agosto do ano corrente, oito dias após completar 40 anos de idade. Sem dúvida, as informações contidas neste primeiro parágrafo não interessam a nenhum ser humano da face da terra a não ser àquele que as escreve, mas o que direi a seguir talvez provoque uma identificação e um interesse maiores.

Digo isso porque chega um momento da vida em que percebemos que não conseguiremos ler nem um décimo dos livros que gostaríamos, o mesmo valendo para filmes, shows, discos, exposições, viagens etc. E o que isso quer dizer? Quer dizer que a ´síndrome do não lido´, ou ´não feito´, pode gerar uma grande frustração, principalmente para quem passa dos 40.

O ideal me parece que é ir aceitando o que deu para conseguir e a partir daí planejar, sem nenhuma obrigação de êxito, os próximos passos. Ler “Dom Quixote” para mim era uma necessidade por ser jornalista e escritor, afinal, foi o livro que praticamente inaugurou o romance ocidental como o conhecemos. Agora, quando irei encarar “Guerra e paz” (já tinha lido um terço quando o exemplar da biblioteca sumiu), “Em busca do tempo perdido”, “Os sertões” e “A montanha mágica” só Deus sabe. Hoje isso não me incomoda nem um pouco, mas quando temos 20 anos muitas vezes achamos que dá para fazer tudo e até perdemos um pouco do prazer que a absorção da cultura pode proporcionar, caindo na armadilha da quantificação, de nos preocuparmos apenas em “estar por dentro de tudo”, em conhecer todos os clássicos, nem que seja “de orelhada”, apenas para não passar vergonha diante de uma reuniãozinha social.

Bem, confesso que não tenho o menor pudor em dizer que nunca li José Saramago ou Guimarães Rosa. O primeiro até tentei, mas era um livro sem pontuação e me cansou; o segundo, ainda vou ler um dia. Ou não. Mas “Quincas Borba”, de Machado de Assis, já li três vezes, e isso vale para outra reflexão. Quando o tempo se torna mais precioso (e você só percebe isso quando vai ficando mais velho), passamos a hesitar diante do desconhecido. Entre ver um filme que se não gostar vou perder duas horas da minha vida, acabo optando por rever “Cantando na Chuva” ou “Casablanca”, cujo prazer, pelo menos para mim, é garantido.

A julgar pelo progressivo aumento da expectativa de vida, é bem provável que um dia alcancemos a eternidade e não morramos mais de "susto, bala ou vício", como diria Caetano. E aí tudo o que falei aqui perderá o sentido. Qualquer um vai poder se programar com calma para ler a gigantesca "Comédia da vida humana", de Balzac, ou dar a volta ao mundo de bicicleta.

Mas isso ainda deve demorar um pouquinho, por isso o jeito é tentar recomeçar "Guerra e paz".