9.03.2010

A REBELIÃO DOS SINAIS


RELANÇAMENTO DE "A REBELIÃO DOS SINAIS" e "O VELHO OESTE CARIOCA":

14 DE OUTUBRO - 18h - LIVRARIA EDITAL - TRAVESSA FERREIRA BORGES, 20, CAMPO GRANDE - RJ

16 DE OUTUBRO - 20h - NO BAR CHOPP DA VILLA (LARGO DA VILLA SANTA RITA, EM CAMPO GRANDE - RJ)

Prefácio de "A rebelião dos sinais":

A causa do bom português

Arthur Dapieve

Há não muito tempo um canal de TV por assinatura cismou de, para parecer moderninho, legendar os filmes que exibia numa determinada sessão à moda da internet. E tome vc e tome naum e tome tc. A invencionice foi rechaçada tão rápido e unanimemente que saiu do ar. “A rebelião dos sinais”, minipeça que dá nome a esta coletânea de contos de André Luís Mansur, adota um tom quase infantil para abordar essa questão bem adulta: a contagiosa canibalização da linguagem nas salas de papo na internet e fóruns assemelhados.

Mansur, é claro, legisla em causa própria: a do bom português. Apesar da alegoria do Til, do Ponto de Exclamação e dos demais sinais gráficos – salvo o Trema, coitado, definitivamente desempregado pela nova reforma ortográfica – entrando em greve, a maioria dos outros heróis do autor é bem pé no chão. Eles são gente do povo, comum, de carne e osso, capaz até de escutar Chet Baker no ônibus que volta de Vitória, onde se foi assistir ao casamento de uma ex-namorada (caso do narrador de “O ônibus na estrada reluzente”). Seus personagens frequentam filas do INSS sem nenhuma esperança de transcendência. Eles não comportam a idealização da literatura-como-tese-sociológica.

O narrador de “Zé Pereira” é um bom exemplo. Há vinte anos ele vive feliz, ou ao menos anestesiado, com Suzane. Só os roncos dela o incomodam. Cada vez mais careca, cada vez mais barrigudo, Pereira desconfia que sua chefa lhe joga os olhos verdes em cima por mais tempo que o razoável. Até a noite de temporal em que ela lhe serve um uisquinho após o expediente. “Entendi o que era a traição sentado ali, poltrona giratória, olhando a chuva pela janela”, medita Pereira. É esse caminhar conformado para o cadafalso que delimita o heroismo nos contos de "A rebelião dos sinais”. O heroismo da tragédia grega. Para que lutar contra o próprio destino, seja ele qual for? Inútil, tudo inútil. Diferentemente de clássico helênico padrão, porém, Mansur tem senso de humor. Mesmo na desgraça mais profunda há espaço para um riso dolorido. E para as perturbadoras Reticências...


Entrevista para a rádio MEC, programa Estação Cultura, com Alessandra Eckstein:
http://bit.ly/bwydPc.

8.16.2010

OS 300 ANOS DA INVASÃO FRANCESA AO RIO DE JANEIRO


Faz três séculos que o Rio de Janeiro viveu um dos capítulos mais dramáticos de sua História

No dia 17 de agosto de 1710, uma frota composta por seis embarcações e um número entre 1000 e 1500 corsários franceses tentou entrar no estreito gargalo da Baía da Guanabara. Lógico que o objetivo deles não era nem um pouco amistoso. Corsários eram piratas, digamos, “oficiais”, pagos pelos seus respectivos reinos para invadir e saquear territórios inimigos. À frente da esquadra estava Jean François Du Clerc, audacioso comandante nascido na ilha de Guadalupe, no mar do Caribe, e que adquirira grande fama pelas várias vitórias conseguidas contra portugueses e ingleses em acirradas batalhas navais.

Repelidos pelos canhões da Fortaleza de Santa Cruz, os franceses seguiram rumo ao litoral oeste da cidade. Saquearam algumas fazendas e igrejas na Ilha Grande e na Ilha da Madeira, não sem reação dos moradores, que mataram e feriram alguns dos invasores, e resolveram invadir a cidade pela Barra de Guaratiba, desembarcando naquela praia em 11 de setembro. Guiados por quatro escravos fugidos, saquearam novamente fazendas e igrejas (entre elas a de Santo Antônio da Bica, restaurada há algumas décadas pelo paisagista Burle Marx) e seguiram rumo ao centro da cidade, provalmente pelas montanhas de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca.

Entrincheirados entre os morros da Conceição e de Santo Antônio, as forças de defesa comandadas pelo governador Francisco de Castro Morais, não impediram o avanço dos franceses, que chegaram no dia 19 e seguiram rumo por Santa Teresa até a altura do Largo do Carmo, atual Praça XV, onde ocorreram os principais combates. Os brasileiros eram liderados por Gregório de Castro Morais, irmão do governador, e pelo Frei Francisco de Meneses. Entre seus combatentes mais fervorosos, estavam os estudantes do Colégio dos Jesuítas, no morro do Castelo. Além de tiros, pedras e facadas, os franceses precisavam enfrentar as tinas de água fervente despejadas pelos moradores nas ruas estreitas da cidade.

Perdida a guerra, com um saldo de 300 franceses mortos e 500 feridos, 50 defensores mortos e cem feridos (números sempre estimados apenas), os franceses presos ficaram espalhados em alguns lugares da cidade. Du Clerc foi preso no Colégio dos Jesuítas, mas conseguiu ser removido para a casa do Tenente Tomás Gomes da Silva, na rua da Quitanda – um dos melhores sobrados da cidade na época. E aí acontece outro episódio obscuro de toda esta história, pois na noite de 18 de março o comandante francês foi assassinado na cama. Havia rumores de que Du Clerc andou se engraçando com algumas senhoras respeitáveis da sociedade carioca, entre elas a própria esposa do governador. O caso nunca foi esclarecido e de certa forma foi vingado pela invasão de René Duguay-Trouin no ano seguinte, que só soube da morte de Du Clerc quando aqui chegou e que conquistou a cidade com extrema facilidade, exigindo um resgate altíssimo para ir embora. As falhas do governador na defesa da cidade durante esta segunda invasão lhe valeram o afastamento do cargo e a fama de covarde e ineficiente na defesa da cidade.

* Li muitos livros que citam o tema, o mais completo, no entanto, é "Os arquivos da invasão", do pesquisador Ronaldo Morais, que foi a fundo na sua pesquisa sobre a incrível aventura do corsário francês.

* Pintura: “Derrota dos Franceses e Prisão de Du Clerc em 1710”- Armando Viana. Museu Histórico Nacional-GB

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7.21.2010

OS PESCADORES DA PIEDADE


A praia da Piedade, em Magé, cidade situada às margens da Baía de Guanabara, abrigou um dos portos mais movimentados do Brasil Colônia, por onde chegavam as riquezas das Minhas Gerais e por onde embarcavam passageiros que depois seguiriam para a região serrana do estado. Não à toa, foi nesta cidade que surgiu a primeira estrada de ferro do Brasil, obra do Barão de Mauá, inaugurada em 30 de abril de 1854.

Uma história muito conhecida na região é a do Poço Bento, que teria sido encontrado pelo famoso padre José de Anchieta. Reza a lenda que em 1556 o missionário encontrou o poço, na praia da Piedade, e viu que a água era imprópria, muito salobra, e que com um pequeno toque do seu cajado ela teria se tornado potável. Outra versão é que o padre teria perfurado a terra, muito árida e seca, com o seu cajado e a partir daí teria surgido uma água cristalina. Com a divulgação do suposto milagre, o poço bento, como passou a ser chamado, virou uma atração turística na praia e é muito visitado até hoje, quando romeiros o procuram em busca de curas para as suas doenças. Os padres jesuítas construíram uma ermida no morro da Piedade, ali pertinho, e que deu origem ao santuário de Nossa Senhora da Piedade.

A praia da Piedade foi muito importante para a cidade de Teresópolis, pois para se chegar à cidade serrana era preciso passar pelo cais que existe até hoje na praia. Infelizmente, como em todas as praias da Baía de Guanabara, a da Piedade é imprópria para banhos. Pior do que isso é a situação dos pescadores, que precisam tirar o seu sustento das águas imundas da Baía de Guanabara.

Um projeto muito interessante, do qual tomei conhecimento há pouco tempo, foi desenvolvido no Colégio Estadual de Magé. Intitulado “Os pescadores da Praia da Piedade ensinando a pescar”, além de demonstrar os reflexos da poluição na Baía de Guanabara na atividade dos pescadores, alunos e professores do colégio fizeram entrevistas, organizaram maquetes e participaram de aulas sobre a degradação do meio ambiente na região.

Os alunos fizeram quatro visitas à região, orientados pelos professores, nas quais tiveram contato direito com a realidade dos pescadores, como a sujeira na praia e no manguezal e aprenderam um pouco sobre a rica História da região, para a contextualizar tudo o que aprenderam. Seria muito bom se mais trabalhos deste tipo fossem feitos com nossos alunos. Espaço físico é que não falta e um bom exemplo é o que acontece no outro lado da cidade, onde a Baía de Sepetiba sofre os mesmos problemas que sua ´prima´ mais famosa, e que torna tão difícil quanto a vida dos pescadores das praias da Pedra de Guaratiba e de Sepetiba.


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5.31.2010

A COPA DO MUNDO E OS FICHAS SUJAS


A primeira Copa do Mundo a que assisti de verdade foi a de 82 e lembro bem da fatídica derrota para a Itália, no estádio Sarriá, que provocou a tão famosa comoção nacional. Bem, de lá pra cá, já se foram seis Copas do Mundo e o que venho observando, de quatro em quatro anos, é que alguma coisa realmente mudou. Já não há mais aquela euforia de outrora, quando, mal acabava o Carnaval e “começava o ano” da Copa, ruas eram pintadas e decoradas, você via uma quantidade muito maior de camisas amarelas e de bandeiras nos carros, de vez em quando um ou outro já soprava aquelas cornetas infernais, enfim, havia um frisson, um prenúncio de catarse coletiva que, à medida que ia se aproximando a convocação do escrete, assumia uma condição de paralisação do país, da tal “pátria em chuteiras”, como bem definiu um dia Nelson Rodrigues.

Já vinha notando esta redução do estado de euforia, se é que podemos chamá-lo assim, mas neste ano a coisa chegou ao seu auge, às vezes até dando a entender que não teremos Copa do Mundo e que a vida vai transcorrer tranqüila no mês de junho, apenas com a diferença de que haverá uns joguinhos da seleção aqui e ali.

É claro que o futebol é o esporte mais popular do mundo, mexe realmente com as emoções de quem o aprecia e, no caso da Copa do Mundo, até de quem mal conhece as suas regras. Mas sempre achei um exagero o estado de loucura coletiva que via não só durante a competição, mas já nos meses anteriores, uma dependência completa do resultado da seleção, que se perdesse provocaria uma catástrofe geral, uma quebradeira na economia, que todo mundo ficaria perdido, sem um rumo, sem um horizonte, uma esperança – algo parecido com o que ocorreu na Copa de 82.

Bem, é verdade que a televisão já está nos entupindo de anúncios sobre a Copa, algumas ruas foram enfeitadas, mas realmente não há nada que se compare a tempos como o da carta que Carlos Drummond de Andrade escreveu para o neto Luiz Maurício, um pouco antes da derrota para a Itália: “Aqui vivemos em plena euforia pelo futebol, como se o futuro do país dependesse dos pés de Zico, Éder e Sócrates. As ruas estão inundadas de flâmulas e faixas verde-amarelas, e até o asfalto foi pintado com as cores dos clubes e os retratos dos jogadores. Uma verdadeira loucura que tem um componente de alienação: procura-se esquecer a inflação torcendo pela vitória na Copa do Mundo”.

Pena que o grande poeta de Itabira não esteja mais entre nós para uma avaliação bem mais precisa do que mudou neste longo período de alegrias e frustrações futebolísticas, pois o que me parece que esteja acontecendo neste ano seja realmente um sinal de amadurecimento político, já que a grande mobilização nacional que percebi nas últimas semanas foi em relação à votação dos fichas sujas, que se não foi aquilo que se esperava, já foi um avanço muito grande para um tema que achávamos que jamais seria “votado pela maioria”.

Em recente palestra no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, dentro do excelente evento “Brasil, futebol e livros”, o sociólogo Ronaldo Helal descreveu este cenário de forma bem profunda e abrangente, dizendo que o que acontecia antes é que a derrota ou a vitória em Copas do Mundo ultrapassava as fronteiras esportivas e alcançava uma dimensão de perda ou ganho de “auto-estima nacional”. Quando perdíamos, adotávamos o tal “complexo de vira-latas”, para usar a famosa expressão cunhada por Nelson Rodrigues, e quando vencíamos dizíamos que “com o brasileiro não há quem possa”, fazendo uma referência à música-tema da vitória no Mundial de 58.

Segundo Helal, e concordo plenamente com ele, hoje a seleção brasileira e a Copa do Mundo se limitam simplesmente à esfera esportiva, ainda mais que a seleção hoje é formada basicamente por jogadores que atuam no exterior, o que reduz e muito a empatia com a seleção. Basta ver que as paixões clubísticas continuam acirradas, já que os clubes e seus jogadores estão próximos do torcedor.

Seria muito bom aproveitar esta nova, digamos, mentalidade e desejar que as pessoas voltassem a se mobilizar pelas grandes causas públicas, ainda mais agora, com a grande rede virtual da internet como auxílio. Que a vibração que a Copa do Mundo traz, mesmo para quem nunca acompanha futebol, sirva de estímulo para a esta possível mudança de postura, ainda mais que logo depois vem disputa das eleições, uma “competição” cuja derrota tem um efeito muito mais prolongado do que a de uma Copa do Mundo.

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5.17.2010

POR QUE POLÍTICOS NÃO VÃO AO HOSPITAL PÚBLICO?


Creio que deveria haver uma lei que obrigasse os políticos a usarem sempre os serviços públicos de saúde e educação, e não os D´or da vida, que no final das contas acabam sendo pagos com dinheiro público. Da mesma forma, seria muito mais honesto ver o filho de um governador ou prefeito, por exemplo, começando o ano letivo numa escola pública,junto com gente de todas as classes sociais, a mesma gente que votou naquele político para ele se dedicasse, entre outras coisas, a melhorar exatamente a saúde e a educação públicas.

Pois qual a credibilidade que um político tem se quando ele fica doente é logo internado no melhor hospital particular da cidade, com uma infraestrutura de primeira, médicos atenciosos e bem pagos e quarto particular? E também qual a credibilidade do político cujos filhos estudam num colégio caríssimo, com educação integral, aulas de arte, inglês, esporte, música, teatro etc, etc? Onde fica a tal história de “dar o exemplo”? Mal comparando, é como se um alto diretor da Volkswagen chegasse ao trabalho tranquilão, dirigindo o último modelo da...Fiat.

Se um político não tem coragem de procurar um hospital público ou duvida da capacidade da escola pública de dar uma educação de qualidade aos seus filhos, então ele não serve para ocupar um cargo público. Pode ser que tenha muito sucesso numa empresa privada, num cargo de empresa particular, mas o nome “público” não tem nada a ver com ele.

Quer dizer, aquele que não pode pagar um bom plano de saúde ou uma escola particular que se vire com as filas, com as máquinas quebradas, com os diversos problemas de infraestrutura, de baixa auto-estima dos profissionais, dos salários irrisórios, de tudo o que serve para desestimular os profissionais destas áreas, que apesar de tudo ainda se esforçam para proporcionar um serviço razoável nestas duas áreas, essenciais em qualquer parte do mundo.

Será que se essa lei existisse os serviços públicos de saúde e educação não melhorariam, já que o político e a sua família “sentiriam na pele” o atendimento público? Mas, afinal, quem é que faz mesmo as leis, hein?

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4.07.2010

DUZENTOS ANOS DE ENCHENTES


Por que uma tragédia precisa se repetir indefinidamente? O temporal que provocou o caos no Rio de Janeiro, com mais de 200 mortes, carrega um elemento ainda mais dramático, pois está perto de se completar 200 anos uma enchente devastadora que assolou a cidade entre os dias 10 e 17 de fevereiro de 1811 e que ficou conhecida como as “águas do monte”, pois a chuva descia dos muitos morros do centro do Rio e alagava tudo, provocando deslizamentos, desmoronamentos e muitas mortes.

De lá para cá, pelo visto nada mudou. Quer dizer, mudou para pior, pois a cidade se alastrou, sem nenhum planejamento urbano, e hoje apresenta uma situação para a qual não vejo solução, da mesma forma que em São Paulo as enchentes do Tietê vão continuar provocando o caos na cidade.

Nas “águas do monte”, parte do extinto morro do Castelo, berço da cidade, desmoronou, levando junto muitas casas. As igrejas da cidade acabaram acolhendo os muitos desabrigados, por ordem do príncipe D. João, e o principal meio de transporte na cidade acabou sendo a canoa, herança dos indígenas (chegou a haver uma batalha de canoas na Baía de Guanabara na época da guerra entre portugueses contra franceses e tamoios pela conquista da cidade) e que encontra sua referência nas balsas dos bombeiros hoje em dia para tirar gente de ônibus, nas pranchas de surfe e até nos pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas, que invadiram a rua e serviram de condução para quem queria fugir das enchentes.

Segundo conta o importante historiador Vieira Fazenda, citado por José Antônio Nonato e Núbia Melhem Santos no excelente livro “Era uma vez o morro do Castelo”, começou a chover torrencialmente às 11 da manhã do dia 10 e “a borrasca, longe de amainar, continuou incessante durante sete longos dias de verdadeiro suplício para os habitantes desta heróica e leal cidade”. As ruas, assim como hoje, viraram “caudalosos rios”, o Campo de Santana se transformou em uma grande lagoa e muita gente morreu soterrada nas casas que ruíram com a grande massa de terra que desceu do morro do Castelo, principalmente as casas do antigo Beco do Cotovelo, na parte do morro que ficava defronte à Ilha das Cobras.

Uma canção muito popular no século XIX guardou na memória dos cariocas a tragédia de 1811. Dizia:

- Vem cá Bitu! Vem cá Bitu!
Vem cá, vem cá, vem cá...
- Não vou lá, não vou lá, não vou lá,
Tenho medo de apanhar!

- Cadê o teu camarada?
- Água do Monte o levou...
Não foi água, não foi nada,
Foi cachaça que o matou.


Registrada por Santa Ana Nery, a letra de “Vem cá Bitu!” deve ser acompanhada pela melodia da cantiga de roda “Cai, cai, balão” e Bitu, segundo conta Vieira Fazenda, parece ter existido mesmo. Teria sido um dos mortos entre as casas soterradas pelo morro do Castelo.

Sua triste cantiga, pelo visto, ecoa até hoje entre os escombros desta cidade que não consegue absorver as tais intempéries da natureza.

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3.22.2010

JOÃO ANTÔNIO


Como conhecer um grande escritor sem se dar conta disso.

Foi no final de 1993. Fazia meu estágio de jornalismo na TVE do Rio de Janeiro e de vez em quando mostrava meus textos de ficção para alguém, podia ser algum colega de profissão ou um convidado do programa “Sem Censura”. Numa dessas ocasiões, dei de cara na redação com o escritor João Antônio, que havia acabado de ser entrevistado no citado programa, na época ainda comandado por Lúcia Leme.

Já tinha ouvido falar nele e sabia que era um grande contista, dos nossos melhores, mas que andava muito mal divulgado. O problema, no entanto, é que não tinha lido nada dele. Mesmo assim, ostentando aquela famosa “casa de peroba”, um grau acima da “cara de pau”, e aproveitando que ele estava bem relaxado no ambiente congelado da redação, fui lá, me apresentei e perguntei se ele poderia dar uma olhada nos meus textos, já achando que iria fazer o que todos faziam, uma pequena mesura social e guardar o envelope pardo com as folhas datilografas, prometendo entrar em contato – o que pouquíssimos fizeram.

Qual não foi minha surpresa quando ele me convidou, como se fôssemos amigos de longa data, a bater um papo. Saímos da redação, na avenida Gomes Freire, e fomos até a esquina da rua da Relação, em frente ao Hotel Marialva, onde havia um boteco daqueles bem tradicionais e que nada tem a ver com os espaços estilizados de hoje, caríssimos e que entram na moda sob a alcunha de butiquins sem sequer ostentarem um singelo ovo cor de rosa.

Da longa conversa, entre cervejas (para mim) e doses de ypioca (para ele), ficaram muitas e boas lembranças. O texto? Deu uma rápida olhada e me disse uma frase emblemática: “Leia os russos. Se quiser escrever sobre o povo, leia os russos”. Quando foi embora, de ônibus, fiquei com a certeza de ter encontrado um ser humano especial, que unia simplicidade, muita cultura e um amor incondicional pelos livros e pela gente humilde, não à toa que seu grande mestre na literatura era Lima Barreto.

Mantivemos o contato, seja por telefone ou ao vivo, pois chegamos a trabalhar juntos dois anos depois no jornal “Tribuna da Imprensa”, ele como cronista. Numa das últimas ligações, em 1996, João me pediu para comprar edições antigas de livros dele, que naquele momento eu já conhecia e me apaixonara, me familiarizando com vários personagens ´viradores´ das noites, como Malagueta, Perus e Bacanaço, Paulinho Perna Torta, Meninão do Caixote e Joãozinho da Babilônia. Comprei uns cinco livros em sebos do centro da cidade e marcamos o encontro no apartamento dele, na praça Serzedelo Correia, em Copacabana (bairro sempre presente na sua obra).

Era a minha primeira visita. João morava sozinho e o que me chamou logo a atenção foi a quantidade de móveis antigos e pesadões no amplo apartamento, o que me passou uma sensação de melancolia. Obviamente, conversamos bastante. Mostrei uma crônica, que ele leu e gostou, e depois fomos tomar um café na praça. Antes, ele quis me pagar pelos livros, o que recusei. Em troca, me presenteou com uma edição de “Patuléia – “, coletânea de contos seus lançada há pouco tempo pela editora Ática. Dizia a dedicatória: “Ao André Luis Mansur, que se interessa pelas coisas brasileiras. Um abraço do João Antônio. Copacabana, 1º de agosto de 1996".

Conversamos mais um pouco e fui para casa, mas um pouco preocupado devido a um acesso de espirros que ele teve e que me disse não ser nada demais. Eu trabalhava na rádio Brasil, da LBV, como redator. Dois meses depois, com uma profunda tristeza, redigi a notícia da morte do escritor João Antônio, um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, encontrado morto em seu apartamento em Copacabana após passar mal. Nem preciso dizer que guardo o livro com a dedicatória entre os meus bens literários mais valiosos, uma despedida sem dizer adeus.

Pedra de Guaratiba, 11 de março de 2010, um pouco depois do pôr do sol.

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3.01.2010

RIOS ANTIGOS


Um dos principais sintomas da degradação ambiental de uma cidade ocorre quando seus rios passam a ser chamados de valões. Aqui no Rio de Janeiro isso ocorre em todos os bairros e o mais irônico é que a cidade carrega um rio no nome, conseqüência do equívoco dos primeiros navegantes, que, ao chegarem aqui em 1º de janeiro de 1502, confundiram a Baía de Guanabara com a foz de um grande rio. Como estávamos em janeiro, Rio de Janeiro.

Já o rio que deu nome aos nascidos na cidade, o Carioca, é hoje quase totalmente canalizado. Tem apenas um pequeno trecho visível no Largo do Boticário, no Cosme Velho, e desemboca de forma muito mal-cheirosa na Praia do Flamengo. Era às margens dele que o fidalgo português Martim Afonso de Souza morava, em 1531, numa casa de pedra, origem do termo cari-oca, dado pelos indígenas e que significa ´casa de branco´.

Apesar da lastimável situação atual, os rios antigos já foram o principal meio de transporte desta cidade, já que as poucas trilhas que existiam eram perigosas e cheias de obstáculos. Assim, rios como o Maracanã, o Comprido, o Carioca, o Andaraí, o Piraquê, o Meriti, o Piraquara, o Guandu e tantos outros foram responsáveis pela maior parte da movimentação de cargas e passageiros da cidade por muito tempo, sempre atrelados a ancoradouros e portos que já não existem, como os de Irajá e Maria Angu, fundamentais para o escoamento de boa parte da produção agrícola do subúrbio carioca.

Destes tempos de grande importância para o desenvolvimento da cidade só ficaram mesmo os nomes dos rios - boa parte subterrâneos - e os que não passaram por este processo ficam expostos a todo tipo de degradação, não apenas do esgoto jogado in natura nas suas águas, que nascem limpas e cristalinas nas serras, mas também à falta de educação dos moradores próximos que jogam todo tipo de porcaria em suas águas, de sacos plásticos a cadeiras, sofás e até geladeiras velhas. Um projeto que deu certo aqui na cidade é o dos ´guardiões dos rios´, realizado por pessoas que recebem um salário para não apenas manter o leito do rio sempre limpo mas também as margens. O trabalho recebe o apoio de jardineiros, também da prefeitura, que estão transformando alguns rios em verdadeiras alamedas, com plantas e árvores bem diversificadas. Vendo o trabalho bem feito e o cuidado com que o rio é tratado, a quantidade de lixo jogada neles depois que o projeto começou diminuiu consideravelmente.

Mas fica aqui uma sugestão, que já compartilho com alguns amigos: por que não chamar o rio pelo nome? Nos mapas da prefeitura, é fácil identifica-los e alguns têm até plaquinhas. Não que isso vá lá mudar muita coisa, mas só de não chamá-los de valão, nome que simboliza sujeira e podridão, quem sabe eles não passem a ser mais respeitados? Afinal, não dizem que o sujeito só passa a existir quando é batizado?
Eu não sei não, mas depois que passamos a chamar o rio perto da minha casa pelo nome dele, Cabuçu-mirim, afluente do Cabuçu, que desemboca no Piraquê e deságua na Baía de Sepetiba (este poderia ser o seu ´nome completo), já percebi que duas garças aparecem por lá todas as manhãs e ficam se refestelando num banco de areia que surgiu milagrosamente no meio do rio.

* Imagem atual do Rio Carioca, na altura do Largo do Boticário.

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2.19.2010

ENFIM, O RÉVEILLON


Já está mais do que na hora de transferirem a queima de fogos do réveillon para a quarta-feira de cinzas.

Não sei se isso acontece em outros lugares, mas o Brasil deve ser o único país do mundo que tem dois inícios de ano, o oficial, no dia 1º de janeiro, com a mundialmente famosa queima de fogos na praia de Copacabana, e o que realmente funciona na prática, ou seja, depois do Carnaval.

Por mais que você não goste da festa momesca, não adianta. Do "início de ano" até a quarta-feira de cinzas, nem tente desenvolver qualquer projeto profissional, não adianta querer reformar a casa, comprar carro ou bicicleta, publicar livro, lançar disco e, acredito, não adianta nem tentar iniciar um namoro. Casar então, de jeito nenhum. A frase que mais se ouve neste período de pré-tudo é a acomodada e preguiçosa “ah, deixa isso pra depois do Carnaval...” Ou então: “Pô, cara, não esquenta a cabeça com isso agora não, depois do Carnaval tu vai ver, tudo vai se resolver”. Ou, mais ainda. “Meu irmão, faz o seguinte (com a mão no ombro): me procura depois do Carnaval. Até lá, não quero pensar em nada”.

Se isso é bom ou ruim, é difícil responder. Só sei que no Brasil o ano de fato só tem dez meses e é desta forma que devemos nos programar para não pintar a frustração. Até o final de fevereiro, devemos apenas embalar as rotinas de forma cômoda e despreocupante para só após o Rei Momo devolver a chave ao que sobrou da cidade fazermos um planejamento do ano que realmente começa.

Por isso, sugiro aqui a transferência, válida em todo o território nacional, da tradicional queima de fogos do réveillon para a quarta-feira de cinzas, até porque após os fogos só sobram cinzas mesmo e aí teríamos um simbolismo muito mais forte. Dezembro, janeiro e fevereiro são meses em que já estamos mesmo à meia-bomba, quase sempre com a bateria descarregada após um ano inteiro de atividades, e nada se aproxima mais de uma catarse, de uma "Fênix ressurgindo das cinzas" (olhas elas aí de novo), do que o Carnaval, quando mesmo quem não curte a festa tem a nítida impressão de que algo se foi e que agora é a hora - seja lá do que for.

Está dada a sugestão. E depois pensamos na Copa do Mundo e nas eleições, que aí já é outro papo.

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