1.31.2022

A CASA ESQUECIDA DE MACHADO DE ASSIS


Rua dos Andradas, 147, centro do Rio. Neste imóvel Machado de Assis e sua esposa Carolina moraram alguns anos, logo após o casamento deles, em 1869. Só existe a fachada e embaixo funciona um estacionamento.

(foto tirada por mim)

1.17.2022

OS DUZENTOS ANOS DO ENCONTRO ENTRE LEOPOLDINA E JOSÉ BONIFÁCIO EM SANTA CRUZ


Por André Luis Mansur 


Faz 200 anos que um encontro ocorrido na região de Santa Cruz e Sepetiba, no Rio de Janeiro, marcaria o início de uma grande amizade e também teria repercussão no processo de independência do Brasil. Naquele dia 17 de janeiro de 1822, chegava de Santos, e desembarcava no antigo Cais de Sepetiba, José Bonifácio de Andrada de Silva, com sua comitiva. Aquele que seria denominado o "Patriarca da Independência" havia sido convocado para participar das articulações políticas que iriam culminar na Independência do Brasil em relação a Portugal. E quem estava na Fazenda de Santa Cruz, pertinho do Cais de Sepetiba, naquele momento, era Leopoldina, a futura Imperatriz do Brasil, que foi ao encontro de José Bonifácio e sua comitiva, ansiosa que estava por conhecê-lo, já que os dois desfrutavam de vários interesses em comum, entre eles as ciências naturais - em especial a mineralogia. “Desde o primeiro encontro estabeleceu-se entre ambos profunda simpatia, um desses nobres laços de amizade que tantas vezes ligam grandes príncipes aos homens superiores. A princesa não ficara somente encantada por poder falar na língua materna ao sábio de reputação europeia, mas também por ter encontrado um brasileiro cujos vastos conhecimentos no campo das ciências podia admirar e cujos pensamentos políticos se aproximavam dos seus” (A Imperatriz Leopoldina – Sua vida e sua Obra, de Carlos H. Oberacker Jr.)).



Leopoldina estava em Santa Cruz, Palácio de Veraneio de Família Imperial, com os filhos, Maria da Glória e João Carlos. Ela, que estava grávida novamente, havia sido enviada para lá, às pressas, na madrugada do dia 12, por D. Pedro I, já que o clima no centro da cidade estava tenso desde o famoso Dia do Fico, em 9 de janeiro, quando D. Pedro, então príncipe-regente do Brasil, se recusou a voltar a Portugal. O gesto foi considerado uma rebeldia às ordens das Cortes Constitucionais Portuguesas, que queriam fazer o Brasil voltar à condição de mera colônia portuguesa, o que o Brasil não era desde 1815, quando D. João criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Após o Dia do Fico, a Divisão Auxiliadora Portuguesa, comandada pelo General português Jorge Avilez, ameaçou levar D. Pedro à força para Lisboa e seus soldados começaram a fazer arruaças pelo Centro da cidade. 



Depois de descansar na fazenda, José Bonifácio e seus comandados seguiram para a Corte, a fim de ser nomeado Ministro da Justiça e Negócios Estrangeiros, enquanto Leopoldina e os filhos ainda ficariam em Santa Cruz até o dia 19. Ao voltarem, no entanto, o príncipe João Carlos, que tinha apenas dez meses de idade e já não estava bem de saúde, acabou piorando e morreu, no dia 4 de fevereiro, confirmando a "Maldição dos Bragança", a de que o primeiro homem a nascer em uma Família Bragança morreria antes de chegar ao trono. 


D. Pedro e Leopoldina encontraram um inimigo comum para a morte do pequeno príncipe: o general Jorge Avilez. Pois foi devido às ameaças dele que Leopoldina e os filhos foram enviados a Santa Cruz, enfrentando uma viagem difícil pela Estrada Real de Santa Cruz, de mais de 60 quilômetros, numa época de muito calor e umidade. Em carta ao pai, D. Pedro dizia que "este infortúnio é fruto da insubordinação e dos crimes da divisão portuguesa. O príncipe já estava incomodado quando esta soldadesca rebelde tomou as armas contra os cidadãos pacíficos desta cidade; a prudência exigiu que eu fizesse partir imediatamente a princesa e as crianças para a Fazenda de Santa Cruz,a fim de as pôr ao abrigo dos sucessos funestos de que estava capital podia via a ser o teatro. Esta viagem violenta, sem as comodidades necessárias, o tempo que era muito úmido, depois de quanto calor do dia, tudo enfim se reuniu para alterar a saúde do meu caro filho, e seguiu-se a morte".


Na carta, D. Pedro também indica que a vingança contra Avilez e seus comandados não se fazia por esperar: "A Divisão Auxiliadora, pois, foi a que assassinou o meu filho e neto de Vossa Majestade. Em consequência, é contra ela que levanto minha voz. Ela é responsável na presença de Deus e ante Vossa Majestade deste sucesso, que tanto me tem aflito, e que igualmente afligirá o coração de Vossa Majestade".


E D. Pedro levantou, não só a sua voz, mas o que podia contra a Divisão Auxiliadora, aquartelada na Praia Grande (atual Niterói), e sempre adiando a volta para Portugal. No dia 9 de fevereiro, um mês após o Dia do Fico, o príncipe embarcou na Fragata União e intimou os portugueses comandados por Avilez, bradando que eles  tinham até o dia seguinte para começarem o embarque, caso contrário os fortes e navios iria atacá-los.


Dois dias depois, a Divisão Auxiliadora foi embora do Rio de Janeiro. E do encontro entre Leopoldina e José Bonifácio, que faz parte de todo este drama histórico, são testemunhas o prédio da Fazenda de Santa Cruz, atual Batalhão de Engenharia Militar Vilagrán Cabrita, no centro do bairro de Santa Cruz, e a praia de Sepetiba, cujo cais, também chamado de Mole Imperial, pode ser visitado no primeiro domingo do mês, durante os passeios do Ecomuseu de Sepetiba.




* Ilustrações:


- Leopoldina

- José Bonifácio

- Fazenda de Santa Cruz - Pintura da inglesa Maria Graham em agosto de 1823

1.10.2022

A BATALHA DE URUÇUMIRIM

O dia 20 de janeiro de 2022, feriado de São Sebastião, marca os 455 anos da batalha de Uruçumirim, que consolidou a fundação da cidade do Rio de Janeiro (ocorrida em 1º de março de 1565) e provocou a expulsão de franceses e seus aliados tupinambás (ou tamoios, que significam "os mais antigos, os avós").

                    Morte de Estácio de Sá

               Pintura de Antônio Parreiras

Os portugueses, comandados pelo governador Estácio de Sá e por seu tio, Mem de Sá, estavam situados na pequena faixa de terra compreendida entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, que hoje é a Praia de Fora e abrange a Fortaleza de São João. Ali, durante dois anos, eles foram atacados com frequência pelos índios aliados dos franceses em canoas que se aproximavam de forma soturna da pequena ocupação portuguesa. Um poderoso sistema de aldeias, que ia da foz do Rio Carioca, na atual Praia do Flamengo, se prolongava até o morro de Uruçumirim, hoje o morro da Glória. Havia também uma aldeia importante na Ilha da Maracajá, atual Ilha do Governador, que também já foi chamada de Paranapuan, entre outros nomes.

Como já se sabia que franceses e tupinambás estavam muito bem entrincheirados, tanto nas aldeias de Uruçumirim quando na Ilha de Maracajá, a expedição de combate foi preparada com muito cuidado. A esquadra contava com seis embarcações. O padre José de Anchieta, o Cacique Araribóia (comandando a tribo dos Temiminós) e outro sobrinho de Mem de Sá, Salvador Correia de Sá, também estavam presentes.
Ao amanhecer do dia 20 de janeiro, após uma missa comandada por Anchieta e o bispo D. Pedro Leitão, as tropas se dividiram em três, comandadas por Estácio de Sá e Gaspar Barbosa, que lutariam em Uruçumirim, e outra que lutaria na ilha de Maracajá comandada por Cristóvão de Barros. Com o reforço, os portugueses partiram para o combate. A batalha durou três dias, com muitos mortos e feridos de ambos os lados, entre os quais o próprio Estácio de Sá, atingido por uma flecha no rosto e que o fez sofrer durante um mês até a sua morte, em 20 de fevereiro, nas instalações portuguesas da Praia de Fora. O cacique tupinambá Aimberê também morreu na batalha e sua cabeça foi colocada numa estaca. A conquista da Ilha de Maracajá, também chamada de Paranapuan, entre outros nomes, também foi difícil. Outro que perdeu a vida foi Gaspar Barbosa, na batalha de Uruçumirim.
Os franceses e tupinambás sobreviventes ainda permaneceram em terras que iam da atual cidade de Niterói a Cabo Frio até 1575, quando foram dizimados a mando do governador Antônio Salema. Os portugueses iriam ocupar o hoje extinto Morro do Castelo. Em torno dele havia charcos, pântanos, lagos e mangues, um imenso desafio que os desbravadores da cidade iriam enfrentar ao longo dos séculos.

1.03.2022

INCÊNDIO NO SENADO




De dia, são os restaurantes. À noite, os bares e boates. O movimento intenso da Travessa do Comércio (antes da pandemia), que, às sextas-feiras, se tornava quase intransitável, parece alheio à trágica história que envolve o local onde funcionou o Senado da Câmara. Apesar do nome oficial, as pessoas se referem à travessa como o Arco do Teles, estendendo ao pequeno trecho de paralelepípedos o nome do Arco que fica num dos extremos da travessa, em frente à Praça XV. Lá dentro, há sempre movimento de turistas, principalmente europeus, entusiasmados com o casario em estilo eclético e bem preservado. Num deles, morou Carmem Miranda, conforme atesta uma placa na entrada do sobrado.

A Câmara foi instalada no local em 1750, quando passou a existir o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Sete anos depois, a Câmara havia recebido o título de Senado da Câmara, concedido por Provisão Régia. Numa das casas, morava o Juiz de Órfãos Francisco Teles de Meneses, de tradicional família carioca e que emprestou o sobrenome ao Arco.
A praça XV ainda se chamava Largo do Carmo e do outro lado estava a Casa dos Governadores (depois Palácio dos Vice-Reis, Paço Real e Paço Imperial). O Arco, que manteve o traçado arquitetônico do período colonial, foi construído segundo projeto do brigadeiro João Fernandes Pinto Alpoim, o mesmo que projetou os Arcos da Lapa e o Paço Imperial.

O incêndio referido no início do texto, com a linguagem do jornalismo atual, começou às duas da madrugada de 20 de julho de 1790 num sobrado da Rua da Praia do Peixe (atual Rua do Mercado) e atingiu quase todas as casas. O arco não foi atingido, mas quase todo o acervo foi destruído. Só foram salvos 48 livros de assentamentos, a imagem de São Sebastião e o estandarte da cidade. Morreram um homem e uma criança, que dormiam no local.
Acredita-se que o incêndio tenha sido criminoso, porque o material destruído era formado basicamente por documentos a processos de ocupação da terra na cidade. As principais suspeitas recaíram sobre pessoas que teriam problemas em relação à posse de terras, pois assim acabaram eliminando a fonte de seus problemas.
Nunca conseguiram descobrir se o incêndio foi ou não criminoso e a única lembrança da tragédia reside numa placa bem ao lado do Arco.

* Foto de Ronaldo Morais tirada em 1984.