Costumo
deixar livros no trem, mais precisamente quando a composição chega à Central do
Brasil, estação final, no centro do Rio de Janeiro. Assim que a "minhoca
de lata" chega, espero todo mundo sair, tiro o livro da mochila, coloco no
canto de um banco e saio, sem olhar para trás. Prefiro esta atitude discreta,
pois seria muito desagradável se alguém me cutucasse no ombro lá na frente e
dissesse, com a melhor das intenções: "Amigo, esqueceu isso aqui".
"Ah, sim obrigado".
Os temas dos
livros variam, pode ser de ficção, História, variedades, o que pintar,
contando que esteja em bom estado. Fico imaginando a reação das pessoas, se vão
gostar, levar pra casa, dar pro filho, ou mesmo deixar de lado. Não sei. O mais
fascinante nesta atividade, que já desenvolvo há muitos anos, é exatamente
deixar a imaginação livre para saber o destino do livro. Um amigo também já fez
a mesma coisa, mas ele acrescentava um pequeno texto no início do livro, quase
uma dedicatória, do tipo "Este livro não chegou a você por acaso, portanto
trate dele com carinho".
Certa feita
vi uma reportagem sobre um grupo que fazia isso, mas em vários lugares, banco
de praça, jardim, ônibus, balcões, metrô e trem, entre outros. Chamavam de
atentado literário, já que tinha sido algum tempo depois dos atentados de 11 de
setembro de 2001. Embora eu já fizesse o mesmo no trem havia algum tempo, gostei
do nome e passei a adotá-lo.
Apenas uma
vez meu atentado literário quase não deu certo. Quando o trem chegou à Central,
entraram várias pessoas para a viagem de volta, já que era de tardinha, hora da
volta do trabalho. Ia deixar um exemplar da "Revista de História", da
Biblioteca Nacional (deixo revistas também, às vezes), devidamente lida. Estava
com um grupo de amigos, sem saber o que fazer, pois os outros trens já estavam
cheios. Por sorte um dos amigos, bastante extrovertido, pegou a revista da
minha mão e, já na saída da estação, quando entrou um rapaz com cara de
estudante, entregou a revista para ele e disse, em um tom que não admitiria
contestação: "Toma!" O rapaz sorriu e ainda balbuciou um
agradecimento, mas já estávamos em um passo rápido e decidido, passo de quem
acabou de cumprir uma importante missão.
Obs: este texto foi escrito dentro do trem, chegando à
estação da Central, onde mais um atentado literário seria feito com sucesso.
3 comentários:
Prezado Mansur
De vez em quando eu também cometo alguns atentados como esse. Meus parabéns pelo excelente texto!
Curioso que ontem eu estava pensando sobre como preciso exercer o desapego aos livros... reflexão advinda de uma lembrança nostálgica dos livros que emprestei e nunca mais retornaram. Como só acredito no acaso-não-ocasional, prefiro pensar que ótimo texto e ótima ideia veio ratificar meu exercício de desapego já iniciado. Adoraria achar um livro com uma dedicatória como as que seu amigo faz... assim não ficaria com a consciência pesada de estar com o livro de alguém... mas teria certeza que fora destinado à mim, nesses instantes de sincronicidade junguiana.
Obrigado, professor. É bom saber que a minha pequena ´transgressão´ também é compartilhada - rs. Grande abraço!
Querida Gaivota, não foi à toa então que este texto surgiu, como um impulso dentro de um sacolegante trem. O desapego aos livros realmente é um grande exercício, ainda tenho algum ciúme de vários, mas aos poucos vou me desapegando. E pode ter certeza, se aparecer algum no banco do trem, realmente foi para você. De repente fui até eu que deixei. Beijinhos.
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