Lançado para marcar os 20 anos da morte de
Tom Jobim, ocorrida em 8 de dezembro de 1994, "Vou te contar - 20
histórias ao som de Tom Jobim" (Rocco) reúne contos de autores
contemporâneos baseados em músicas do grande compositor. É uma homenagem bem
apropriada, pois, como diz Ruy Castro na contracapa, Tom respeitava a palavra
tanto quanto as notas musicais, e o que vemos aqui é uma reverência feita, com
muito talento, a um dos grandes nomes da cultura brasileira.
Organizado
por Celina Portocarrero, o livro segue a ordem alfabética dos autores, de
Adelice Souza a Vinicius Jatobá, que faz uma leitura original de "Águas de
março", repleta de imagens poéticas espalhadas em um ritmo dinâmico. Já
Adelice pontua seu conto com o primeiro verso de "Wave", Vou
te contar, que inicia os parágrafos de uma história que mistura
romantismo, praia e um amor estrangeiro que recebe o aval da rainha do mar.
"Deixei os pés se molharem e a água nada ondulada lambia os joelhos e uma
parte das coxas. E fiquei ali, ainda enxutos o sexo e o ventre, o olhar a
pasmar-se no meio da secura fria. Agradecia, agradecia, agradecia".
Entre
Adelice e Vinicius circulam nomes como Claudia Nina, Susana Fuentes, Lúcia Bettencourt, Marilia
Arnaud, Angela Dutra de Menezes, Silviano Santiago, Henrique Rodrigues, Branca
de Paula, Danielle Schlossarek e Mirna Brasil Portela, que faz de seu conto
"Ligia" uma história de desespero dentro de um avião em turbulência,
o clímax onde nada mais resta a não ser um surpreendente beijo na boca.
O livro não traz as letras completas das músicas que inspiraram os autores, é uma
opção editorial, o que de certa forma dá uma liberdade até maior para que os
contos sejam, de fato, a recriação de cada canção de Tom Jobim. Assim, em
alguns casos, não há, dentro do texto, nenhuma referência explícita à letra da
canção que inspirou o conto, mas podemos observar, aqui e ali, um clima, um
ambiente que nos remete à fonte daquela história.
Homenagear
um grande artista fora da sua área específica é sempre um risco de se
"errar a mão", de se produzir algo completamente fora de contexto,
mas não é o que se vê aqui. Os autores entraram no universo do compositor, acompanhados de uma edição caprichada e as belas
fotos de Isabel De Nonno, que ilustram a capa e o início de cada conto.
Como
Vinicius de Morais, o principal parceiro musical de Tom, já disse numa canção,
"a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", e é exatamente o que
vemos aqui nestas pequenas narrativas, que também podem ser encontros repletos
de acidez, como entre pai e filho que nunca se entenderam
("Fotografia", de Carlos Henrique Schroeder), um ex-casal com muitas
arestas por aparar ("Você vai ver", de Antonio Carlos Viana), a
mulher que aguarda, na melancolia de uma praia onde tudo mudou, o encontro
acordado trinta anos atrás ("As praias desertas", de Marcelo
Moutinho), ou a filha que resolve encarar o passado e rever o pai que abandonou
a família ("Espelho das águas", de Monique Revillion).
Menalton
Braff, o autor mais experiente da coletânea, com seus 20 livros publicados e um
prêmio Jabuti na bagagem, escreve um conto sobre a descoberta do amor, aquele
amor que deixa "minha testa úmida, minhas mãos encharcadas, meus olhos
mergulhados numa nuvem densa" e que pode, ou não, se materializar em um
encontro (novamente ele). E é o amor que sustenta, de fato, boa parte das
histórias, o amor de Tom Jobim pelas pessoas, pela natureza, pela arte, enfim,
pelo seu querido Rio de Janeiro. "Dizem que a maior solidão é a de quem
está no meio de uma multidão. Naquele momento, ele tinha certeza de que a maior
solidão era aquela de quem tem dúvidas acerca do amor, estando ao lado da
pessoa supostamente amada" ("Vivo sonhando", de Danielle Schlossarek).
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