Uma das
atitudes mais corajosas que já tomei na vida foi quando pedi um copo de leite
com manga numa agradável tarde de sábado em um bar do subúrbio carioca de
Cascadura. Não que as condições do estabelecimento fossem inadequadas, era até
simpático o bar, mas o ato de coragem se justifica por eu ter ouvido desde
pequeno que a mistura de leite com manga poderia levar à morte em poucos
minutos.
Não sei
de onde veio a argumentação de que estas duas substâncias unidas poderiam
provocar uma explosão fatal ao entrar no organismo, mas sei que ela existia e
era constantemente lembrada, acabando por se constituir numa das lendas urbanas
de maior durabilidade, tal qual a da mulher loura no banheiro, embora esta eu
nunca tenha tentado desafiar e muitas vezes, quando criança, cheguei em casa
com a bexiga no limite por medo de entrar no banheiro do colégio.
Também
não sei por quais cargas d´água tomei a coragem de fazer o insólito pedido
naquela tarde, enquanto aguardava meu ônibus chegar ao ponto. Tinha 18 anos,
estava feliz, ia a uma festa e não havia qualquer sombra de comportamento
autodestrutivo em minha vida. Talvez fosse uma espécie de rito de passagem,
aquela situação que todo adolescente precisa enfrentar antes de ingressar na
fase adulta de peito aberto, deixando para trás o medo e a insegurança.
Pois bem,
devia ser isso mesmo. E lá fui eu, cheio de coragem, pedir a estranha mistura
num bar cheio de gente bebendo cerveja e outras misturas mais fortes. O
ridículo da cena talvez lembre o personagem Shane, interpretado por Alan Ladd,
pedindo uma gasosa no bar cheio de “homens brabos” do filme “Os brutos também
amam”.
O mais
incrível foi que, ao fazer o pedido, o atendente rapidamente se prontificou a
fazer a, digamos, vitamina, ainda perguntando se eu queria com gelo. Enquanto
ele preparava, fiquei pensando: será que esse perigo só existia na minha
família? Mas não podia ser. Vários amigos e conhecidos me asseguravam que a
mistura leite com manga era tão fatal quando picada de lacraia (outra história
terrivelmente ameaçadora). Ou então será que aquele bar era o único bastião
contra estas lendas disseminadas de geração a geração? Ou o dono era um sádico
especializado em matar fregueses incautos e enterrá-los nos fundos do
estabelecimento, como um bom filme americano de terror classe B?
Não sei,
nada ali parecia tão ameaçador. E quando a mistura ficou pronta e o atendente
falou, num tom razoavelmente alto, “sai um leite com manga”, não vi ninguém
espantando. Achei até que alguma velhinha pudesse pegar o copo e despejá-lo
subitamente na calçada e ainda me dar um belo de um esporro por ser tão
inconsequente. Não, nada aconteceu. E então, de frente para o Viaduto de
Cascadura, bebi tranquilamente meu primeiro copo de leite com manga. Paguei,
agradeci e o atendente me deu o troco como se nada tivesse acontecido.
Peguei
meu ônibus e achava, inconscientemente, que algo ainda aconteceria. De qualquer
forma, tinha meu endereço e um número de telefone na carteira, como meu pai
sempre recomendava, e por isso alguém (uma enfermeira, o mais provável),
poderia dar a trágica notícia à família. Mas, também desta vez, nada aconteceu.
Fui à festa, me diverti bastante, voltei para casa no dia seguinte e nas 48
horas seguintes, que seriam de observação e monitoramente, não tive nem uma
diarreiazinha sequer.
Confesso:
me decepcionei. Uma verdade tão inquestionável como aquela precisaria ter um
fundo de...verdade, pelo menos. Um mito não cai por terra assim, sem esboçar um
mínimo de reação. Mas aquele caiu, de forma irrefutável. Contei a façanha para
amigos e familiares e alguns ainda me chamaram de louco e inconsequente. Seja
como for, depois disso passei a adotar a vitamina de leite com manga no meu
cardápio e me enchi de coragem para tomar outras atitudes impetuosas, como
tomar banho depois do almoço ou andar de ônibus pela avenida Brasil de
madrugada. Mas a mulher loura no banheiro, esta ficou sempre no meu imaginário
como um símbolo de medo e covardia.
Um comentário:
Atendendo a pedidos.... rs
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