"Ferrugem", de Marcelo Moutinho. Editora Record.
Nos 13 contos de "Ferrugem", novo livro de Marcelo Moutinho, transitam personagens que encontramos nas esquinas, ônibus, praias, bares, boates e em outros cenários, inusitados ou nem tanto, de um Rio de Janeiro que o autor, carioca de Madureira, conhece tão bem. O estilo nascido em seu primeiro livro, "Memória dos barcos", de 2001, permanece aqui, no entanto mais encorpado, com pleno domínio de uma estrutura narrativa que muito mais sugere do que afirma.
Moutinho foge dos estereótipos de uma cidade caótica por natureza, com suas doses de violência cada vez mais intensas e surpreendentes, e todos os demais problemas que a metrópole de um país com tantos problemas sociais e políticos corruptos pode carregar. Ele desconstrói a expressão "cidade partida", criada por Zuenir Ventura, ao situar seus personagens em Honório Gurgel, no Lins, na Tijuca, no centro da cidade, na Urca e, claro, em Madureira, todos com os mesmos problemas,
angústias e esperanças, como o rapaz que se apaixona por uma passageira no ônibus ("362"), o casal que comemora o aniversário da esposa em um restaurante chique com uma frieza impressionante, ("Jantar a dois"), o intérprete de músicas de Roberto Carlos que se prepara para o show de sua vida numa boate da Lapa ("Rei") e a expectativa de uma menina em conhecer o Maracanã, apesar da relutância do pai, traumatizado com a derrota do Bangu para o Coritiba na final do brasileiro de 85 ("Domingo no Maracanã").
O conto, que no Rio de Janeiro já reverenciou mestres como Machado de Assis, Lima Barreto, João Antônio, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Drummond, entre muitos outros (não todos nascidos na cidade, mas que a utilizaram como matéria-prima de boa parte de sua obra), encontra na obra de Moutinho, que também é um ótimo cronista, características essenciais de um estilo literário que permanece em plena ebulição, como a clareza e a concisão, o olhar sensível do cotidiano das ruas e o clímax, não necessariamente impactante, mas provocativo e reflexivo.
Muitos dos seus personagens se alimentam da nostalgia, acrescida aí de boas doses de melancolia, solitários na multidão, pessoas que por algum motivo não se transformaram naquilo que desejavam, seguiram por caminhos conflitantes e de repente se veem perplexas diante de uma realidade da qual não gostariam de fazer parte. "O que trinta anos não fazem com uma rua. Não conheço mais ninguém. Andei uns trezentos metros, parei em quatro quiosques e ninguém. Era mato sobre areia, lembra? E os trailer com cachorro-quente da Geneal" (do conto "As praias desertas").
Em alguns contos temos mulheres e crianças no papel de narradoras, nestes casos o autor do livro mergulha com naturalidade em outros papéis, enfrentando as agruras do machismo e a indiferença em relação às fantasias infantis ou, como no caso do primeiro conto, "Xodó", uma aberração cometida pelo irmão mais velho da menina. Variando de cenários, de gêneros e classes sociais, Marcelo Moutinho vai construindo uma obra rica de vozes e perspectivas, todas dentro de uma única cidade, fazendo do "seu quintal" um mundo onde o olhar sobre o outro é o personagem principal.
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