DO SUBÚRBIO À ZONA RURAL - André Luis Mansur (matéria escrita originalmente para a página do facebook Santa Paciência)
Foi na década de 80, mas precisamente em 1984, que vim a conhecer o bairro de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. Morava em Marechal Hermes, no subúrbio, e meus tios, que também moravam em Marechal, tinham se mudado para Campo Grande no ano anterior com os quatro filhos. Meu tio João trabalhava na Ótica Popular, que ficava na rua Augusto Vasconcelos, ao lado do Cine Palácio, com quase 2 mil lugares, considerado o maior, ou um dos maiores, cinemas do Rio de Janeiro. Tanto a Ótica quanto o cinema não mais existem, pois o prédio foi adquirido, no início dos anos 90, pela Igreja Universal do Reino de Deus, que no entanto não pode fazer mudanças estruturais no imóvel, tombado pelo município desde 1990.
Estação de trem de Marechal Hermes
Nesta primeira vinda ao bairro andei por uma Estrada do Cabuçu completamente diferente do que é hoje, 24 anos depois, em que temos engarrafamentos constantes, tal o incremento populacional e da rede de comércio e serviços que o bairro adquiriu nessas duas décadas e meia. O que eu vi e ainda continua circulando pela estrada é o velho 846 (Campo Grande-Rio da Prata), na época ainda da extinta Viação Santa Sofia, uma das principais da zona oeste na época.
Na localidade de Santa Rita, onde fica a casa dos meus tios, que tem esse nome devido à igreja de mesmo nome, todas as ruas, incluindo a deles, a Alto Parnaíba, eram, como se dizia, "de barro", sem a urbanização que só viria em 1991, na gestão do prefeito Marcelo Alencar. De frente para a casa fica a cadeia de montanhas da Pedra Branca, com a serra do Rio da Prata em destaque. Campo Grande, naquela época, ainda respirava muitos traços da vida rural, com vários agricultores passando com enxada na mão, carroças por todos os lados, bois e cavalos, o que contrastava com Marechal Hermes, um bairro que já nasceu urbanizado, em 1913. Outra diferença marcante é que nem todos os rádios pegavam e os canais de TV só eram sintonizados em UHF.
Rio da Prata
O que mais me chamou a atenção no bairro, que é uma característica que ainda vejo hoje, mesmo com tantas mudanças, é a hospitalidade, o "bom dia" que você recebe de quem nunca te viu na vida, a solidariedade dos vizinhos (manifestada, principalmente, quando alguém passa mal), um clima de cidade do interior, poucos prédios (embora hoje exista uma quantidade bem maior), casas com quintal e árvores frutíferas, galinhas ciscando, vira-latas não muito receptivos e quitandas e armarinhos aos montes - e onde sempre dá para fazer um fiado.
Reportagem sobre o Palácio Campo Grande
Campo Grande passou a ser, então, uma espécie de "casa de campo", onde, mal chegava, já era convocado para as peladas na rua "de barro", para as festas juninas que praticamente desapareceram, as festas na Igreja de Santa Rita e aos shows de rock no Ítalo del Cima. E pude constatar, também, as diferenças entre dois bairros que, embora distantes apenas de 30 a 40 minutos de trem, tinham, e ainda têm, características bem diferentes. Um exemplo é a relação com o centro do Rio, que em Marechal Hermes é bem mais próxima. Várias vezes vi gente falando coisas do tipo "vou ali no centro e volto no início da tarde", frase impossível de ser dita em Campo Grande, já que a ida ao centro, para os moradores deste bairro, é uma autêntica viagem, com todos os cálculos logísticos possíveis.
Pesquisa de Fotos- Guaraci Rosa
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