1.17.2022

OS DUZENTOS ANOS DO ENCONTRO ENTRE LEOPOLDINA E JOSÉ BONIFÁCIO EM SANTA CRUZ


Por André Luis Mansur 


Faz 200 anos que um encontro ocorrido na região de Santa Cruz e Sepetiba, no Rio de Janeiro, marcaria o início de uma grande amizade e também teria repercussão no processo de independência do Brasil. Naquele dia 17 de janeiro de 1822, chegava de Santos, e desembarcava no antigo Cais de Sepetiba, José Bonifácio de Andrada de Silva, com sua comitiva. Aquele que seria denominado o "Patriarca da Independência" havia sido convocado para participar das articulações políticas que iriam culminar na Independência do Brasil em relação a Portugal. E quem estava na Fazenda de Santa Cruz, pertinho do Cais de Sepetiba, naquele momento, era Leopoldina, a futura Imperatriz do Brasil, que foi ao encontro de José Bonifácio e sua comitiva, ansiosa que estava por conhecê-lo, já que os dois desfrutavam de vários interesses em comum, entre eles as ciências naturais - em especial a mineralogia. “Desde o primeiro encontro estabeleceu-se entre ambos profunda simpatia, um desses nobres laços de amizade que tantas vezes ligam grandes príncipes aos homens superiores. A princesa não ficara somente encantada por poder falar na língua materna ao sábio de reputação europeia, mas também por ter encontrado um brasileiro cujos vastos conhecimentos no campo das ciências podia admirar e cujos pensamentos políticos se aproximavam dos seus” (A Imperatriz Leopoldina – Sua vida e sua Obra, de Carlos H. Oberacker Jr.)).



Leopoldina estava em Santa Cruz, Palácio de Veraneio de Família Imperial, com os filhos, Maria da Glória e João Carlos. Ela, que estava grávida novamente, havia sido enviada para lá, às pressas, na madrugada do dia 12, por D. Pedro I, já que o clima no centro da cidade estava tenso desde o famoso Dia do Fico, em 9 de janeiro, quando D. Pedro, então príncipe-regente do Brasil, se recusou a voltar a Portugal. O gesto foi considerado uma rebeldia às ordens das Cortes Constitucionais Portuguesas, que queriam fazer o Brasil voltar à condição de mera colônia portuguesa, o que o Brasil não era desde 1815, quando D. João criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Após o Dia do Fico, a Divisão Auxiliadora Portuguesa, comandada pelo General português Jorge Avilez, ameaçou levar D. Pedro à força para Lisboa e seus soldados começaram a fazer arruaças pelo Centro da cidade. 



Depois de descansar na fazenda, José Bonifácio e seus comandados seguiram para a Corte, a fim de ser nomeado Ministro da Justiça e Negócios Estrangeiros, enquanto Leopoldina e os filhos ainda ficariam em Santa Cruz até o dia 19. Ao voltarem, no entanto, o príncipe João Carlos, que tinha apenas dez meses de idade e já não estava bem de saúde, acabou piorando e morreu, no dia 4 de fevereiro, confirmando a "Maldição dos Bragança", a de que o primeiro homem a nascer em uma Família Bragança morreria antes de chegar ao trono. 


D. Pedro e Leopoldina encontraram um inimigo comum para a morte do pequeno príncipe: o general Jorge Avilez. Pois foi devido às ameaças dele que Leopoldina e os filhos foram enviados a Santa Cruz, enfrentando uma viagem difícil pela Estrada Real de Santa Cruz, de mais de 60 quilômetros, numa época de muito calor e umidade. Em carta ao pai, D. Pedro dizia que "este infortúnio é fruto da insubordinação e dos crimes da divisão portuguesa. O príncipe já estava incomodado quando esta soldadesca rebelde tomou as armas contra os cidadãos pacíficos desta cidade; a prudência exigiu que eu fizesse partir imediatamente a princesa e as crianças para a Fazenda de Santa Cruz,a fim de as pôr ao abrigo dos sucessos funestos de que estava capital podia via a ser o teatro. Esta viagem violenta, sem as comodidades necessárias, o tempo que era muito úmido, depois de quanto calor do dia, tudo enfim se reuniu para alterar a saúde do meu caro filho, e seguiu-se a morte".


Na carta, D. Pedro também indica que a vingança contra Avilez e seus comandados não se fazia por esperar: "A Divisão Auxiliadora, pois, foi a que assassinou o meu filho e neto de Vossa Majestade. Em consequência, é contra ela que levanto minha voz. Ela é responsável na presença de Deus e ante Vossa Majestade deste sucesso, que tanto me tem aflito, e que igualmente afligirá o coração de Vossa Majestade".


E D. Pedro levantou, não só a sua voz, mas o que podia contra a Divisão Auxiliadora, aquartelada na Praia Grande (atual Niterói), e sempre adiando a volta para Portugal. No dia 9 de fevereiro, um mês após o Dia do Fico, o príncipe embarcou na Fragata União e intimou os portugueses comandados por Avilez, bradando que eles  tinham até o dia seguinte para começarem o embarque, caso contrário os fortes e navios iria atacá-los.


Dois dias depois, a Divisão Auxiliadora foi embora do Rio de Janeiro. E do encontro entre Leopoldina e José Bonifácio, que faz parte de todo este drama histórico, são testemunhas o prédio da Fazenda de Santa Cruz, atual Batalhão de Engenharia Militar Vilagrán Cabrita, no centro do bairro de Santa Cruz, e a praia de Sepetiba, cujo cais, também chamado de Mole Imperial, pode ser visitado no primeiro domingo do mês, durante os passeios do Ecomuseu de Sepetiba.




* Ilustrações:


- Leopoldina

- José Bonifácio

- Fazenda de Santa Cruz - Pintura da inglesa Maria Graham em agosto de 1823

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