Quem anda pelo terreno firme do centro do Rio de Janeiro com certeza ficará impressionado se souber que está pisando numa grande quantidade de lagoas, pântanos e morros devidamente aterrados ao longo dos séculos. A conquista daquela região foi uma árdua luta contra um terreno onde só era possível a residência principalmente de mosquitos.
Refugiados no extinto morro do Castelo, os pioneiros habitantes da cidade só foram descendo a encosta aos poucos, à medida que o terreno ia sendo conquistado. As primeiras ruas, da Misericórida, cuja ladeira é a única testemunha do que sobrou do morro, e a Direita, atual Primeiro de Março, ainda eram ali, bem pertinho e também próximas ao litoral. Só aos poucos, com a chegada de mais portugueses e a necessidade de se expandir a área residencial, até mesmo para mostrar quem era o dono da terra e evitar novos ataques de franceses ou outros invasores, é que a cidade foi sendo conquistada.
Ladeira da Misericórdia - Foto de Ronaldo Morais de 1984
Imagine o que deviam ser os métodos de drenagem e irrigação daquela época e de quantos braços eram necessários para uma empreitada deste porte. Muito, muito tempo foi preciso para que a cidade ganhasse uma configuração minimamente parecida com a atual. As principais lagoas aterradas foram as de Santo Antônio, do Desterro, da Sentinela, da Pavuna e do Boqueirão.
À medida que charcos e pântanos iam sendo debelados, novas ruas eram abertas, e com um detalhe interessante: quem passa por algumas das que sobraram da época pode perceber que eram ruas muito estreitas, com o objetivo de fazer com que recebessem sombra durante a maior parte do tempo. Uma medida inteligente e adotada em todas as colônias tropicais de portugueses e espanhóis. Quem anda sob o sol de verão pela larga avenida Presidente Vargas, obra da década de 40 do século XX, entende bem a necessidade de tal medida.
Com o desenvolvimento das tecnologias de destruição da natureza, os morros foram sendo tirados do caminho sem dó nem piedade. O Rio de Janeiro, durante um bom tempo, foi a cidade do quadrilátero dos morros, espremida entre os do Castelo, São Bento, Conceição e Santo Antônio. Sobraram os da Conceição, São Bento e menos da metade do de Santo Antônio, já que sua outra parte foi desmontada para a construção da avenida Chile. Outros morros menores foram completamente destruídos, como o do Senado, na rua do Senado e também chamado de morro de Pedro Dias, e o morro das Mangueiras.
Desmonte do Morro de Santo Antônio
Acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
Parte dos aterros destes desmontes foi usada exatamente para acabar com as lagoas e os alagadiços imundos que existiam pela cidade. Nunca é demais lembrar que não existia sistema de esgoto até boa parte do século XIX e por isso os dejetos eram jogados in natura na Baía de Guanabara ou nas lagoas. A rua Uruguaiana, por exemplo, era chamada de rua da Vala por causa da imunda vala que percorria toda a sua extensão e desembocava na baía, carregando toda sorte de detritos. Boa parte deste mar de imundícies também seguia para o Mangal de São Diogo, que já ia para a região além do Campo de Santana e que só seria habitada após a chegada da Família Real e a expansão da cidade no que ficou conhecido justamente como Cidade Nova.
Se formos ver hoje o estado deplorável do Canal do Mangue, descendente direto do Mangal, e da Baía de Guanabara, convenhamos que pouca coisa mudou. Isto sem contar que os rios, principal meio de transporte da época, hoje recebem a triste alcunha de valões.
Rio Carioca atualmente
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