
Apesar de já ter a imortalidade garantida por fazer parte da Academia Brasileira de Letras, o ex-presidente José Sarney parece cultivar outro tipo de "eterna permanência": o poder.
Sua trajetória política comprova isso. Vindo da Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido oficial do governo na época da ditadura, Sarney conseguiu fazer parte da chapa que levaria Tancredo Neves à presidência do país em 1985, numa eleição indireta. Bem, o que aconteceu todo mundo já sabe, e Sarney foi o presidente da chamada “Nova República” entre 1985 e 1990, tendo entregue a Fernando Collor de Melo um país com uma inflação média de 84% ao mês e tendo sido protagonista de um dos episódios mais folclóricos da recente História política brasileira, que foi a picareta arremessada contra o ônibus dele, no centro do Rio de Janeiro.
Recém-eleito presidente do Senado pela terceira vez, José Sarney é uma espécie de eminência parda do governo Lula, que em outras épocas era seu ferrenho adversário, embora em política a amnésia seja um dos atributos essenciais para o sucesso e a sobrevivência. Lula, como político experiente que é, sabe que uma figura como Sarney é imprescindível para a articulação política no Legislativo.
O ex-presidente, com sua fala mansa, seu jeito conciliador, sua vasta experiência na política e na vida e seu profundo conhecimento dos dispositivos internos e da burocracia do Congresso, fundamentais para o governo que quer aprovar um projeto – principalmente se estiver com pressa - representa a figura do trabalhador que já está há muito tempo na empresa e que precisa ser respeitado por quem entra agora, pois conhece todos os atalhos tanto para ajudar como para derrubar. Citando uma tirada filosófica de Romário, Sarney impõe respeito àquele que entra no ônibus agora e já quer sentar na janela.
Aliás, o PMDB, partido de Sarney (que na “infância”, quando se chamava MDB, era oposição à Arena, partido de Sarney), cumpre com perfeição este tipo de política na esfera federal. Nunca lança candidato à presidência (o ex-governador do Rio Anthony Garotinho entendeu isso de forma clara) mas sem ele ninguém governa. Ainda mais agora, que também elegeu Michel Temer para a presidência da Câmara.
Nunca li um livro de Sarney, por isso não posso julgar sua verve literária, mas se um dia ele vier a escrever suas memórias, com certeza elas serão indispensáveis a qualquer um que se interesse por política, independentemente de partido ou ideologia. Posso até sugerir o título: "Políticos e picaretas".