12.26.2006

RESOLUÇÕES DE ANO NOVO


“Ah, nesse ano eu vou...” É o início da frase mais usada no réveillon. Geralmente abre caminho para promessas que nunca serão cumpridas, feitas no calor da euforia das confraternizações, às vezes embaladas pela embriaguez. Quase sempre duram até a primeira segunda-feira chuvosa e entediante, quando a rotina mostra que mudar ainda é um dos verbos mais difíceis de se conjugar.

Geralmente, lá pelo meio do ano é comum ouvirmos diálogos do tipo:

- Ué, mas você não tinha dito que ia parar de fumar?
- Pô, mas como? Não viu a situação que passei?
- É, mas você foi tão enfático lá na praia, depois da queima de fogos.
- Pois é, mas...ah, mas veja bem, não tô fumando até o final, ó. Antes eu chegava até o filtro.
Ah...


- Aquele meu chefe é um #!:*##!!
- Mas você não disse que ia sair de lá até o carnaval?
- Sim, mas ele me deu um aumentozinho, né? E é difícil sair de um lugar onde a gente está acostumado.
- Mas você tem tanto potencial.
- É, eu vou ver como é que fica. Se ele continuar me tratando assim, eu tomo uma decisão!


- Não acredita o que o Oscar está fazendo agora?
- O que foi?
- Deu pra pendurar a cueca na maçaneta quando vai tomar banho. E esquece lá.
- Que absurdo. Mas péra aí.
- O que foi?
- Você não me disse que ia dar um basta? Que ia voltar pra casa da sua mãe e tudo?
- Eu disse isso?
- Disse. Lá em casa. Na hora do champanhe do ano novo.
- Champanhe? Mas eu não bebi champanhe na sua casa.
- Está bem, da cidra, mas é quase a mesma coisa. Você disse que ia fazer e acontecer.
- Ah, mas sei lá, é difícil mudar assim. A gente tá junto há 12 anos. Mas cueca na maçaneta eu não agüento. Até o final do ano tomo uma decisão!

Geralmente as decisões mais importantes são tomadas sem nenhum alarde, aparecem do nada, em um dia comum, que pode até ser uma segunda-feira chuvosa e entediante. Mas antes que este texto pareça de auto-ajuda, termino aqui e desejo a todos que me têm lido neste pequeno espaço virtual um excelente e completo 2007, em todos os sentidos, inclusive no das promessas.

* Veja também (se tiver paciência) meu romance Vera Lúcia (romanceveralucia.blogspot.com) e meu livro de contos Superávit, o herói brasileiro (superavitoheroibrasileiro.blogspot.com

12.04.2006

SERROTE ROBIN HOOD


Como o próprio nome diz, é o serrote que tira dos ricos e dá aos pobres. Como ele faz isso? É simples. Digamos que o serrote tenha boa presença entre as vítimas ricas, exercendo sua função onde sempre tem alguém que faz questão de pagar a conta. Este tipo de serrote não é tão comum, pois ele precisa ter uma certa dose de cultura, alguns inclusive são viajados, já estiveram em grandes centros de arte e cultura do mundo, como Londres, Milão, Viena e Nova York. Um serrote deste tipo costuma ter na ponta da língua citações de grandes escritores, sabe diferenciar um Manet de um Monet, um Mozart de um Brahms e conhece todas as regras de etiqueta possíveis.

Mas o serrote, como já foi dito no primeiro livro, é solidário, ele se preocupa com a dor do próximo, e não é por estar bem que ele se esquece dos amigos de outrora. Ora, digamos que o serrote cresceu num lugar pobre, mas que graças ao seu talento e estudo conseguiu chegar onde chegou. Se fosse um serrote esnobe, ele jamais colocaria os pés de novo no local onde foi criado. Mas o autêntico serrote não tem vergonha do seu passado, nem da sua família nem dos seus amigos. E é nesse terreno que trabalha o serrote Robin Hood.

Bem, o serrote que vive nas altas rodas é abonado, tem sempre dinheiro, costuma andar em carro zero e usa roupas e sapatos caros. Mas tem vezes que o serrote quer simplesmente sentar num boteco legítimo, comer um ovo cor-de-rosa e tomar uma cerveja preta. O problema é que ele não quer ficar sozinho. Como fazer então? Um serrote deste nível não vai serrotar num boteco, pega até mal para a sua imagem. Mas sua imagem também ficaria chamuscada se ele pagasse a conta.

O procedimento correto é o seguinte: ele sabe que o amigo que está com ele tem poucos recursos e se pagar a conta pode estar tirando algum do leite das crianças. Então o serrote utiliza uma técnica conhecida como "escondidinho" ou "dobradinho", dependendo da região do país. Ele pega, por exemplo, uma nota de 20, dobra bem e passa por baixo da mesa para seu amigo, que vai logo entender a atitude do serrote. O serrote Robin Hood assim não prejudica a sua imagem, continua sendo conhecido como serrote, mas agora ganhou um crédito no terreno da solidariedade, pois distribuiu a renda. O amigo paga a conta com o dinheiro do serrote, que ainda vai fazer um jogo de cena para quem estiver por perto, do tipo "pô, cara, vai pagar tudo?".

E volta para casa com a consciência tranqüila e disposto a voltar a serrotar nas altas rodas para recuperar seus 20 reais, com juros e correção monetária.

Leia também: um triângulo amoroso em meio aos bares e prostitutas da Praça Tiradentes. Este é o tema do meu primeiro romance ´Vera Lúcia´, que está no endereço romanceveralucia.blogspot.com

11.21.2006

O DUQUE DE SANTA CRUZ


Quando se estuda a nobiliarquia brasileira, quase não se fala da
existência de outros títulos ducais, além daquele que foi concedido ao marechal Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, que é considerado o Patrono do Exército Brasileiro. Há, além dele, três outros títulos de duque, estreitamente relacionados ao Imperador Dom Pedro I, não apenas por ter sido ele o responsável pela sua concessão, como também por seus laços consangüíneos e familiares.

Luiz Alves de Lima e Silva foi agraciado com o título de Duque de
Caxias em plena Guerra da Tríplice Aliança, contra o Paraguai, em 23 de março de 1869, já no Segundo Reinado. O título de Duquesa de Goiás foi criado para homenagear a filha do Imperador Dom Pedro I com a sua amante D. Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. Isabel Maria de Alcântara Brasileira de Bragança nasceu no Rio de Janeiro em 23 de maio de 1824 e faleceu na Baviera em 3 de novembro de 1898.

A Duquesa do Ceará, cujo título praticamente não é citado, foi uma
homenagem de Dom Pedro I à sua filha Maria Isabel de Alcântara Brasileira de Bragança, também com a Marquesa de Santos. Ao contrário da sua irmã Isabel Maria, que viveu 74 anos, Maria Isabel morreu prematura, com pouco mais de cinco meses de vida. De todos os títulos ducais, mesmo incluindo o Duque de Caxias, o mais curioso parece ser mesmo o Duque de Santa Cruz.

Augusto Carlos Eugênio Napoleão de Beauharnais, que também foi Duque
de Leuchtemberg, nasceu em Milão, no dia 9 de dezembro de 1810, filho do
general Eugênio de Beauharnais, o enteado de Napoleão Bonaparte e seu Vice-Rei de Itália; neto, pela parte paterna, da Imperatriz Josefina, a primeira mulher de Napoleão, e pela parte materna de Maximiliano I, da Baviera.

Com o casamento de sua irmã, a Imperatriz D. Amélia, o príncipe bávaro
D. Augusto veio juntamente com a irmã residir no Brasil, onde morou no
Palácio de São Cristóvão, de 1829 até 1831, quando da abdicação de D. Pedro I. Durante o período de estadia no Brasil, foi homenageado pelo Imperador brasileiro com o título de Duque de Santa Cruz.

Qual a razão para a designação do título como Duque de Santa Cruz?
Segundo estudiosos da nobiliarquia brasileira, incluindo o historiador Ruy Vieira da Cunha, era intenção do Imperador Dom Pedro I transformar a Fazenda Imperial de Santa Cruz, na atual Zona Oeste do Rio de Janeiro, em Ducado, cujo título seria outorgado a Dona Domitila de Castro Canto e Melo.

Com a difícil consolidação do segundo casamento de D. Pedro I, uma das
exigências feitas pela família da Dona Amélia de Leuchtemberg seria o compromisso de que o Imperador se afastasse definitivamente da sua amante. Assim, a intenção de transformar Santa Cruz em Ducado não passou de um projeto malogrado. A outra parte do acordo para a efetivação do casamento incluía também o consórcio matrimonial entre Augusto de Leuchtemberg e a filha de D. Pedro I com dona Leopoldina, cujo nome quilométrico, muito comum na época era:

Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de
Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Luisa Gonzaga de Bragança e Áustria, ou Dona Maria II, rainha de Portugal.

Feliz com o seu casamento, e também com o bom encaminhamento
matrimonial da sua filha, que estava com apenas 15 anos de idade, o Imperador Dom Pedro I resolveu conceder ao seu cunhado o título de Duque de Santa Cruz. Quem se interessa pelo estudo da biografia do nosso primeiro Imperador sabe o quanto ele gostava da Fazenda de Santa Cruz. Lá ele passou os seus momentos de adolescente, aprontou as suas travessuras, viveu intensamente os seus momentos amorosos com
as suas amantes mais conhecidas, como a Marquesa de Santos ou a Baronesa de Sorocaba, e outras menos conhecidas, inclusive escravas que trabalhavam na Fazenda.

Lá ele praticava o seu hobby predileto, que era a criação de cavalos
de raça, e buscava refúgio, quando a situação pessoal ou nacional
se complicava. Nada mais natural, portanto, que o Imperador Dom Pedro I, em um dos momentos mais prazerosos da sua vida, fosse lembrar de criar um título que estivesse relacionado ao local onde ele passara a sua juventude como um bon-vivant.

Daí a criação do título ducal de Santa Cruz e a homenagem prestada por
D. Pedro ao seu genro e cunhado Eugênio de Leuchtemberg. Atendendo a aspiração de D, Pedro I, Eugênio Augusto casou com a rainha D.Maria II, enteada da sua irmã, por procuração, a 1 de dezembro de 1834, confirmando o enlace matrimonial na Sé de Lisboa, a 26 de janeiro de 1835.

Morreu em circunstâncias suspeitíssimas, no leito nupcial, a 28 de
março de 1835, no Palácio das Necessidades, com apenas dois meses de casado. No atestado de óbito consta que foi fulminado por uma sufocante angina, mas há quem afirme que o Duque de Santa Cruz pode ter sido envenenado pela própria esposa.

Sinvaldo do Nascimento Souza
Professor de História e Museólogo
Pesquisador da História de Santa Cruz


- Um triângulo amoroso em meio aos bares e prostitutas da Praça Tiradentes. Este é o tema do meu primeiro romance ´Vera Lúcia´, que está no endereço romanceveralucia.blogspot.com

11.03.2006

O ANIVERSÁRIO DO



Está chegando o dia do aniversário do serrote e ele sabe que poucas pessoas irão se lembrar da data, talvez apenas alguns amigos e parentes próximos. Mas neste ano o serrote quer dar uma festa, uma grande festa. Como fazer? Ora, é óbvio que o serrote, por seus princípios e convicções, jamais irá tirar um níquel do bolso para financiar a festa. Ele faz o seguinte então: convida várias pessoas para a festa, diz que este ano quer comemorar o seu aniversário porque nunca teve uma grande festa, nem na infância, ou seja, conta uma história triste, fundamental para antecipar o desfecho trágico que ele pretende dar à situação.

O serrote deve começar a convidar as pessoas duas semanas antes do aniversário, para dar tempo de chamar bastante gente, e deve estar sempre lembrando os convidados da festa de que "ninguém precisa levar nada", que é "tudo por conta dele". Ora, quando faltarem alguns dias para o evento, todos nas redondezas só irão falar do aniversário, criando uma grande expectativa para a festa.

E é aí que a coisa acontece.

Faltando três dias para a festa, o serrote fica sem sair de casa, não dá as caras na rua, o que logo vai gerar uma grande preocupação. Afinal, ele passou os últimos dias em intensa atividade social. Alguns amigos então resolvem ir visitá-lo.

Ao chegarem, vão encontrar a casa quase toda escura. Vão bater e só na terceira batida o serrote irá atender, com uma expressão triste e cabisbaixa, técnica aprendida pelos serrotes mais dedicados e experientes.

A casa precisa estar meio bagunçada, dando a entender que o dono dela vive uma fase complicada. O serrote vai convidá-los a se sentar e a tomar um café, mas quando abrir o armário vai dizer a seguinte frase:

- Ih, acabou o açúcar. Vocês não preferem água? Só não tá gelada, porque a geladeira quebrou.
Os amigos, percebendo alguma coisa estranha no ar, resolvem ser mais diretos:
- Vem cá, o que que tá havendo? Tu tava todo animado com a festa de aniversário e de repente sumiu, tá aí todo triste, a casa na maior bagunça, não tem nem açúcar pro café...conta pra gente, nós somos seus amigos, pô...o que que tá havendo?

O serrote deverá se valer de toda a técnica de interpretação estudada no Manual do Serrote para mostrar como está sofrendo. Depois de uma pausa, ele se senta, de cabeça baixa. Pode até chorar um pouco, antes de começar a falar:

- Sabem o que é, amigos? Eu tenho até vergonha de falar.

E começa a contar uma história triste, que pode ser qualquer uma, dependendo do gosto do serrote. Alguns têm, inclusive, um "arquivo de tristeza", que poderá ser usado de acordo com a conveniência. A mais comum é a do parente distante que está passando por dificuldades e pediu uma ajuda urgente do serrote. A história triste, no entanto, deve ser contada de forma pausada, como se o serrote estivesse com muita vergonha de dizer que não poderá mais dar a festa e que não tem nem coragem de encarar os convidados.

O resultado costuma ser inevitável. Os amigos, sensibilizados, dizem que "vão dar um jeito" e de repente, ali mesmo, na hora, podem adiantar algum para o açúcar e outras despesas. Vão então contar a história para os convidados e fazer uma "vaquinha" com quem puder ajudar. Como o serrote é sempre querido por todos, ele terá uma festança no dia do aniversário e poderá até fazer um discurso para agradecer o apoio de todos os amigos. Teve até o caso de um serrote que se emocionou de verdade e desmaiou com a cara no bolo.

É importante lembrar, no entanto, que esta técnica não deve ser repetida no próximo aniversário para não ficar manjada e o serrote perder a sua credibilidade.

11.01.2006

DRUMMOND E O BANCO



quantos cabem neste banco negro
quantos cabem neste branco negro
quantos negros cabem neste branco
quantos brancos cabem neste banco
quantos bancos cabem neste branco
enquanto quantos neste cabem
este vê que cabem quantos neste
neste branco cabem quantos branconegros
cabem neste banco enquanto quantos cabem.

Carlos Alexandre (Doca)

10.26.2006

O CELULAR QUE NÃO FALA


O Yahoo recentemente mudou mais uma vez a configuração do seu e-mail, só que pelo menos desta vez deram uma alternativa: quem quiser pode manter a antiga. Como foi o meu caso. Este é mais um dos muitos exemplos da necessidade artificial que nos obriga a mudar constantemente de modelos, padrões, configurações sem dar tempo de nos acostumarmos, de criarmos hábitos e costumes com o que já existe por aí.

Meu primeiro endereço eletrônico foi criado há oito anos, um Hotmail que uso até hoje. Era uma configuração excelente, fácil de visualizar e de usar. Obviamente, mudaram tudo umas duas ou três vezes e hoje seu modelo não chega nem aos pés do antigo, na minha opinião.

O problema é que a maioria dos programadores não se preocupa muito com palavras como memória e tradição e por isso acham que o importante é estar sempre mudando, sempre ´inovando´. E isso vale também para os sites de notícias. Sugiram a um editor de um grande jornal para mudar seu projeto gráfico, sua diagramação de dois em dois anos, para ver a sua reação.

O leitor precisa se identificar não apenas com o conteúdo do jornal ou da revista, mas também com o seu formato. Mas se isso vale para os veículos impressos, por que não vale para os sites, que estão sempre mudando de cara e muitas vezes ficando mais confusos? Só o fato de você ficar procurando aquele ícone que estava sempre no alto da página e agora se esconde no emaranhado de ´novos aplicativos´ já é um incômodo e tanto.

O tema é vasto e pode ser usado em outros meios. Não é à toa que vários jovens estão descobrindo o prazer dos jogos do velho Atari e do Super Nintendo. Os jogos novos têm uma configuração muito melhor, é verdade, mas com raríssimas exceções são de tal complexidade que o número de botões a ser apertado funde a cuca de qualquer um. Simplicidade é uma palavra que essa turma não curte muito.

Enfim, eu duvido que qualquer ser humano saiba usar todas as funções de um moderno controle remoto. E imagino o dia em que, na ânsia por ´novas e importantíssimas funções´, os programadores vão criar um celular que serve para tudo, menos para falar com o outro.

10.20.2006

NORMAL


Apertos de mão,
pegajosos,
escorregadios,
silenciosos

Trazem na mão valorosas indicações,
amigo do Pedro,
sócio do Simões

Ouvidos feitos de conchavos,
cera e indiscrições

Bem à vontade,
ri para a vida
Não teme a morte
Beijos e boa-noite, querida
Hoje foi um dia sem sorte

De pijama, se recolhe, sem jeito.
Suspira creme dental
Já não faz o dever conjugal
e devolve o corpo ao leito

Jaz aqui um ideal
Tens aí um homem normal

10.11.2006

Embora


E se eu for embora
e deixar embora ir embora

E se eu deixar de ir
porque embora não dá mais
e correr atrás de ir ficando

E se ficando eu for embora
e tentar ficar um pouco mais

Porque embora eu vou ficando
eu quero ficar mais
...sem ir embora

Carlos Alexandre (Doca)

9.23.2006

Não lê jornal não? Aqui, ó. (Serrote Desatualizado)


No Manual do Serrote foi ensinado que o verdadeiro serrote, o serrote "de raiz", como dizem os antigos, deve estar sempre atualizado. Toda manhã, antes de sair para sua prática diária, ele deve ouvir uma hora de noticiário no rádio e já na rua não custa nada serrotar o jornal de alguma vítima. Ouvir a "Voz do Brasil" também é uma boa idéia. Mas infelizmente, como acontece em qualquer atividade, há aqueles que julgam saber tudo. Tem muito serrote por aí que acha que consegue se manter bem informado apenas lendo o jornal que fica exposto na banca, aliás uma das atividades preferidas dos serrotes.

Teve o caso clássico do serrote que foi dormir cedo na noite em que começou a guerra do Iraque, anunciada durante uma transmissão de futebol. No dia seguinte, sem nada na despensa, o serrote foi para o bar serrotar uma média. Ao abordar a vítima, foi logo comentando:

- E aí? Será que vai ter guerra?

A vítima olha para ele de forma tão estranha que o serrote até se intimida. E responde:

- Pô, tá por fora, hein, companheiro. Não lê jornal não? Aqui, ó.

E mostra o jornal com a foto de Bagdá sendo bombardeada. O serrote se sentiu tão humilhado que voltou para casa com o estômago roncando, acompanhou todo o noticiário e só saiu de casa ao meio-dia, para serrotar o almoço com outra vítima, aí já completamente a par de tudo o que acontecia na guerra. Alguns serrotes mais sofisticados costumam acessar a internet antes para olhar os plantões dos jornais, com informações quentinhas que podem chamar a atenção das vítimas mais resistentes.

Os serrotes devem estar por dentro de tudo, mas devem principalmente direcionar a informação, dependendo da preferência da vítima. Digamos que a vítima seja escrevente do Tribunal de Justiça e o serrote tenha ouvido, em primeira mão, a seguinte notícia logo de manhã no rádio:

- Parece que vai sair o aumento de vocês, né?
- Ah, é? Como é que tu sabe?
- Ouvi agora no rádio. Mas parece também...

E a conversa tem tudo para se prolongar, pois notícia de aumento sempre melhora o humor da vítima.

Notícias sobre futebol também são importantes. O anúncio de uma contratação para o time da vítima costuma render boas serrotagens. Ou então curiosidades em geral. O importante é adequar a informação ao perfil da vítima e isso só é possível com muito estudo e sensibilidade, duas características fundamentais de um autêntico serrote.

8.28.2006

A SINA DE PLUTÃO


Vivendo no silêncio e na escuridão, Plutão sempre revelou uma tendência à reclusão e à melancolia. Distante de planetas vibrantes e de cores fortes, como Mercúrio e Marte, ou mesmo espalhafatosos, como Saturno, famoso por exibir seus anéis (quase um Ringo Starr celestial), Plutão costumava ser lembrado apenas nos livros escolares e em alguns papéis menores em filmes de ficção científica. Mas, enfim, deu-se a tragédia...Plutão não é mais planeta. E sua auto-estima foi, literalmente, para o espaço.

Desde que sondas espaciais começaram a circular por sua órbita, como insetos impertinentes, o simpático planetinha, que na sua singela preguiça chega a levar 248 anos para dar uma volta completa no sol, passou a ter sua identidade questionada. Por ser pequeno, frio e distante, alguns astrônomos começaram a duvidar de que Plutão poderia ser “dominante em sua zona orbital” (Freud explica?), questionando as vantagens oriundas desta condição, como descontos em competiçõs intergalácticas e participação especial nas histórias de Carl Sagan e Isaac Asimov.

Tantas reviravoltas surgiram nesta questão (uma hora era, na outra não era planeta) que Plutão viu sua auto-estima ser atingida de forma profunda. Passou a sentir inveja, por exemplo, de Marte, um inquestionável planeta, sempre presente em grandes produções de Hollywood. E o que era inevitável aconteceu: a reunião da União Internacional de Astrônomos, em Praga, na última quinta-feira, bateu o martelo: ou Plutão aceita a companhia de mais três planetas (e quantos mais viriam depois?) ou continua sozinho, mas sem a condição de planeta. Ou pior, com a condição de planeta-anão.

Agora, nada mais resta a Plutão a não ser aceitar a sua condição de rebaixado à segunda divisão (ou série B) da galáxia. Sua única esperança é que os nascidos sob o signo de escorpião continuem a aceitá-lo como seu regente. Ousadia, virilidade e intensidade emocional são características deste signo. É tudo o que um agora planeta-anão e de órbita pouco convencional (ainda tem essa) mais precisa agora.

7.17.2006

CACHORRADA


Talvez os cachorros
se cansem de nós um dia
e nos coloquem coleiras e focinheiras
para calarmos a boca

Alegria no canil
Seríamos vacinados contra a raiva
do trânsito e do vizinho

As guerras seriam restritas a pequenos conflitos,
facilmente contornados com a distribuição
dos ossos do ofício

Um fêmur para um,
o antebraço para outro

Falangetas para as crianças

No final, eles abanariam os rabos
e dariam latidos de satisfação
quando nos tornássemos mais fiéis
e menos humanos

ANDRÉ LUIS MANSUR

7.11.2006

FILÉ DE NASDAQ (aprecie com moderação)


A insistência em se divulgar certos termos no jornalismo, acreditando que eles tenham interesse para alguém, pode gerar situações bastante curiosas. Na economia, por exemplo, qualquer pessoa que conheça um pouquinho de Bolsa de Valores sabe que aquilo lá funciona no fundo como um grande cassino, onde os grandes especuladores sempre se dão bem e o pequeno investidor, se não tiver uma orientação muito boa, pode perder o pouco que investiu. Por isso, a variação brusca dos índices nem sempre quer dizer que a economia está volúvel. Mas nas épocas de turbulência econômica internacional, como na crise dos tigres asiáticos, em 1998, a situação sempre beira o caos, pelo menos na cabeça de muitos editores, que resolvem colocar o economês com a língua mais importante do país no momento.

Pois bem, a equipe de um importante telejornal resolveu ir às ruas para testar a eficiência desse tipo de informação. E escolheram como pauta o Nasdaq. Para quem não sabe, Nasdaq é o nome da Bolsa de Valores americana utilizada apenas por empresas de alta tecnologia em informática, telecomunicações e outros setores. Quer dizer: se o interesse pela Bolsa de Valores, tanto brasileira quando americana, já é restrito, o que dizer do índice Nasdaq. Mas o que importa é que todo dia, em horário nobre, para milhões de telespectadores no Brasil inteiro, o índice era divulgado, muitas vezes num tom dramático se ele caísse muito.

A equipe de jornalistas resolveu ir a um restaurante especializado em carnes onde costumavam almoçar. Quando o garçom chegou para fazer os pedidos a, digamos, porta-voz não pensou duas vezes:

- Nós queremos Filé à Nasdaq. O senhor tem?

O garçom franziu a testa, pensou muito e, com vergonha de reconhecer que desconhecia o próprio cardápio, pediu licença para perguntar ao cozinheiro, diante do olhar tranqüilo dos comensais, que sequer esboçaram um sorriso.

Logo em seguida, vem ele, com uma expressão de desânimo e já pensando num prato alternativo.

- Senhora, desculpe, mas o cozinheiro disse que não temos o File à Nasdaq, mas vocês não gostariam de...

- Como?! Aqui é especializado em carnes e o senhor não tem o File à Nasdaq? Aparece todo dia na televisão.

Com medo de que sua aparente ignorância pudesse ser percebida por outras pessoas, o garçom ficou nervoso, começou a suar frio e a gaguejar.

- É...in-infelizmente não temos. Os senhores na-não querem outro prato...?

Vendo o constrangimento do garçom, os jornalistas disseram que não tinha problema e optaram por outro prato, até porque a idéia não era humilhar ninguém. E naquele dia, os que acreditavam que o índice Nasdaq era importantíssimo para o povo brasileiro tiveram de rever seus conceitos. Coincidência ou não, algum tempo depois ele foi retirado do ar, mas o ´cardápio´ ainda pode ser mais enxugado. Basta que alguém peça em algum restaurante um picadinho de superávit primário, um caldo de mercado (bem agitado) ou um ensopado de bovespa. A indigestão é certa.

7.04.2006

O ESTÔMAGO DOS POLÍTICOS


Gastroenterologistas, regozijai-vos! Acabou a Copa,
começam as eleições. E o caminho de um político para
ser eleito passa necessariamente pelos caminhos do
intestino – nem sempre tão delgados.

Buchada de bode, churrasquinho de gato,
rabada...político que quer ser eleito não dispensa um
prato, por mais assustador e estranho que lhe pareça.
O mais interessante, no entanto, é que após certo
tempo de campanha essa turma começa a adquirir aquilo
que é conhecido como “Imunidade anti-provadinha (I.A.P.)”, que
nada mais é do que a resistência criada pelo organismo para que o heróico candidato não sucumba ante os inevitáveis convites de possíveis eleitores do tipo: “Dá uma provadinha, foi minha mãe que fez”.

Uma provadinha aqui, outra ali, e muito candidato não consegue chegar sequer ao primeiro turno. Mas isso é só no início. Com o tempo e a inevitável experiência que ele traz, problemas como diarréia, azia e vômito passam a ser coisa do passado. Geralmente na terceira eleição (alguns mais resistentes já conseguem na segunda) o candidato adquire a I.A.P. E de tão resistente que ela é, o candidato pode se aventurar até numa comida mal cozida ou fora de validade, como é comum acontecer nas campanhas.

O grande problema é quando o candidato ganha uma eleição, pois ele passa a comer “do bom e do melhor” e pode fazer aquilo que seria impensável na campanha: recursar uma provadinha. Se ele conseguir ser eleito mais de uma vez, tudo bem. Caso contrário, ocorre aquilo que os especialistas chamam de Síndrome da Abstinência das Provadinhas. Após quatro anos de mandato comendo bem, a imunidade perde a força e se o político não for reeleito e tiver de iniciar uma nova campanha nas ruas, os efeitos serão devastadores.

O ideal é o candidato, quando eleito, não se esquecer dos eleitores e de vez em quando dar um pulinho nas ruas para provar uma deliciosa dobradinha, uma suculenta moela ou então aquela feijoada repleta de torresminhos. “Receita da vovó, doutor, pode provar sem medo!”