7.24.2008

O ÚLTIMO CIGARRO


Fernando Sabino fez de uma decisão de parar de fumar, “decisão assumida de repente, como a própria aceitação da morte”, material para duas crônicas bem ao seu estilo, recheadas de um humor contido e de comparações propositadamente exageradas. “O último cigarro” e “Depois do último cigarro”, publicadas no livro de crônicas “A falta que ela me faz” (Record, 9ª edição, 1981), são de um período em que o ato de fumar ainda era considerado charmoso e estava associado a jogos de sedução e até a atividades esportivas, vide anúncios publicitários da época, hoje terminantemente proibidos.

Naqueles tempos em que o movimento anti-tabagista não tinha nem de longe a força que tem hoje, os textos revelam as conseqüências deste verdadeiro (pelo menos para a época) ato de coragem do escritor, ou melhor dizendo, um ato heróico, “porque ainda me sinto como aquele condenado à morte, diante do pelotão de fuzilamento, a quem ofereceram o último cigarro”.

Entre os melhores trechos, estão as citações a outros dois colegas, de profissão e de tabagismo. Rubem Braga, por exemplo, é mencionado como exemplo de perseverança, capaz de olhar para um cigarro como se fosse uma mulher por quem foi apaixonado perdidamente e dizer, com a “olímpica indiferença” de quem já fumou quatro maços de cigarro por dia. “Não sei como é que eu pude gostar dessa mulher”.

Já João Condé representa aquele tipo de personagem muito comum nos contos e crônicas de Sabino, pitoresco e extremamente engraçado, exatamente por tentar levar a sério as situações mais absurdas. No caso, Condé resolve prometer aos santos de sua devoção que só fumaria em Caruaru. Apesar de, no início, viajar para lá com uma freqüência incomum, com o tempo vai diminuindo, ou melhor, regateando com os santos as dificuldades da promessa. De Caruaru, limita o alcance do seu direito de fumar para São Paulo, depois até Niterói e, por fim, resolve fumar só aos domingos, o que só aumenta a ansiedade das noites de sábado. “A partir da meia-noite dispara a fumar, até a meia-noite seguinte”.

Sabino, ao tomar decisão tão radical, anseia por nascer o homem novo, “sem sarro nos dentes ou nos dedos, e sem úlcera de estômago, distúrbio das coronárias, enfisema pulmonar”, todos os males que o artigo lido por ele coloca como fatores de risco para os fumantes, inclusive o de que os fumantes têm uma probabilidade duas vezes maior de morrer na meia-idade do que os que não fumam, afirmação que serve de mote para uma série de especulações estatísticas para lá de irônicas exatamente sobre a obsessão por estatísticas quando o assunto é saúde.

Por fim, o autor considera, placidamente, como se estivesse a fumar da janela de seu apartamento, hábito que ele considerava dos mais prazerosos, que “não há outros vícios que eu possa abandonar, a não ser o de viver”, pois, como afirma, viver também é morrer um pouco, pois “faz cair os cabelos e os dentes. Provoca rugas na pele, flacidez nos músculos e artrite nos ossos”.

O mais interessante nos contos e crônicas de Fernando Sabino é que, apesar de a grande maioria deles terem sido escritos há mais de 30 anos, não ficaram datados. Pois mesmo num assunto que hoje carrega uma abordagem completamente diferente, como o hábito de fumar, nas suas mãos ainda apresenta o aspecto de um texto escrito hoje, época em que os fumantes se sentem cada vez mais acuados em seus poucos rincões. E o humor, sempre presente em suas crônicas, aqui encontra terreno dos mais férteis para se manifestar sem deixar de provocar a devida reflexão, mesmo que venha espremida entre sonoras gargalhadas.

7.16.2008

DOS MAGROS BUCÉFALOS AOS BURROS SEM RABO


Ligando a Praça Tiradentes ao Largo da Carioca, dois dos pontos mais simbólicos da História da cidade, a rua da Carioca teve seu início num caminho primitivo chamado de rua do Egito, “ou porque houvesse nas proximidades um oratório em que se venerava a Família Sagrada fugindo de Herodes, ou porque os cavaleiros que por ali passavam eram magros bucéfalos, lutando contra a natureza arenosa do terrenos, se vissem em apuros e risco de quebrar as costelas. E o carioca, sempre propenso a pilhérias, dizia que os tais eram ´para o Egito´”. (1)

Isso foi lá pelos idos do século XVII, antes de 1667, quando ela ficava no caminho dos que iam buscar água no antigo chafariz do Largo da Carioca. O chafariz recebia água do Aqueduto da Carioca, de 1723 (que depois seria conhecido como os Arcos da Lapa), e deu muito trabalho ao Corpo da Guarda instalado no local, “pois os escravos acotovelavam-se para passar a frente uns dos outros, o que degenerava em pancadaria. A função da Guarda era colocar os escravos em fila, em boa ordem. Foi a primeira instituição da fila no Rio de Janeiro”.(2)

A rua mesmo foi aberta em 1698 e manteve o nome de rua do Egito até o século XIX, quando mudou para outro nome bastante peculiar, o de rua do Piolho, isto por causa de um proprietário de casas na rua e procurador, “terrível chicanista e amigo de demandas”, (1) que recebeu o apelido de Piolho por andar pelos cartórios e tribunais em busca de causas de todo o tipo, “como piolho em costura”.
(1) Este nome foi mantido até 1848, quando a Câmara Municipal a denominou como a conhecemos hoje. Mesmo assim, ainda mudou de nome algumas vezes, para rua São Francisco da Penitência (1879), rua São Francisco de Assis (1882), rua Presidente Wilson (1918) e, enfim, de novo e definitivamente para rua da Carioca, em 1919.

A rua, que fica aos pés do Convento dos frades franciscanos, teve sua origem em 1741, quando o convento cedeu um terreno de 20 braças de frente para o largo de 200 de fundo para a rua, a fim de que a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência levantasse um hospital. Foi nessa época que começaram as edificações. O caminho, que ia até a Travessa dos Baiotas (atual rua Silva Jardim), foi prolongada pelo vice-rei D. Antônio Álvares da Cunha (1763-1767) até a já aterrada Lagoa da Sentinela, no lado esquerdo da rua Frei Caneca.

Em 1905, ela teria a configuração atual, quando foi alargada na reforma urbanística empreendida pelo prefeito Pereira Passos, e foi nessa época mais ou menos que os “burros sem rabo”, homens que transportavam carrinhos de mão tornaram-se figuras marcantes do centro da cidade, aproveitando os trilhos de bitola estreita das ruas (inclusive os da Carioca) para transportarem seus carrinhos. Até hoje, embora não haja mais trilhos e eles circulem pelo asfalto mesmo, são conhecidos assim no centro da cidade.

Após a restauração feita nos anos 90, quando foi recuperada inclusive a cor original dos pequenos sobrados, a Carioca pôde recuperar o status de uma das ruas mais representativas da História do Rio, e que hoje abriga, além do comércio em geral, alguns dos estabelecimentos dos mais tradicionais do centro do Rio, como o Bar Luiz, os cines Íris e Ideal e a loja Guitarra de Prata.

LIVROS CONSULTADOS

(1)– O Rio Antigo (vol.1) – Dunlop

(2)- O Rio de Janeiro em seus 400 anos – artigo “O Rio no século XVII”, de Cláudio Bardy


* Foto de Augusto Malta sobre o alargamento da rua da Carioca, já com os "burros sem rabo".

REMOS, RIMAS E RUMOS


PRESENTE

Eu calo
Tu calas
Ele cala
Nós calamos
Vós calais
Eles falam
e mandam...

TENHO DITO

O progresso
do recesso
que faz parte
do processo
é o sucesso
do abscesso.

Eu confesso:
estou possesso!
Minha Nossa Senhora.
De Bonsucesso!

CONTAGEM REGRESSIVA

Angra III
Angra II
Angra !

Bum!!!


RIOCENTRO

Riocentro,
fragmento!
Riovento,
meteoro...!
Riolento,
cata-vento!
Rio, tento...
não decoro!


ESTÁDIO DE CALAMIDADE

Circo?
Além da hora e meia...
pra camuflar o pavio.
Conseqüência:
casa cheia
...para um povo
bem vazio!


Extraído do livro "Remos, rimas e rumos",

de Paulo Plimma

Março de 83

7.08.2008

OS POLEMISTAS GRATUITOS (ou a arte de falar m...)


As farpas lançadas pelo escritor colombiano naturalizado mexicano Fernando Vallejo na última Flip, quando disse que Ingrid Betancourt buscou seu seqüestro e que preferiria que “aquela mulher horrível continuasse presa”, provocou grande polêmica. Mas, se analisarmos friamente, esta declaração faz parte, sem dúvida alguma, do universo dos polemistas gratuitos.

Os polemistas gratuitos são espaçosos. Pode ser um evento pequeno, com apenas dez pessoas, incluindo o palestrante. Mesmo assim o polemista gratuito precisa estar onipresente e onisciente. Ou seja, não deixa de ser um egoísta, pois não quer deixar ninguém falar algo que preste. Ele quer que apenas a sua voz, a opinião ressoe como a verdade fundamental.

Muitas vezes o polemista gratuito acaba até se tornando necessário. Isso acontece em eventos chatos, onde todos assumem posições politicamente corretas em excesso, o que é péssimo para a imprensa, pois não sobra nenhuma manchete interessante. O problema é que o polemista gratuito, depois de soltar suas bravatas e garantir as manchetes dos jornais, acaba se tornando mais um chato, pois uma de suas principais características é não saber a hora de parar no auge e despejar sem limites o seu rancor e a sua rabugice até que todos se cansem e se afastem dele.

Geralmente o polemista gratuito gosta de provocar escândalo quando está perto de lançar um disco, um livro, perto de estrear um show, ou quando se sente em posição secundária durante algum evento. Suas opiniões são dadas de forma estudada, procurando sempre atingir um tema que mexa com a emoção popular e, de preferência, que cause algum tipo de raiva ou rancor. E aí, quando alguém for perguntar quem é o autor de tal livro, por exemplo, o vendedor, ou quem estiver por perto, vai poder dizer: “Ah, é aquele cara que meteu o malho em fulano de tal. Não lembra?” É a glória do reconhecimento para o polemista gratuito.

Quando dois polemistas gratuitos estão presentes ao mesmo evento, raramente eles juntam forças. Vaidoso por natureza, ele quer todas as glórias para si, quer ser o causador da ´grande polêmica´, aquela que vai sair com a foto em destaque no jornal, geralmente em poses bastante típicas, como a do queixo apoiado na mão, a leitura de um livro ao lado de uma janela, ou uma baforada de cigarro (ou charuto) acompanhada de um olhar contemplativo para o teto.

O polemista gratuito, no entanto, precisa tomar cuidado para que a sua tentativa de chamar a atenção não caia na banalidade, senão onde ele aparecer vai ter sempre alguém falando: “Ih, lá vem aquele cara falar m...”. Nestes casos, o polemista gratuito já se tornou uma figura bizarra, decadente e incapaz de provocar uma polemicazinha que seja. Vai vagar pelos salões, auditórios e tendas tentando provocar efeito com tiradas pseudo-inteligentes, mas o máximo que vai conseguir serão olhares de desprezo, deboches ou, em casos extremos, a retirada do recinto por seguranças de terno, óculos escuros e fone no ouvido.

- Ilustração de Nássara para o disco de Roberto Paiva e Francisco Egydio que tinha como temática a briga entre Noel Rosa e Wilson Batista.

POESIA DE BUTECO


aí né...lá tava eu num buteco.
dancei com a filha do neco
bebi chop no caneco,ela quase teve um treco!
aí né...levei ela num quarto vazio
ela gritava com eco,a cama fez reco reco
e quando acordei de manha
a filha do neco teve um buneco.
aí né...lá tava eu no buteco.
o neto no colo do neco
o neco olhando pro teto
o teto pingando no neto
o neto chorando de eco
eu bebendo os canecos
aí né...lá tava eu num buteco
me confessei com o padreco
perdi a mulé pro maneco
seu neco criou o seu neto
perdi tudo fiquei sem teto
juntei meus trapos e cacarecos
e fui morar no buteco.

CARLOS ALEXANDRE (DOCA)

- Foto: capa da sexta edição do guia "Rio Botequim", da editora Casa da Palavra.