11.30.2009

OS VERDES ANOS


Sempre que volto ao meu bairro de infância, retomo minha crença na máquina do tempo.

Quase não vou ao meu bairro de infância. Além das recordações boas e más que surgem na minha frente (mesmo sem estarem fisicamente na minha frente), o que sempre me chama a atenção é encontrar as mesmas pessoas que faziam parte desta mesma infância fazendo exatamente a mesma coisa. E do mesmo jeito.

Ainda está lá o depósito de doces onde me empanturrava de guloseimas e, não há como negar, causa maior dos diversos problemas odontológicos que tive na vida adulta. O letreiro ainda é o mesmo de 30 anos atrás, a disposição das bancadas também, e o mais incrível: os três funcionários, sempre gentis e atenciosos, também estão lá, apenas com o acréscimo de outro, mais jovem. Só faltou mesmo a bancada que ficava na frente com os pacotinhos de K-Suco, ideais para visitas inesperadas e com os quais fazíamos saborosos picolés nas compotas de cubos de gelo.

Embora hoje não ligue mais para doces (para sorte dos meus dentes), outro dia não resisti: entrei na loja, caminhei um pouco lá dentro, como se estivesse a escolher algo, e comprei alguma bobagem qualquer. Na hora de pagar, dei uma rápida, porém significativa, olhada no perfil dos funcionários. Eles não me reconheceram, e nem poderiam. Afinal, quando moleque, acho que nunca trocamos mais do que algumas palavras. Melhor assim, pois uma conversa banal, do tipo "e aí, quanto tempo, hein?", "está fazendo o quê?", "e seus pais?", "engordou, hein"? tiraria toda a magia do momento, que prosseguiu com um passeio, aqui e ali um reencontro, outros personagens marcantes, como o dono da banca de jornal, onde comprava muitas revistas em quadrinhos, o ponto final do ônibus em frente à minha casa, o barbeiro, com cadeira americana (e onde ainda corto o cabelo) e a mendiga Rubenita, já pela casa dos 60 e tantos, prova viva de que os anticorpos realmente protegem os que vivem nas ruas.

Quando me deparo fisicamente com lugares e personagens vivos de algum lugar do passado, percebo que a máquina do tempo é uma invenção totalmente possível de se realizar apenas na memória. Tudo atinge uma outra dimensão, que pode ser agradável ou frustante. Se somos felizes, se conseguimos concretizar pelo menos parte do que planejamos ou sonhamos, este pequeno regresso não deve nos afetar, pelo menos assim acredito. Mas se levamos uma vida frustrante, a falar coisas do tipo "pô, tive tanto tempo pra escolher o que fazer", aí a melancolia assume o papel de protagonista, forçando a busca por uma conjunção tempo-espaço qualquer - um caminho, uma fresta onde dê para interferir nas escolhas que fizemos nos "verdes anos", como diria José Lins do Rego, um autor que fez das memórias da infância passada no engenho do avô matéria-prima para alguns de seus melhores romances.

A impressão que tenho nestas viagens ao bairro de infância às vezes é tão real que chego a acreditar que, ao virar a esquina, ainda vou encontrar a mim mesmo, andando de biciclieta monark-monareta verde, jogando bola na rua de paralelepípedos ao meio-dia (e arrebentando o dedão, às vezes), ou entrando no jatão, o brinquedo mais popular do parque IV centenário.

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11.10.2009

MANUTENÇÃO DE AMIZADE


Muitos amigos de infância acabam virando, assim como a Itabira de Drummond, um quadro na parede.

Assim como existe para carros e bicicletas, deveria haver uma oficina para manutenção de amizades. Até os 18 anos, acreditamos que os nossos amigos serão eternos. Compartilham da nossa vida de forma tão profunda que não podemos sequer imaginar a possibilidade de que um dia se transformem em ´estranhos e indiferentes´, aquela pessoa que você encontra na rua, fica meio sem jeito por não ter o que falar e termina a conversa com o sempre inócuo ´vamos marcar´.

Mas, infelizmente, é o que muitas vezes acontece. Claro, muitos permanecem ao nosso lado, alguns conseguem inclusive a proeza de estender a amizade entre os filhos, transferindo a afinidade e afeição mútuas para as respectivas famílias. Estes são casos mais raros. Na maioria das vezes, quando chegamos aos 20 e poucos anos, quando terminamos os estudos, começamos a trabalhar, nos mudamos da rua da infância, enfim, seguimos nosso próprio caminho, acabamos deixando muita coisa para trás, inclusive os amigos (até então) inseparáveis. Novos amigos surgem, no entanto, aos 30, aos 40, aos 50, até no fim da vida, quando, muitas vezes, numa situação grave como uma doença terminal a pessoa descobre uma amizade que até então se mantinha discreta, mas que naquele momento derradeiro se revelou com uma entrega e uma generosidade emocionantes.

Hoje, com as ferramentas virtuais de relacionamento social, como o orkut, por exemplo, acabamos encontrando com mais facilidade muitos amigos de infância. Entrando, por exemplo, na comunidade daquela escola pública onde fizemos o antigo primário, vemos aqui e ali alguma fisionomias conhecidas e pronto, um primeiro contato, muitas recordações, um encontro (real) e todo aquele mundo que se julgava perdido reaparece. Aí podem acontecer três coisas: aquela amizade reaparece, com cores e formas novas; um novo tipo de amizade se forma, quase sem nada a ver com o passado, ou, o mais melancólico, descobrimos que os outrora amigos eternos não foram nada mais do que ´amigos de infância´. E aí vamos manter um contato mais frio e distante, como colegas comuns.

Tem gente que prefere sequer pensar na possibilidade de voltar a ver a turma antiga, está tão feliz com a vida que leva que uma volta ao passado traria tintas de melancolias e tristeza incompatíveis com o estado atual. Outros já se animam, organizam almoços, encontros em boates, as tais ´reuniões de confraternização´, que muitas vezes provocam decepção pelo estado físico dos presentes.

Mas assim é a vida, ´é bonita, e é bonita´, como diria Gonzaguinha, um sujeito que deixou muitas amizades, antigas, presentes e futuras.


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10.05.2009

A CARROÇA DO SEU DAMÁZIO


Toda família tem alguém assim, mesmo que escondido

Além dos bondes, o outro meio de transporte importante da zona rural carioca até a maior parte do século XX era o veículo de tração animal, mais conhecido como carroça. E para quem acha rigorosas as normas dos departamentos de trânsito impostas aos motoristas hoje, é interessante estudar o caso de Florêncio Antônio Damázio, examinado e aprovado em 26 de junho de 1927 pela Inspectoria de Vehiculos do Rio de Janeiro, antiga capital federal, a “dirigir carroça de Fiador a dois muares”.

Aos 53 anos, residente à antiga Estrada Real de Santa Cruz, nº 2735, na altura do atual bairro de Augusto Vasconcelos, Florêncio precisava seguir uma rígida cartilha denominada “Obrigações dos conductores de vehiculos”. Eram 14 as obrigações, algumas delas divididas em itens, como a XI, que recomendava, entre outras coisas (respeitada a grafia da época), “tratar com polidez os passageiros”; não fazer correrias na via pública, para angariar passageiros” e “não promover ajuntamento nem fazer assuada e vozeria nas ruas e praças”.

No item XI, também está a ordem de “dirigir os animais sem castigos bárbaros, ou immoderados” e no XIV “não dar fuga a criminosos de qualquer espécie no acto de serem perseguidos pela polícia ou pelo clamor público” - o tradicional “Ladrão, ladrão”, ainda muito ouvido em correrias desabaladas pelo centro da cidade. Como o Rio era a capital da República, não podia faltar a norma que mandava “parar o vehiculo para dar passagem ao carro do Presidente da República, em qualquer occasião”, além de várias sobre a passagem dos bondes, como a que manda “retirar o vehiculo de cima da linha dos bonds ao primeiro signal do motorneiro”.

Outro retrato bem claro da época é a norma que manda o condutor “não cortar os cortejos fúnebres, quer compostos de outros vehiculos, quer de pedestres, nem formaturas ou préstitos”, uma lei que só poderia existir mesmo numa época em que as pessoas ainda velavam os corpos em casa, com bebida, comida e música e depois o levavam de bonde, ou a pé, até o cemitério.

É interessante observar que o regulamento imposto aos condutores de carroça como Florêncio Damázio só era rigoroso porque o trânsito selvagem, apesar de muitos acharem o contrário, parece não ser uma invenção recente, mas apenas se aprimorou com a maior quantidade de carros, cada vez mais velozes. Se a coisa fosse tão tranqüila naquela época, não seria necessário uma regulamentação tão severa, afinal, a lei vem sempre a reboque do que está errado. Aliás, basta ver alguns filmes mudos de comédia dos anos 20 para ver o que era possível fazer com um bom calhambeque em termos de barbeiragem.

Embora todas estas normas aplicadas às "carroças de fiador a dois muares" tenham o seu lado pitoresco, principalmente quando comparadas aos dias de hoje, o que realmente mais me chama a atenção na história de Florêncio Damázio é a sua conduta irreprensível no trabalho, tanto que recebeu um elogio registrado na carteira “por não ter commetido infração alguma durante o anno de 1927”. Quando seu neto, Luiz Damázio, me mostrou os documentos, com um indisfarçável orgulho do avô, tive a certeza de que Florêncio faz parte daquela categoria de pessoas que todos nós temos na família, mesmo que seja uma só, meio esquecida, e morando longe. São figuras de honestidade inabalável e a chamada conduta reta diante da vida. No meu caso, guardo até hoje um recorte do jornal “O Globo” dos anos 50 em que meu pai, então motorista de táxi, virou notícia ao devolver na delegacia uma bolsa cheia de jóias valiosas de uma passageira que descera em Copacabana.

Geralmente pessoas assim acabam se tornando uma referência ética na família e na vizinhança, principalmente para quem passa pela (ufa, graças a Deus já vão longe) infância e adolescência: as questões éticas. “Devolve isso que não é teu”, “vai lá e pede desculpas”, “nunca aceita nada de ninguém na rua”, “pelo menos ninguém vai te acusar de nada” etc etc, frases que, soltas em momentos adequados, podem marcar uma personalidade - claro, se ouvidas e aplicadas, caso contrário, passam a fazer parte das famosas "palavras ao vento".

Afinal, até hoje, mais de 80 anos depois de Florêncio Damázio conduzir impecalvelmente sua carroça pelas ruas do Rio de Janeiro, quem é honesto ainda costuma virar notícia.

9.26.2009

TV ZONA OESTE - CAMPO GRANDE - RIO DE JANEIRO

Quem puder, dê uma olhadinha nesta entrevista que dei sobre o meu livro "O Velho Oeste Carioca" para a TV Zona Oeste. Abraços a todos.

http://www.tvzo.com.br/videos/andremansur/index.htm

9.21.2009

OS ÓRFÃOS DE BIBLIOTECA



Sempre eleito, e com justiça, o melhor do Rio de Janeiro, o Centro Cultural Banco do Brasil, também conhecido como CCBB, completa 20 anos de atividades ininterruptas agora em outubro. Confesso que o frequento desde o primeiro mês e os motivos são estes: conforto, segurança, programação e preço (quando há). O prédio da rua 1º de Março, 66, no centro da cidade, foi construído no início do século XX e abriga salas de exposição, de vídeo, cinema, teatro, livraria, restaurante e uma biblioteca, tema deste texto. A programação, renovada mensalmente, é de ótima qualidade, as exposições e a sala de vídeo são gratuitas, o ingresso do cinema custa seis reais e o do teatro dez. Além disso, há sempre eventos importantes, como o Anima Mundi, e todos os dias são realizadas visitas escolares com auxílio de monitores atenciosos e bem-informados sobre os eventos.

A biblioteca do CCBB é uma jóia rara (jóia com acento mesmo, pois jóia sem acento para mim parece falsificada). Ninguém te perturba quando você entra, não pedem documentos, não tem crachá, você mesmo manuseia os livros, aliás, uma infinidade deles e dos mais variados assuntos, sem contar as dezenas de revistas, semanais, mensais, bimestrais etc. A sala de leitura é ampla e confortável, com vista para a Baía de Guanabara, (que de longe, sem o odor característico, é belíssima) as poltronas são confortáveis e as mesas grandes, tanto que muita gente vai só para tirar um cochilo, às vezes em cima de um livro mais volumoso como travesseiro. O silêncio é total, os banheiros são limpíssimos e os funcionários educados e, assim como os monitores, atenciosos.

Pois não é que há duas semanas, ao adentrar o elevador que é uma verdadeira obra de arte e pedir à ascensorista “quinto andar, por favor”, como faço há 20 anos, ela me diz, de forma calma e pausada: “A biblioteca está fechada para obras”. Alguns segundo depois, digeri, ainda meio atônito, a informação e percebi o que ela me dizia: faltando um mês para o aniversário de 20 anos do CCBB, a biblioteca, um lugar visitado por milhares de pessoas todo mês, fecharia para obras. Depois do baque, tive que arrumar outro lugar para botar a mochila e dei umas voltas pela Praça XV, num sol ameno de inverno, até chegar às barcas. Fiquei olhando a Baía, desta vez mais de perto e, de tão atordoado que estava, nem percebi o odor característico. Foi aí que entendi o que era um órfão de biblioteca.

Para quem é apaixonado por livros, a biblioteca é como se fosse um santuário, um espaço místico onde você vai compartilhar o seu gosto com pessoas afins. Quem é muito religioso precisa ir ao templo, estar com os que comungam da mesma fé, até para a direcionarem melhor e também para resolverem problemas práticos do grupo. Entre os leitores é a mesma coisa. Ler em casa sozinho é muito bom, não resta dúvida, mas ir a uma biblioteca gera uma sensação de irmandade, pois muitas vezes você está em casa mas os vizinhos começam uma discussão, os carros lá fora passam roncando o motor (isso quando não é o da pamonha), alguém liga uma televisão ou o rádio, enfim, os ruídos em volta não comungam do seu prazer, do seu gosto.

Na biblioteca não. Mesmo que alguns cochilem e ronquem um pouco, mesmo que um celular toque de vez em quando, que alguns leiam apenas por prazer e outros por obrigação, todos ali obecedem à mesma fé, digamos assim. E a companhia dos livros, milhares deles, de autores que já se foram desta vida, mas que permanecem ali, como uma vingança da arte contra a morte (queria lembrar de quem é esta frase), nos dão uma sensação de segurança e tranquilidade que outro lugar não oferece.

A biblioteca é o espaço democrático por excelência, ninguém te discrimina ou te impede de entrar por não estar com ´a roupa ou o penteado´ inadequado. Até quem não tem onde morar pode chegar lá, compartilhar do ar-condicionado, beber uma água gelada e se manter informado pelas revistas. Quando estou numa biblioteca e percebo o fascínio que a leitura é capaz de provocar é que tenho a certeza absoluta de que o Brasil só dará um salto na educação quando os estudantes adquirirem o vício da leitura, o único vício saudável que conheço, e cada lugar tiver uma minibiblioteca, que seja de 20 livros, mas disponível a qualquer um, que seja numa loja de ferragens, mas que o sujeito acabe instigado a ler alguma coisa enquanto o mecânico faz o alinhamento do carro.

Já que falei tanto em fé, felizmente acredito que as orações dos órfãos do CCBB foram ouvidas e a direção do Centro Cultural resolveu, quando já havia, inclusive, terminado este texto, adiar o fechamento da biblioteca para 2010. Uma notícia e tanto, principalmente para quem estava com pesquisas em andamento, mas sem dúvida uma decisão das mais corretas para o próprio CCBB, que hoje também existe em São Paulo e em Brasília e não deveria comemorar seu aniversário com um de seus espaços mais privilegiados fechado.

8.24.2009

DOM QUIXOTE E A SÍNDROME DO NÃO LIDO


Terminei de ler o quarto e último volume de “Dom Quixote de la Mancha”, de Miguel de Cervantes, às 17h30 do dia 11 de agosto do ano corrente, oito dias após completar 40 anos de idade. Sem dúvida, as informações contidas neste primeiro parágrafo não interessam a nenhum ser humano da face da terra a não ser àquele que as escreve, mas o que direi a seguir talvez provoque uma identificação e um interesse maiores.

Digo isso porque chega um momento da vida em que percebemos que não conseguiremos ler nem um décimo dos livros que gostaríamos, o mesmo valendo para filmes, shows, discos, exposições, viagens etc. E o que isso quer dizer? Quer dizer que a ´síndrome do não lido´, ou ´não feito´, pode gerar uma grande frustração, principalmente para quem passa dos 40.

O ideal me parece que é ir aceitando o que deu para conseguir e a partir daí planejar, sem nenhuma obrigação de êxito, os próximos passos. Ler “Dom Quixote” para mim era uma necessidade por ser jornalista e escritor, afinal, foi o livro que praticamente inaugurou o romance ocidental como o conhecemos. Agora, quando irei encarar “Guerra e paz” (já tinha lido um terço quando o exemplar da biblioteca sumiu), “Em busca do tempo perdido”, “Os sertões” e “A montanha mágica” só Deus sabe. Hoje isso não me incomoda nem um pouco, mas quando temos 20 anos muitas vezes achamos que dá para fazer tudo e até perdemos um pouco do prazer que a absorção da cultura pode proporcionar, caindo na armadilha da quantificação, de nos preocuparmos apenas em “estar por dentro de tudo”, em conhecer todos os clássicos, nem que seja “de orelhada”, apenas para não passar vergonha diante de uma reuniãozinha social.

Bem, confesso que não tenho o menor pudor em dizer que nunca li José Saramago ou Guimarães Rosa. O primeiro até tentei, mas era um livro sem pontuação e me cansou; o segundo, ainda vou ler um dia. Ou não. Mas “Quincas Borba”, de Machado de Assis, já li três vezes, e isso vale para outra reflexão. Quando o tempo se torna mais precioso (e você só percebe isso quando vai ficando mais velho), passamos a hesitar diante do desconhecido. Entre ver um filme que se não gostar vou perder duas horas da minha vida, acabo optando por rever “Cantando na Chuva” ou “Casablanca”, cujo prazer, pelo menos para mim, é garantido.

A julgar pelo progressivo aumento da expectativa de vida, é bem provável que um dia alcancemos a eternidade e não morramos mais de "susto, bala ou vício", como diria Caetano. E aí tudo o que falei aqui perderá o sentido. Qualquer um vai poder se programar com calma para ler a gigantesca "Comédia da vida humana", de Balzac, ou dar a volta ao mundo de bicicleta.

Mas isso ainda deve demorar um pouquinho, por isso o jeito é tentar recomeçar "Guerra e paz".

7.23.2009

LULA, SARNEY E COLLOR...20 ANOS ATRÁS



Youtube (www.youtube.com) é hoje o site de vídeos mais popular da Internet e o que mais me fascina nele é a possibilidade de ver vídeos antigos, cenas de filmes, séries, novelas, propagandas, gols, shows etc. Um mundo audiovisual surpreendente que possibilita, a qualquer um, o estabelecimento de uma memória afetiva das mais ricas para uma geração que já nasceu ligada na televisão, mesmo que fosse em preto e branco, sem controle remoto e com botões de horizontal e vertical.

Quanta gente já não assistiu a um vídeo no youtube e o relacionou a algo importante, feliz ou triste, da sua vida, desdobrando uma corrente de lembranças que seria praticamente impossível sem esse ponto de partida? Proust já explicava este processo, ainda bem antes da linguagem virtual, na sua grande obra “Em busca do tempo perdido”.

No caso da política, o youtube nos presta um outro serviço, essencial para o processo democrático: mostrar o que os políticos pensavam, diziam e faziam em priscas eras, comparando com o que são hoje. Não é mais uma questão de escavar arquivos empoeirados de jornal, está ali a imagem viva, nua, crua e colorida para quem quiser. E um que me chamou muito a atenção foi a do debate entre Lula e Collor na eleição presidencial de 1989, mediado por Alexandre Garcia (o nome do vídeo é Debate: Collor x Lula (1989) - 2 de 2). Naquele momento, Lula liderava as pesquisas de opinião e era a esperança de milhões de brasileiros que sonhavam com a ética na política, a principal bandeira do candidato e do Partido dos Trabalhadores, o único partido que não precisava pagar militantes, voluntários que acreditavam ser a estrela vermelha do PT um oásis em meio ao deserto de conchavos, corrupção e apadrinhamentos da política brasileira.

José Sarney era o presidente da República. Desgastado com uma inflação de 80% ao mês e responsável maior pelo embuste eleitoral que foi o Plano Cruzado, nenhum dos candidatos queria associar sua imagem ao presidente. Num determinado momento do debate, perto do final, Collor pergunta ao "outro candidato", como ele se referia a Lula: "Eu gostaria de saber como é que ele recebe, e como é que ele se sente, recebendo o apoio para a sua candidatura do senhor José Sarney e do senhor Moreira Franco, governador do Rio de Janeiro".

E Lula, que hoje, de barbas e cabelos grisalhos e bem penteados, bem diferentes da época, e defendendo com unhas de dentes Sarney, atual presidente do Senado e envolvido no escândalo dos atos secretos, respondeu, entre outras coisas: "Pouca gente neste país brigou contra o Sarney como eu briguei" e "Eu espero que (o presidente José Sarney) vote corretamente, depois de tantos males que causou ao Brasil".

Mais não precisa ser dito, basta a imagem da semana passada, em que Lula e Collor aparecem fortemente abraçados, como se fossem amigos de longa data. Na política já disseram que tudo se esquece, mas pelo menos está aí o youtube para nos lembrar.

7.13.2009

REMINISCÊNCIAS (VI): DISQUETE E CONEXÃO DISCADA


Quem diria? O disquete já virou peça de museu.

Pois é, aquele pequeno objeto quadrado, capaz de armazenar uma certa quantidade de informações, já nem pode ser usado nos novos computadores, que não apresentam o compartimento para o seu uso, o chamado ´drive´. Quando alguém introduz o disquete em computadores mais velhos, numa lan-house, por exemplo, o barulhinho característico da operação chama logo a atenção de quem está por perto. São inevitáveis os bochichos, comentários, sussurros e risinhos contidos de uma geração que não tem tempo sequer de se apegar aos pequenos utensílios do dia a dia. O próprio CD-Rom, coitado, que armazena uma quantidade maior de informações, também já é bem pouco usado, e o pen-drive, que ainda está na moda, provavelmente irá pelo mesmo caminho, tal a velocidade das mudanças.

E a conexão discada? Com a expansão da internet e a melhoria da sua qualidade, a ´grande rede´ está chegando aos mais distantes lugares. Gente que nem tem computador em casa consegue acessar a web em lan-houses por um ou dois reais a hora com banda larga, o que permite ao usuário ver fotos, baixar vídeos, ouvir músicas, participar de joguinhos superincrementados etc. Mas há bem poucos anos a maior parte da conexão era discada, com aquele ruído característico e irritante. De segunda a sexta, ainda era possível se conectar rápido, mas nos fins de semana e feriados, com muita gente em casa, a conexão era um suplício e a mensagem “tente novamente mais tarde” era o prenúncio de uma longa espera. Muita gente deixava o discador no automático e ia fazer outras coisas. Alguns até almoçavam, faziam a siesta e quando voltavam...nada. Quando conectava, era uma festa, quase com direito a fogos, mas muitas vezes não demorava e caía de novo. E nada de baixar arquivos pesados, como fotos ou vídeoS, que aí era bem pior.

Dentro desta temática, uma atividade bastante divertida hoje é folhear revistas de informática dos anos 90, que muito se assemelham a papiros manuseados apenas por paleontólogos. Pois que outro nome poderíamos dar a um ´computador´ 286 senão de dinossauro? E as previsões dos ´especialistas´ sobre a capacidade de armazenagem, que não chegavam sequer perto da metade da metade dos computadores atuais e seus ´gigamegas´ de memória paquidérmica?

Mas acredito fielmente que em cinco ou dez anos no máximo é bem provável que alguém leia este artigo de forma bastante irônica, fazendo comentários do tipo: ‘ih, os caras ainda usavam mouse´, ´caramba, o pessoal ainda precisava de teclado pra mandar mensagem´ ou...´pra que eles precisavam de modem pra acessar a internet´? Enfim, o jeito é tentar acompanhar o ritmo das mudanças, ou ´chutar o balde´ e voltar a enviar sinais de fumaça e pombos-correio.

6.15.2009

CAMARÃO!


Sempre achei que o brasileiro só se unia em Copa do Mundo, mas depois do que vi no centro do Rio de Janeiro outro dia mudei de idéia.

Vinha eu flanando numa bela tarde de quarta-feira pela rua do Rosário quando ouvi o burburinho à frente, uma agitação no ar e algumas pessoas gritando. Pensei logo em confusão, assalto ou algo assim, mas havia um carro da polícia e o policial estava tranquilamente encostado nele e rindo um pouco. Todos olhavam em direção à rua Uruguaiana, inclusive os que gritavam bem alto a palavra que eu já podia identificar: “Camarão!” Fui andando mais um pouco e não consegui perceber o motivo da agitação, que se propagava pelas lojas e pelos transeuntes, como se todos já soubessem a senha e também gritassem: “Camarão!”, algumas vezes seguida dos epítetos nada lisonjeiros de “Corno!” e “Chifrudo”!

Foi ao me aproximar da esquina com a Uruguaiana que, enfim, cheguei ao motivo da balbúrdia. Um homem de uns 50 anos, baixo, mais ou menos forte, todo arrumado (com camisa social para dentro da calça), carregando uma pastinha e com cara de invocado. O sujeito esbravejava, jogava os braços para o alto e fazia xingamentos em direção à turba, sendo que o mais leve era “É a mãe!”.

Achei que a coisa iria parar ali, seria mais uma provocação dessas que às vezes encontramos em centros urbanos, dirigidas principalmente a pessoas excêntricas e que respondem aos desaforos. Mas não, a coisa continuou. Entrei na Uruguaiana, bem perto do tal sujeito, e o mais incrível é que no novo espaço outras pessoas continuavam os impropérios, como se fosse realmente combinado. Porteiros, camelôs, transeuntes, vendedores, que iam à frente da loja, botavam a mão em forma de concha ao lado da boca, e gritavam, bem alto: “Camarão!”, “Corno!”, para depois voltarem correndo para o interior da loja, como uma brincadeira de recreio. E o sujeito seguia firme, voltando de vez em quando para xingar também de forma ríspida, vermelho como um...camarão.

Eu já o seguia bem de perto e não conseguia parar de rir com o inusitado da situação. Ao passarmos a Igreja do Rosário, a situação atingiu proporções impressionantes, pois no prédio comercial em frente as pessoas iam à janela para gritar a mesma palavra, o garçom do bar ao lado, as pessoas na mesa, o contínuo que passava de moto, a coisa continuou no mesmo ritmo no Largo de São Francisco. De vez em quando, o tal Camarão encontrava algum interlocutor solitário e esbraveja com ele, recebendo como resposta algo do tipo: “Não liga não, esse pessoal é muito bobo”, no que ele respondia, cuspindo para todos os lados: “São é uns filhos das putas! Não têm o que fazer!”. Alguém perto de mim decifrou o enigma e disse: “Ih, esse cara é corno lá no Bairro de Fátima, o pessoal vai gritando até lá”!.

Entrei na rua da Conceição e deixei o Camarão de lado, achando tudo muito engraçado, mas lamentando apenas que esse fervor solidário em torno de um objetivo, no caso, de se divertir às custas de uma pessoa raivosa, não fosse usado para outros fins, como o de, por exemplo, exercer a cidadania.

5.19.2009

NÃO SEI O QUE NEM QUERO SABER

Não sabe e não quer saber?

Tem gente que sabe
Buscando quem quer saber.

E quem quer saber
Buscando quem sabe.

Quem sabe um encontra o outro?
Outro que sabe

Não quer que ninguém saiba,
Porque se souberem
Não vão mais querer saber.

Se souberem o que ninguém sabe
Saberão porque ninguém sabe.

E os que não sabem
Ficarão sem saber.

O que se sabe
É que o que se sabe
Nem sempre é o que se deveria saber,

E o que se deveria saber
Nem sempre se sabe ao certo.

O que ninguém sabe, no entanto,
É o quanto se sabe,
E quanto se deveria saber.

Pois, realmente, o que se sabe
É o que dizia o sábio:
“Nada sei. Só sei que quanto mais sei mais sei que menos sei”.

Portanto, não sei e nem quero saber!

VOLNER AMARAL

5.04.2009

O PRAIÃO DE SANTA LUZIA


Numa época em que o carioca sequer pensava em tomar banho de mar, o centro do Rio de Janeiro abrigava um verdadeiro praião. Hoje só existe aterro por lá e o mar apenas pode ser visto dos prédios, coisa que também não existia na época. À frente da praia, a igreja de Santa Luzia, que lhe dava o nome, construída em 1592 em terreno doado por João Pereira Lemos e sua esposa, ainda estava em sua localização original, a pouca distância da atual, que é do final do século XIX e já havia recebido duas torres e uma ampla e bem trabalhada porta.

Para se ter uma idéia de como praia era algo totalmente alheio ao estilo de vida carioca, basta dizer que a de Santa Luzia também era conhecida como Praia da Forca, devido à existência de um pelourinho nela, e também abrigava um cemitério de indigentes ao redor. Até meados do século XIX, também era o endereço do matadouro da cidade. Menos convidativo, impossível.

Na liturgia católica, Santa Luzia é a santa que protege os olhos. O príncipe-regente D. João, chegado aqui em 1808 com toda a sua Corte fugida de Napoleão, era católico da cabeça aos pés e com certeza agradeceu muito a Deus por ter chegado são e salvo à sua mais rica colônia. Foi por toda essa fé que, em 1817, o príncipe disse ao Intendente Geral Paulo Fernandes Viana que queria ir à igreja de Santa Luzia para cumprir a promessa de cura de um problema que seu neto, D. Sebastião, tivera nos olhos.

Bem, de simples o pedido de D. João não tinha nada. Qualquer movimentação sua pela cidade exigia uma grande infra-estrutura logística. Carruagens, cocheiros de fardas, cadetes na frente, lacaios atrás (com jarro d´água e goiabada), escolta, padre, jumento com criado e pinicos feitos de pura louça pintada, além de outras parafernálias, tudo tinha de ser devidamente preparado. Ou seja, mesmo que quisesse sair apenas para comprar um galetinho na esquina, D. João daria muito trabalho a muita gente.

Mas isso constituía a rotina do príncipe e precisava sempre ser feita. O pior era que o trajeto até a igreja, também chamado de Caminho da Forca, era muito estreito e não permitia a passagem da comitiva. Além disso, para piorar, a região ficava constantemente alagada.

Foi preciso então fazer uma espécie de “choque de ordem”, para usar uma expressão da moda. O estreito caminho para se chegar à igreja e à praia foi alargado, embora para isso fosse preciso derrubar o muro da chácara de d. Ana Francisca de Jesus, que recebeu uma indenização de 800 mil réis no ano seguinte. Provavelmente estava bem aquém do valor do terreno, mas não adiantava reclamar. Não havia Procon nem colunas de ´Defesa do consumidor´, haja vista a absurda lei que obrigava os donos das melhores casas da Corte a cederem suas residências por um determinado tempo aos nobres ociosos.

Depois que perdeu estas companhias indesejáveis, ainda no século XIX, a praia de Santa Luzia acabou se tornando a predileta dos clubes de regata e das casas do banho de mar, como a Charneca da lua e a Sociedade Alemã de Ginástica. O mais curioso é que as pessoas tomavam banho de mar amarradas a cordas presas em trapiches. Como se vê, ´pegar uma praia´ na época era um programa dos mais exóticos para um povo que usava trajes europeus em pleno calor tropical.

RETRATOS URBANOS


A matéria-prima da fotógrafa Elisa Gaivota é a mesma da Elisa escritora, que eu ainda irei divulgar neste espaço: a sensibilidade em perceber o sentimento e a expressão das pessoas. Como disse Evandro Teixeira: enquanto todo mundo focava o presidente para um monte de fotos iguais, eu focava o povo, na esperança do inusitado.

Algumas de suas fotos lembram os filmes do cinema novo, Gláuber e Nélson Pereira dos Santos principalmente, e não por acaso, afinal esses cineastas dirigiram suas lentes para o povo e sua intensa capacidade de expressão. Duas fotos com sorrisos, uma de uma mulher e outra de um homem, captam uma alegria intensa, que com certeza teriam uma intensidade muito menor se fossem tiradas um milésimo de segundo antes ou depois. O homem que olha para a estátua de Zumbi favorece uma múltipla leitura, de devoção, afinidade ou esperança. Ou as três juntas.

A primeira foto, do malabarismo na praça, não apenas tem o momento preciso do equilíbrio, mas também, e aí, o paradoxo, pois a foto teoricamente é uma imagem ´parada. É a mesma situação de um pintor que consegue criar movimento na tela parada. Ali gostei também da centralização do movimento, a rodinha em volta, tudo muito bem enquadrado.

A foto tirada na pista Cláudio Coutinho também me chamou a atenção pelo enquadramento, o pescador preso numa interseção que permite até uma leitura meio sensual, se formos perceber duas pernas na árvore que se debruça sobre o mar.

Escolhi apenas algumas fotos para falar, pois o principalmente aqui é dar uma opinião geral sobre o que achei da mostra, que, aliás, tem um ótimo título. Resumindo, o fotógrafo artista é aquele que não apenas registra os fatos, mas deixa uma ampla gama de possibilidades de livre interpretação, mas sempre baseadas na beleza, na percepção estética do belo, que muitas vezes surge até em meio à miséria, como nas fotos de Evandro Teixeira sobre o sertão e na foto que você faz dos meninos saindo da água poluída da Baía de Guanabara, na praça XV. Poderíamos imaginar aqueles garotos saindo da piscina de um centro esportivo, tal a alegria deles, o que gera, e aí a sua percepção do lado humano, a possibilidade de mudança da situação deles, do que ´poderia ser feito´, enfim, a foto como elemento transformador social. Engraçado que sempre vejo garotos nadando ali e imaginei que daria uma ótima foto.

A percepção do seu talento me permite dizer que você une a intuição do artista com o olhar rápido e atento do fotojornalista.

- A exposição "Retratos urbanos" estará no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, no bairro de Campo Grande, entre 26 de maio e 7 de junho. E todo o trabalho da Elisa, inclusive as fotos que menciono neste texto, estão publicadas no blog dela (www.elisagaivota.blogspot.com).

4.13.2009

TIÃO VIANA E AS ORGANIZAÇÕES TABAJARA


A descoberta da astronômica conta de telefone celular da filha do senador Tião Viana (PT-AC) simboliza bem a vergonhosa “parceria-público-privada” da política brasileira. A história, já bem divulgada pela imprensa, é a seguinte: o senador emprestou o telefone celular para a filha, que numa viagem ao México gastou exatos R$ 14.758,07 com ligações, despesa esta que seria paga, como diz o Ancelmo Góis, pelo meu, o seu, o nosso dinheiro. Escândalo revelado pela imprensa, o nobre parlamentar afirmou que iria pagar a despesa do próprio bolso, como sempre acontece após a "casa arrombada".

Diante de tantos episódios absurdos de uso do dinheiro público para fins particulares que vêm sendo divulgados no Congresso, como as diversas comissões cuja única função é a de empregar apadrinhados (tem uma até para cuidar do coral do Senado), a impressão que se tem é que, com raríssimas exceções, aquele que consegue se eleger para a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal pode estufar o peito e gritar bem alto o bordão das Organizações Tabajara, do grupo Casseta & Planeta, bastando apenas inverter o pronome: “Os meus problemas acabaram!”

Diante desta autêntica farra do dinheiro público, o sujeito que consegue se eleger para Brasília pode muito bem se assemelhar a um ganhador da loteria. Senão, vejamos: ele vai passar quatro ou seis anos ganhando um excelente salário e se aposentar em bem menos tempo que a maioria dos mortais, receberá diversas benesses, como viagens, casas confortáveis, carrões para ele e a família, direito de nomear um monte de gente e muitas outras vantagens, como o auxílio-paletó e a língua do contribuinte para colar o selo das cartas.

Acredito que o Brasil não teve uma revolução até hoje para mudar este estado de coisas porque a maioria da população vê o cargo eletivo em Brasília realmente como um prêmio da loteria. Ao invés de dizer: “Ladrões, corruptos! Precisamos tirá-los de lá!” e tomar a Bastilha do cerrado, é mais fácil sonhar acordado: “Quem sabe um dia eu não chego lá e não faço o mesmo? Vou recuperar tudo o que eles me roubaram!”

O mais triste é saber que estas denúncias são apenas a ponta do iceberg, que os ralos do dinheiro público são muitos e se espalham também pelo Executivo, Judiciário e toda a máquida do governo, só que de vez em quando a coisa vaza na imprensa, devido, principalmente ao pitoresco de casos como o destas ligações de celular ou dos cartões corporativos, usados até para comprar pamonha.

Dá para acreditar no que escreveu, de forma muito perspicaz, o correspondente do “The New York Times”, Larry Rother: “A corrupção no Brasil é endêmica”. Principalmente quando descobrimos que o gasto de telefone celular da filha de um senador poderia matar a fome de muitas famílias pobres. Mas a Copa do Mundo e as Olimpíadas vêm aí e tudo logo será esquecido.

3.16.2009

A ARTE DE LER JORNAL NA BANCA

Nunca passei por uma banca com jornais expostos que não tivesse alguém olhando. Geralmente há mais de um e por isso é preciso tomar cuidado para não ficar na frente de ninguém, principalmente se você for alto ou gordo. Caso haja muita gente, aguarde a vez para chegar perto, pois a leitura de jornal em banca não costuma levar muito tempo. O ideal é ficar numa posição em diagonal, pois é possível ler todos os jornais sem atrapalhar ninguém. É bom tomar cuidado também com a carteira, pois de vez em quando, infelizmente, aparece um ou outro que não está ali apenas com a intenção de se informar.

A leitura em banca de jornal, na verdade, é bastante limitada, pois só permite que se veja a primeira página, a chamada “página das manchetes”. Como antigamente muita gente abusava e folheava os jornais, os donos das bancas acabaram grampeando os jornais.

O leitor de bancas de jornal, embora não possa se aprofundar nas notícias (a não ser que, claro, compre o jornal) adquire, com este ofício, uma espécie de “apanhado geral” dos principais assuntos do momento. Isto é muito útil, por exemplo, em relações sociais e profissionais.

Uma figura inconveniente, no entanto, nestes ambientes, é o comentarista, que, como o próprio nome diz, se especializa em comentar as notícias com alguém. Geralmente é uma crítica em tom raivoso e que acaba atrapalhando a leitura dos outros, que para ser eficiente precisa ser dinâmica e silenciosa. Embora seja difícil identificar o comentarista, a recomendação, quando ele começar a resmungar, é procurar se manter concentrado na leitura, de preferência firmando um pouco os olhos e aproximando o rosto do jornal. Geralmente ele desiste. Há também outra figura inconveniente, que é a do egoísta, o sujeito que fica na frente dos jornais e não deixa ninguém ler, principalmente se ele for alto e gordo. Fumantes também provocam grande incômodo.

Os dias de maior movimento em torno das bancas de jornal são as segundas-feiras, por causa dos resultados do futebol de domingo, e também os dias seguintes a algum fato marcante. Embora muita gente acredite que este hábito seja prejudicial aos jornaleiros, o resultado é exatamente o contrário. Vá lá que a grande maioria apenas lê o jornal na banca e vai embora, mas muita gente acaba comprando o jornal, interessado no que viu nas manchetes. O que não se deve jamais fazer é pedir ao dono da banca para “dar uma olhadinha” num jornal porque viu algo interessante lá fora. Aí já é abuso.

Hoje, quando muitos jornais estão disponíveis na internet, acontece também de a pessoa olhar na banca algo que a interesse e ler a matéria inteira na versão online, o que é bastante prejudicial ao dono da banca, que precisa encontrar formas de se adaptar às novas tecnologias.

2.09.2009

SARNEY, O ETERNO


Apesar de já ter a imortalidade garantida por fazer parte da Academia Brasileira de Letras, o ex-presidente José Sarney parece cultivar outro tipo de "eterna permanência": o poder.

Sua trajetória política comprova isso. Vindo da Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido oficial do governo na época da ditadura, Sarney conseguiu fazer parte da chapa que levaria Tancredo Neves à presidência do país em 1985, numa eleição indireta. Bem, o que aconteceu todo mundo já sabe, e Sarney foi o presidente da chamada “Nova República” entre 1985 e 1990, tendo entregue a Fernando Collor de Melo um país com uma inflação média de 84% ao mês e tendo sido protagonista de um dos episódios mais folclóricos da recente História política brasileira, que foi a picareta arremessada contra o ônibus dele, no centro do Rio de Janeiro.

Recém-eleito presidente do Senado pela terceira vez, José Sarney é uma espécie de eminência parda do governo Lula, que em outras épocas era seu ferrenho adversário, embora em política a amnésia seja um dos atributos essenciais para o sucesso e a sobrevivência. Lula, como político experiente que é, sabe que uma figura como Sarney é imprescindível para a articulação política no Legislativo.

O ex-presidente, com sua fala mansa, seu jeito conciliador, sua vasta experiência na política e na vida e seu profundo conhecimento dos dispositivos internos e da burocracia do Congresso, fundamentais para o governo que quer aprovar um projeto – principalmente se estiver com pressa - representa a figura do trabalhador que já está há muito tempo na empresa e que precisa ser respeitado por quem entra agora, pois conhece todos os atalhos tanto para ajudar como para derrubar. Citando uma tirada filosófica de Romário, Sarney impõe respeito àquele que entra no ônibus agora e já quer sentar na janela.

Aliás, o PMDB, partido de Sarney (que na “infância”, quando se chamava MDB, era oposição à Arena, partido de Sarney), cumpre com perfeição este tipo de política na esfera federal. Nunca lança candidato à presidência (o ex-governador do Rio Anthony Garotinho entendeu isso de forma clara) mas sem ele ninguém governa. Ainda mais agora, que também elegeu Michel Temer para a presidência da Câmara.

Nunca li um livro de Sarney, por isso não posso julgar sua verve literária, mas se um dia ele vier a escrever suas memórias, com certeza elas serão indispensáveis a qualquer um que se interesse por política, independentemente de partido ou ideologia. Posso até sugerir o título: "Políticos e picaretas".

2.03.2009

OS PINGOS DOS IS


Falaram tanto do trema, mas a reforma que pretende unificar a língua portuguesa custou muito tempo e dinheiro e não eliminou o mais inútil dos sinais – tanto daqui como d´além mar.

Há quem defenda e quem condene a reforma, sendo que o segundo grupo me parece ser bem maior, a julgar pelos comentários que tenho ouvido. Mas acontece que ela está aí, aprovada e aos poucos sendo adotada em veículos de comunicação. O prazo para a completa adaptação é bem longo, até 2012. Depois disso não tem jeito: quem não escrever do novo jeito vai...bem, não vai acontecer nada, pois até hoje são raros os que dominam completamente todas aquelas inúmeras regrinhas de ortografia e acentuação, incluindo aí as terríveis exceções da regra.

Um exemplo é o hífen. Se suas normas de aplicação já eram mais misteriosas do que letra de médico, imagine agora. Vai ser preciso, enfim, estudar as regras antigas apenas para negá-las depois, quase um exercício de masoquismo gramatical. Mas diante de tantas mudanças, foi estranho perceber a permanência daquele que é, a meu ver, o símbolo mais inútil da língua portuguesa: o pingo do i e do j. Afinal, para que ele serve? Ele me lembra aquele sujeito que quando falta ao trabalho ninguém nota e por isso faz questão de chegar cedo, falar com todo mundo e mostrar presença, só para não perceberem sua inutilidade.

Assim é com o pingo. Por algum motivo, ele continua presente com a nova reforma ortográfica. Será que é possível pensarmos em alguma espécie de lobby político-linguístico para a sua permanência, enquanto o pobre do trema foi excluído, com todas as letras, da língua portuguesa? Bem ou mal, ele tinha lá a sua função, nem sempre bem entendida, mas útil. Imagine se daqui a algum tempo as pessoas começarem a falar cinkenta em vez de cinqüenta?

A única vantagem do pingo parece ter sido a de dar origem a uma expressão bastante usada até há algum tempo, “vamos colocar os pingos nos is”, quando alguém queria explicar algo de forma convincente. A julgar pelas dúvidas que a reforma está provocando, principalmente em relação aos já citados hífens, esta expressão continua me parecendo ser bem atual.

2.02.2009

(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em dois de fevereiro de 2009, versão online (www.oglobo.com.br/blogs/prosa)

Por Miguel Conde

André Mansur e as histórias da Zona Oeste carioca

O título do novo livro do jornalista André Luis Mansur, "O Velho Oeste carioca" (Ibis Libris), sugere à primeira vista mais um relato sobre o bangue-bangue diário em que a vida no Rio de Janeiro às vezes parece transformada. Não é nada disso, explica o autor. O livro conta uma história menos sangrenta, mas à qual não falta dramaticidade: o desenvolvimento da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A partir de relatos da época e trabalhos de historiadores, Mansur conta uma história que a maioria dos cariocas desconhece, e que ajuda a entender um tanto da cidade atual.

Nos comentários sobre a última eleição municipal, houve quem apontasse um antagonismo entre Zona Sul e Zona Oeste. O que você acha disso?

Acho que existe um antagonismo principalmente cultural. Na zona sul, você esbarra em teatros, cinemas, museus e centros culturais, enquanto na parte da zona oeste que estudo no livro (de Deodoro a Sepetiba) não há sequer uma livraria de peso. Em relação à memória da região, tema do meu livro, destaco uma instituição que faz um trabalho muito importante, que é o Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica (Noph), de Santa Cruz.


Na verdade, quando pensei no título, pensei principalmente na sonoridade dele e na curiosidade que poderia despertar, características que me foram confirmadas por muita gente que se sentiu atraída pelo título. No caso da “terra sem lei”, há alguns trechos que falo disso em relação aos problemas de limites e demarcação de algumas das antigas fazendas, que muitas vezes deram origem a conflitos.

O desenvolvimento urbano do Centro e da Zona Sul é razoavelmente conhecido, mas o da Zona Oeste não. Como ele se deu?

Com exceção da Fábrica de Tecidos Bangu, foi basicamente um desenvolvimento agropastoril, com destaque para a Fazenda de Santa Cruz - uma das maiores do Brasil na época em que foi dos jesuítas e chamada de “jóia da Coroa” -, muitos engenhos e o ciclo da laranja, que fez de Campo Grande o maior produtor da fruta nos anos 30 e 40 do século passado. A exceção deste contexto foi a área entre Realengo e a Vila Militar, que, por opção estratégica, foi ocupada principalmente por quartéis do Exército.

Como estudar a história da Zona Oeste nos ajuda a entender o atual estado da região, e em particular seus problemas?

Um dos grandes problemas da Zona Oeste é que ela passou de uma área rural para uma área urbana muito rapidamente nas últimas décadas. Não houve uma fase intermediária, uma fase sub-urbana. Com isso, surgiram diversos problemas, como crescimento populacional desordenado, trânsito caótico e diversas questões de “ordem pública”, para usar uma expressão que está na moda, como poluição sonora, por exemplo. Isso sem contar a degradação ambiental verificada nos parques florestais e no litoral, principalmente em Sepetiba e na Pedra de Guaratiba.

Quais foram os principais autores que registraram algo sobre a vida na Zona Oeste nos séculos anteriores?

Além de autores importantes da região, como o historiador Benedicto Freitas, que escreveu uma coleção de três volumes sobre Santa Cruz, cito autores que dedicaram um bom espaço à região em livros sobre o Rio de Janeiro, como Brasil Gerson, Noronha Santos e Monsenhor Pizarro, sem contar os muitos visitantes europeus que estiveram na região, como a inglesa Maria Graham e o pintor francês Jean Baptiste Debret.

Durante sua pesquisa, o que te surpreendeu sobre a região?

Sem dúvida, foi a história da Fazenda de Santa Cruz, principalmente do período a partir da chegada do príncipe-regente D. João, em 1808, que se apaixonou pela região e transformou o prédio principal da fazenda em palácio de veraneio. Saber que um bairro da zona oeste se tornava sede de um poderoso império durante vários meses do ano realmente me surpreendeu. E a excelente condição da sede da fazenda (hoje é a sede do Batalhão de Engenharia Militar Villagran Cabrita), sempre recebendo visitas de pesquisadores e alunos de escolas públicas, é uma referência perfeita de como pode e deve ser preservado o imenso patrimônio histórico da região.

1.26.2009

LULA E O DIA DO FICO


Não sei não, mas cada vez me parece mais que Lula quer repetir D. Pedro I.

Faltando dois anos para o fim do mandato, o presidente Lula vive um dilema aparentemente inconciliável: como transferir parte dos 80% de sua aprovação pessoal pelo povo (pelo menos é o que dizem os institutos de pesquisa) para um candidato. Pois a não ser que haja uma mudança radical no quadro político, já deu para perceber que a ministra Dilma não terá força e, principalmente, carisma (mesmo com a plástica) para receber o bastão da permanência do Partido dos Trabalhadores no governo.

Como não há prováveis sucessores dentro do partido, já que os amigos mais próximos foram atropelados pelo rolo compressor do mensalão e outros escândalos, Lula vê como única alternativa para a permanência do PT no governo o terceiro mandato, que, a julgar pelas pesquisas, é barbada certa para ele.

Mas o presidente da República não pode defender abertamente um terceiro mandato, pois pode cheirar a golpismo. No Congresso, a possibilidade de que tal idéia vingue é, além de remotíssima, extremamente desgastante politicamente. Por isso, Lula optou por um caminho menos espinhoso, menos exposto, o caminho da sutileza, do tipo “comendo pela beirada”.

Embora Lula negasse essa possibilidade, um ou outro aliado sempre dava uma declaração aqui e ali, deixando a possibilidade em aberto, situação parecida com a do sujeito que gosta de uma garota, mas por excessiva timidez pede a um amigo para interceder por ele.

O presidente, no entanto, parece estar perdendo a timidez no assunto reeleição e a possibilidade do terceiro mandato já parece clara e tentadora. A maior prova disso foi a recente declaração dele defendendo a possibilidade do presidente venezuelano Hugo Chávez se candidatar indefinidamente à reeleição naquele país e afirmando, textualmente, que no Brasil “isso não impede que, daqui a um tempo, apareça um partido, uma maioria de deputados, que proponha mudar a lei que proíbe ter apenas uma reeleição (para) poder três ou quatro. Isso pode acontecer”.

Se a tônica será esta daqui para frente, é bem provável que Lula prepare um novo “Dia do Fico”, quem sabe em nove de janeiro de 2010, 188 anos depois de D. Pedro I ter dito, no Campo de Santana, sua famosa frase “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que eu fico”!, recusando a partida para Portugal e preparando o terreno para a independência do Brasil e sua posse como primeiro imperador do país.

Mas se Lula repetir a frase de D. Pedro I, uma coisa é certa. Pelo menos desta vez ele não poderá iniciar o discurso com o seu já famoso bordão: “Nunca antes na História deste país...”

1.25.2009

AS HISTÓRIAS E AS LENDAS DO VELHO OESTE CARIOCA


(Publicado no jornal "Extra", de 11 de janeiro de 2009)

Jornalista reúne em livro episódios da Zona Oeste da cidade: fatos e lendas sobre a ocupação da região

ISABELLA GUERREIRO


No Velho Oeste carioca não tinha cowboy, como no faroeste americano. Mas, nas histórias sobre a ocupação da região – que vai de Deodoro a Sepetiba – tem pirata, ou melhor, corsários franceses, e até um sacerdote que evangelizava com a ajuda de um projetor de cinema, sem falar das curiosidades sobre a Família Real, que se hospedava na Fazenda Santa Cruz.

Esses e outros casos dos séculos 16 ao 21 foram reunidos pelo jornalista André Luis Mansur, de 39 anos, no livro “O Velho Oeste Carioca” (Editora Ibis Libris, R$ 30). Mansur, que foi criado em Marechal Hermes e mora em Campo Grande há 18 anos, decidiu resgatar o patrimônio histórico da região quando pesquisava para um trabalho sobre os 500 anos do Descobrimento do Brasil.

- Em 2000, saíram muitos livros sobre a história do Rio. Vi algumas coisas sobre a Zona Oeste, mas nenhuma obra específica sobre a região. Então, resolvi pesquisar sobre a área – conta.

Invasão de corsários

Durante cinco anos, Mansur levantou dados sobre a história da Zona Oeste em livros de pesquisadores da região, jornais e relatos de cronistas do Rio Antigo e de viajantes europeus. Um dos fatos que mais o surpreendeu foi a invasão de piratas franceses a partir de Barra de Guaratiba, em 1710.

- Eles foram guiados por escravos e atravessaram as montanhas e florestas da região até o centro da cidade, onde foram derrotados – explica Mansur. Conta-se ainda que o líder do grupo, Du Clerc, após ser preso foi morto misteriosamente. A causa seriam “aventuras amorosas” – diverte-se.

O historiador Mílton Teixeira ressalta, porém, que os invasores eram corsários. Ele explica a diferença.

- Pirata rouba para si. Corsário rouba para o rei, no caso Luís XIV, da França – diz Teixeira, que se diverte ao comentar o episódio: - Deve ter sido uma cena espetacular. Mil soldados com penachos vermelhos na cabeça atravessando a cidade. Uma cena que nem Joãosinho Trinta poderia imaginar.

Outra história curiosa do livro é sobre Padre Miguel, sacerdote espanhol que chegou ao Rio em 1908, com 29 anos. Apaixonado por cinema, produziu diversos filmes mudos de caráter religioso na região de Realengo.

* DOM PEDRO I:
o príncipe gostava de tomar uma pinga famosa numa barraca em Realengo durante as idas até a Fazenda Santa Cruz. Ele gostava muito de fazenda e cavalo. Lá, Dom Pedro I aproveitava para se encontrar com sua amante, Domitila de Castro e Canto Melo, a Marquesa de Santos. Bem afastado do burburinho da Corte.

* FAZENDA SANTA CRUZ: Conta-se que Dom João foi mordido por um carrapato na fazenda, antiga propriedade dos jesuítas, hoje batalhão do Exército. A ferida se transformou numa úlcera e o príncipe-regente passou a usar uma cadeirinha para se locomover. Era na fazenda que ficava o boi Patrício, animal de estimação de Dom João. Ninguém podia bater no animal, que veio de Portugal junto com a Corte, em 1808.

* FUTEBOL NASCEU EM BANGU?: Há uma suspeita de que o futebol possa ter dado seus primeiros chutes em Bangu, antes que o paulista e filho de ingleses Charles Miller trouxesse bolas da Inglaterra e iniciasse a prática do esporte em São Paulo, em 1894. Consta que a primeira bola entrou em Bangu escondida por Thomas Donohue, um dos técnicos britânicos contratados pela Fábrica Bangu. No campo que existia nos jardins da fábrica, Donohue jogava futebol com outros funcionários britânicos.

* DIRIGÍVEIS: Santa Cruz possui o único hangar de dirigíveis do mundo. Construído entre 1934 e 1936, o hangar do Zeppelin, como é conhecido, servia de abrigo aos dirigíveis construídos na Alemanha pelo conde Ferdinand von Zeppelin, e que faziam a rota entre Berlim e o Rio. A região foi escolhida para sediar o hangar principalmente devido às condições climáticas e à direção favorável dos ventos. Lá, os dirigíveis eram recolhidos para manutenção, reabastecimento e embarque de passageiros.

Foto: Fábrica Bangu, com um campo de futebol ao lado.

1.16.2009

RELATO HISTÓRICO

(Publicado no caderno “Zona Oeste”, do jornal “O Globo”, em 13 de setembro de 2008)

Em “O Velho Oeste carioca”, jornalista André Luis Mansur divulga sua pesquisa sobre a região

Por Thaís Britto

Reza a lenda que a região da Ilha de Guaratiba recebeu este nome por causa de um marinheiro inglês chamado William, que chegou ao Brasil junto com a comitiva de D. João. Outra sugere que a origem do futebol no Brasil não é nada daquilo que se pensa: o esporte teria nascido aqui, com os funcionários ingleses da Fábrica Bangu, antes da chegada de Charles Müller. Entre causos e fatos, o jornalista André Luis Mansur, de Campo Grande, lançará em outubro (o livro foi lançado no dia nove de dezembro, no Paço Imperial) o livro “O Velho Oeste Carioca”, onde reúne cinco anos de pesquisa sobre a Zona Oeste e sua importância na formação do Rio.

A idéia de lançar o livro surgiu no ano 2000, quando Mansur trabalhou como freelancer no projeto de pesquisa dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.

- Sempre via informações sobre a Zona Oeste nessas buscas, mas sentia falta de publicações especíificas sobre a região. Acabei me interessando por trabalhar com pesquisa e passei a procurar histórias – comenta o autor.

Ele conta ter passado muito tempo em bibliotecas, entre as quais a do Centro Cultural Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional e a do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, onde trabalha.

Diarios de viajantes europeus e obras históricas, como “As freguesias do Rio Antigo”, de Noronha Santos; Histórias das ruas do Rio”, de Brasil Gerson; e “Donos do Rio em nome do rei”, de Fania Fridman, foram algumas das principais fontes de informação jornalista. Morador de Campo Grande, ele fará o lançamento oficial da obra na livraria Arlequim, no Paço Imperial, no Centro. Mas a première será no Chopp da Villa, no bairro onde mora. Comandado por Seu Ernesto, o bar é uma ode aos velhos tempos da região.

- O Chopp da Villa é um lugar que resgata as origens da Zona Oeste. As paredes são cheias de fotos históricas e raras da região. Além, é claro, de ser um ponto de encontro cultural em Campo Grande – acentua Mansur.

De piratas a encontros amorosos

Quando finalizou a pesquisa, em 2005, o jornalista tentou lançar o livro, sem muito sucesso. Para dar vazão às histórias, surgiu o blog Emendas e Sonetos, (emendasesonetos.blogspot.com), que serviu tanto para testar o alcance da pesquisa com os leitores para, finalmente, despertar o interesse de uma editora, a Ibis Libris.

- Não queria algo que se restringisse aos moradores da Zona Oeste. O blog acabou sendo o termômetro de aceitação do livro. Recebi e-mails de muita gente, de estudantes de outros estados que pesquisavam sobre a região – conta Mansur.

Além da ilha do Seu William e do nascimento do futebol em Bangu, o autor narra fatos inusitados como a concorrência entre uma famosa marca de refrigerantes e o suco de laranja em Campo Grande (o bairro era um dos maiores produtores da fruta) e a invasão de piratas franceses, no século XVIII, em Barra de Guaratiba.

- Em 1710, uma esquadra de piratas franceses tentou invadir o Rio de Janeiro pela Baía de Guanabara. Como encontrou resistência, chegou à Barra de Guaratiba, rumou para a Barra da Tijuca e alcançou o Centro, onde acabou derrotada – explica o autor.

O bairro de Santa Cruz, de importância vital para a História da cidade, ganha espaço no livro com diversos monumentos, como a Ponte dos Jesuítas, a Fonte Wallace, o Hangar do Zeppelin (único hangar de dirigíveis ainda existente) e a Fazenda de Santa Cruz, onde hoje está instalado o Batalhão Villagran Cabrita.

- Quando D. João chegou aqui, encantou-se com a beleza da fazenda e ali construiu sua residência de veraneio. Muitas decisões importantes do Império foram tomadas aqui. E muitas histórias secretas aconteceram também, como os encontros de D. Pedro I com a Marquesa de Santos – acrescenta.

A História mais próxima da população

O historiador Sinvaldo Souza, morador de Santa Cruz, é referência na região quando se fala em passado da Zona Oeste. Segundo Mansur, ele foi um colaborador próximo, passando informações e bibliografia.

- O que o Mansur fez nesse livro é bem similar ao que Eduardo Bueno faz com a História do Brasil. Ele pegou livros importantíssimos, com uma quantidade valiosa de informação, mas que são muito chatos. E deu a eles uma linguagem jornalística, muito mais acessível às pessoas – comenta o historiador, que acredita na oportunidade do lançamento do livro.

- Acho que é muito legal para a Zona Oeste conhecer e se interessar mais por suas raízes. Os marcos históricos, por exemplo, estão abandonados, pois as pessoas não sabem do que se trata.

1.02.2009

A GRANDE ILUSÃO DO ANO-NOVO


Talvez maior do que a do Papai Noel, a grande ilusão da infância nesta época do ano seja acreditar que tudo vai mudar no Ano-Novo.

Eu, pelo menos, quando criança, acreditava que o dia 1º de janeiro simbolizava a entrada numa espécie de “admirável mundo novo”. Tudo levava a isso. A esperança dos adultos (“que tudo se realize...no ano que vai nascer...”), o clima de euforia nas ruas, as propagandas e os especiais de fim de ano da televisão e, por fim, todo aquele ambiente efusivo de cumprimentos, choros, abraços emocionados (e muitas vezes suados), foguetórios, champanhe estourando e mesa farta, quase como se tivessem esvaziado tudo da despensa, já que no “novo mundo” não precisaríamos mais nos preocupar em armazenar provisões.

Ou seja, tudo em excesso, tudo no limite, quase um expurgo do passado para adentrar o ano-novo limpo de tudo o que ficou para trás.

E lá vinha o 1º de janeiro. No início, talvez movido ainda por toda aquela energia eufórica do réveillon, acrescida da barulheira de fogos e música alta, ainda me sentia numa espécie de torpor. Acordava cedo para ir às ruas, ansioso por ver, sentir, provar as mudanças anunciadas com tanto alarido. E realmente percebia algo novo no ar, os sorrisos pareciam mais amistosos, as ruas menos barulhentas, o céu mais azul. Com o passar do tempo, no entanto, a ilusão caía por terra. Quando me lembrava do início das aulas, quando meu time levava uma sova no Maracanã, quando tinha o primeiro tombo de bicicleta do ano, eu percebia que nada mudava.

Mas a infância é teimosa e sempre busca encontrar atalhos para suas justificativas. Pensava...ah!, neste ano não deu certo por algum motivo, mas no ano que vem realmente tudo vai mudar, até porque os mais velhos continuam esperançosos. E aí levava o ano inteiro alimentando essa expectativa da melhor forma possível, a passagem do tempo na folhinha do calendário se aproximando, a ansiedade crescendo. E no réveillon a mesma coisa, a mesma euforia, as mesmas falas e os mesmos pratos.

Acho que foi na quarta decepção que, enfim, parei de acreditar no Ano-Novo – Papai Noel eu já sabia que passeava de trenó numa loja de crediário há muito tempo. Mas até hoje acho legal o ritual dos encontros, mesmo achando que a passagem do dia 31 para o dia 1º é igual à dos outros dias do ano e que a esperança por dias melhores que eu, otimista incorrigível, ainda mantenho, continua em alta, mesmo que ela venha lá pelo meio do ano. Acredito na mudança contínua e perseverante, dentro mesmo de uma rotina, e que mudanças explosivas como fogos de artifício só funcionam para quem ganha na mega-sena. Não à toa, ela quase sempre fica acumulada nesta época.

Mas...voltando ao tema do "nada mudou" após a "torturante contagem regressiva" (obrigado, Bruna), querem algo mais déjà vu do que uma guerra entre israelenses e palestinos?