2.19.2015

LEITE COM MANGA

Uma das atitudes mais corajosas que já tomei na vida foi quando pedi um copo de leite com manga numa agradável tarde de sábado em um bar do subúrbio carioca de Cascadura. Não que as condições do estabelecimento fossem inadequadas, era até simpático o bar, mas o ato de coragem se justifica por eu ter ouvido desde pequeno que a mistura de leite com manga poderia levar à morte em poucos minutos.
Não sei de onde veio a argumentação de que estas duas substâncias unidas poderiam provocar uma explosão fatal ao entrar no organismo, mas sei que ela existia e era constantemente lembrada, acabando por se constituir numa das lendas urbanas de maior durabilidade, tal qual a da mulher loura no banheiro, embora esta eu nunca tenha tentado desafiar e muitas vezes, quando criança, cheguei em casa com a bexiga no limite por medo de entrar no banheiro do colégio.
 Também não sei por quais cargas d´água tomei a coragem de fazer o insólito pedido naquela tarde, enquanto aguardava meu ônibus chegar ao ponto. Tinha 18 anos, estava feliz, ia a uma festa e não havia qualquer sombra de comportamento autodestrutivo em minha vida. Talvez fosse uma espécie de rito de passagem, aquela situação que todo adolescente precisa enfrentar antes de ingressar na fase adulta de peito aberto, deixando para trás o medo e a insegurança.
Pois bem, devia ser isso mesmo. E lá fui eu, cheio de coragem, pedir a estranha mistura num bar cheio de gente bebendo cerveja e outras misturas mais fortes. O ridículo da cena talvez lembre o personagem Shane, interpretado por Alan Ladd, pedindo uma gasosa no bar cheio de “homens brabos” do filme “Os brutos também amam”.
O mais incrível foi que, ao fazer o pedido, o atendente rapidamente se prontificou a fazer a, digamos, vitamina, ainda perguntando se eu queria com gelo. Enquanto ele preparava, fiquei pensando: será que esse perigo só existia na minha família? Mas não podia ser. Vários amigos e conhecidos me asseguravam que a mistura leite com manga era tão fatal quando picada de lacraia (outra história terrivelmente ameaçadora). Ou então será que aquele bar era o único bastião contra estas lendas disseminadas de geração a geração? Ou o dono era um sádico especializado em matar fregueses incautos e enterrá-los nos fundos do estabelecimento, como um bom filme americano de terror classe B?
Não sei, nada ali parecia tão ameaçador. E quando a mistura ficou pronta e o atendente falou, num tom razoavelmente alto, “sai um leite com manga”, não vi ninguém espantando. Achei até que alguma velhinha pudesse pegar o copo e despejá-lo subitamente na calçada e ainda me dar um belo de um esporro por ser tão inconsequente. Não, nada aconteceu. E então, de frente para o Viaduto de Cascadura, bebi tranquilamente meu primeiro copo de leite com manga. Paguei, agradeci e o atendente me deu o troco como se nada tivesse acontecido.
Peguei meu ônibus e achava, inconscientemente, que algo ainda aconteceria. De qualquer forma, tinha meu endereço e um número de telefone na carteira, como meu pai sempre recomendava, e por isso alguém (uma enfermeira, o mais provável), poderia dar a trágica notícia à família. Mas, também desta vez, nada aconteceu. Fui à festa, me diverti bastante, voltei para casa no dia seguinte e nas 48 horas seguintes, que seriam de observação e monitoramente, não tive nem uma diarreiazinha sequer.

Confesso: me decepcionei. Uma verdade tão inquestionável como aquela precisaria ter um fundo de...verdade, pelo menos. Um mito não cai por terra assim, sem esboçar um mínimo de reação. Mas aquele caiu, de forma irrefutável. Contei a façanha para amigos e familiares e alguns ainda me chamaram de louco e inconsequente. Seja como for, depois disso passei a adotar a vitamina de leite com manga no meu cardápio e me enchi de coragem para tomar outras atitudes impetuosas, como tomar banho depois do almoço ou andar de ônibus pela avenida Brasil de madrugada. Mas a mulher loura no banheiro, esta ficou sempre no meu imaginário como um símbolo de medo e covardia. 

2.09.2015

O CHORINHO DA PEDRA



    Um ótimo programa para as tardes de domingo é o chorinho do grupo "Choro na Calçada", na Praça São Pedro, em Pedra de Guaratiba, zona oeste do Rio de Janeiro. A praça fica em frente à praia, numa das extremidades do píer, com o belo visual da Restinga da Marambaia ao fundo. Em volta temos o Mercado do Peixe e vários bares, entre eles o tradicional Bar Budo, comandado pelo barbudo Wilson Paim e que já figurou no Guia Rio Botequim. Algumas amendoeiras garantem a sombra.



    A apresentação começa ao meio-dia e vai até as 18h, com pequenos intervalos, inclusive para o almoço. Não há couvert, apenas um dos integrantes passa o chapéu para quem quiser contribuir com o grupo, que não se limita ao chorinho e apresenta um repertório dos mais abrangentes, realçado por um naipe de sopros que dá um sonoro reforço aos tradicionais instrumentos de cordas e percussão do gênero.
    As especialidades dos restaurantes, como não poderia deixar de ser, são os pratos de frutos do mar, que na maior parte vem de outros lugares, já que a Praia da Pedra, assim como toda a Baía de Sepetiba, é poluída. Os muitos barcos próximos ao píer costumam partir para a pescaria no fundo da baía, perto da restinga, onde a água é mais limpa.



    À medida que a tarde vai caindo, um outro atrativo é o por do sol da  Pedra de Guaratiba, tendo ao fundo a Ilha da Marambaia, no final da restinga, e, bem mais distante, a Ilha Grande. O passeio no píer dá o contorno perfeito para este belo passeio de domingo, que muitas vezes vem acompanhado da Feira de Artesanato da Pedra, mas este já é assunto para outro artigo.