8.25.2013

CARTA PARA A MÃE

(texto publicado em agosto de 2011)

Qual a sensação de se chegar à idade em que a mãe morreu?

Cheguei, enfim, à idade em que minha mãe Lucy morreu, aos 42 anos, no hoje bem distante 1º de fevereiro de 1981. Aos 11 anos, recebia a notícia, de forma fria e seca, de uma tia-avó, sintetizada numa frase: "Morreu". Para mim, aquilo soou como o fim de uma era, algo estranho e misterioso que se iniciava e que estava preso a uma aura de sofrimento, vide o choro compulsivo de minha avó no sofá da sala.

Nunca parei para pensar em como seria quando chegasse à idade em que ela partiu. Achava que uma emoção inesperada tomaria conta de mim quando passasse a ver o mundo da idade dela, principalmente porque 42 anos, para um garoto de 11 anos, e numa época em que a expectativa de vida era menor, parecia muito tempo.

Ao me colocar na idade dela desde o último dia 3 de agosto, um dia frio e chuvoso, passei a sentir sua presença de forma viva, quase reconfortante. Como se aquele domingo ensolarado de verão voltasse de forma mais iluminada, sem a sombra amarga da morte, sem frases frias e sofridas, sem o olhar piedoso dos vizinhos, sem a chegada triste e contida de meu pai, e sem, principalmente, a sensação de que o tempo não me daria chance a um recomeço. Mas ele sempre dá.

7.18.2013

ATENTADOS LITERÁRIOS

         Costumo deixar livros no trem, mais precisamente quando a composição chega à Central do Brasil, estação final, no centro do Rio de Janeiro. Assim que a "minhoca de lata" chega, espero todo mundo sair, tiro o livro da mochila, coloco no canto de um banco e saio, sem olhar para trás. Prefiro esta atitude discreta, pois seria muito desagradável se alguém me cutucasse no ombro lá na frente e dissesse, com a melhor das intenções: "Amigo, esqueceu isso aqui". "Ah, sim obrigado".
         Os temas dos livros variam, pode ser de ficção, História, variedades, o que pintar, contando que esteja em bom estado. Fico imaginando a reação das pessoas, se vão gostar, levar pra casa, dar pro filho, ou mesmo deixar de lado. Não sei. O mais fascinante nesta atividade, que já desenvolvo há muitos anos, é exatamente deixar a imaginação livre para saber o destino do livro. Um amigo também já fez a mesma coisa, mas ele acrescentava um pequeno texto no início do livro, quase uma dedicatória, do tipo "Este livro não chegou a você por acaso, portanto trate dele com carinho".
         Certa feita vi uma reportagem sobre um grupo que fazia isso, mas em vários lugares, banco de praça, jardim, ônibus, balcões, metrô e trem, entre outros. Chamavam de atentado literário, já que tinha sido algum tempo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Embora eu já fizesse o mesmo no trem havia algum tempo, gostei do nome e passei a adotá-lo.
         Apenas uma vez meu atentado literário quase não deu certo. Quando o trem chegou à Central, entraram várias pessoas para a viagem de volta, já que era de tardinha, hora da volta do trabalho. Ia deixar um exemplar da "Revista de História", da Biblioteca Nacional (deixo revistas também, às vezes), devidamente lida. Estava com um grupo de amigos, sem saber o que fazer, pois os outros trens já estavam cheios. Por sorte um dos amigos, bastante extrovertido, pegou a revista da minha mão e, já na saída da estação, quando entrou um rapaz com cara de estudante, entregou a revista para ele e disse, em um tom que não admitiria contestação: "Toma!" O rapaz sorriu e ainda balbuciou um agradecimento, mas já estávamos em um passo rápido e decidido, passo de quem acabou de cumprir uma importante missão.


Obs: este texto foi escrito dentro do trem, chegando à estação da Central, onde mais um atentado literário seria feito com sucesso.

3.31.2013

FRAGMENTOS DO RIO ANTIGO



FRAGMENTOS DE UMA CIDADE
QUE SEMPRE SE TRANSFORMA
         Foi há muito tempo, mas já houve uma tentativa de se defender o Rio de Janeiro com um muro, como aconteceu em muitas cidades medievais da Europa. O projeto, que durou três séculos, nunca foi muito à frente, principalmente por discordâncias e falta de continuidade de um governo para outro, um problema que, aliás, até hoje atrapalha as obras longas no país. A história das idas e vindas da construção do muro, cujos limites iam até a altura da atual rua Uruguaiana, é um dos capítulos deste livro, escrito pelo jornalista André Luis Mansur e pelo médico Ronaldo Morais e repleto de fotos de importantes monumentos históricos do Rio tiradas por Ronaldo principalmente nos anos 80.
         Uma delas é a Fazenda de Nossa Senhora da Conceição, na Pavuna, demolida na década de 80 e que abrigava uma picota, a única descoberta até hoje na cidade. A picota era um instrumento de tortura dos escravos e que substituía o pelourinho nas áreas mais afastadas do centro da cidade.
         Outra fazenda importante era a de Colubandê, em São Gonçalo, e que abrigou muitos judeus perseguidos pela Inquisição. Nas fotos ela aparece bastante degradada, mas hoje está muito bem preservada e oferecendo bárias atividades de lazer para os moradores da região. Outro monumento que aparece bastante degradado no livro e hoje está restaurado é a Casa de Banhos de D. João VI, no Caju, que hoje é o Museu da Limpeza Urbana da Comlurb. A Casa de Banhos era o local oferecido ao príncipe-regente para ele tomar banho na praia do Caju por recomendação médica, já que havia sido picado por um carrapato na Fazenda de Santa Cruz, na antiga zona rural da cidade. Com a medida, D. João inaugurou um hábito hoje totalmente associado ao lazer do carioca: o banho de mar.
         O livro traz também, entre outros monumentos importantes, a estação de trem de Marechal Hermes, de 1912, a Fundição Cavina, em Lins de Vasconcelos, de onde saiu, por exemplo, a estátua de Tiradentes, que fica em frente à Assembleia Legislativa. A fundição Cavina hoje está abandonada, assim como o Reservatório do Morro da Viúva, entre Flamengo e Botafogo,
         Além dos monumentos, o livro traz histórias curiosas e divertidas, como o primeiro acidente de automóvel da cidade, provocado pelo poeta Olavo Bilac, que bateu numa árvore com o carro do abolicionista José do Patrocínio. Outro caso que mereceu destaque no livro é o de Bárbara dos Prazeres, que morava perto do Arco do Teles, na atual Praça XV, e que, segundo reza a lenda, utilizava métodos bem sinistros em seus rituais. A história também, esta bem real, do assassinato da esposa de Fernando Carneiro Leão, amante de Carlota Joaquina, a mandante do crime, mostra como as relações de poder muitas vezes atropelaram os trâmites judiciais.
         Já a lenda da Pedra da Gávea, de que o suposto rosto que aparece na formação rochosa, seria de um monarca fenício, gera até hoje argumentos bem curiosos, até porque as inscrições que aparecem numa parte da rocha até hoje não foram bem explicadas.
“Sabe-se que nem todo brasileiro é apaixonado por carro, mas José do Patrocínio o era, até porque o seu era o único da cidade. E sua desolação foi imensa, pois seu carro foi a primeira “perda total” do trânsito no Rio. Quem não ficou triste, com certeza, foi o povo carioca, ao pensar que ao invés de um tronco de árvore poderia existir um pedestre no meio do caminho”.
Trecho de “No meio do caminho tinha uma árvore”.
Fragmentos do Rio Antigo (Edital)
         André Luis Mansur e Ronaldo Morais         
         Edital
         80 páginas
         R$ 29,99
        

2.17.2013

A ARTE DE LER JORNAL NA BANCA


Nunca passei por uma banca com jornais expostos que não tivesse alguém olhando. Geralmente há mais de um e por isso é preciso tomar cuidado para não ficar na frente de ninguém, principalmente se você for alto ou gordo. Caso haja muita gente, aguarde a vez para chegar perto, pois a leitura de jornal em banca não costuma levar muito tempo. O ideal é ficar numa posição em diagonal, pois é possível ler todos os jornais sem atrapalhar ninguém. É bom tomar cuidado também com a carteira, pois de vez em quando, infelizmente, aparece um ou outro que não está ali apenas com a intenção de se informar.

A leitura em banca de jornal, na verdade, é bastante limitada, pois só permite que se veja a primeira página, a chamada “página das manchetes”. Como antigamente muita gente abusava e folheava os jornais, os donos das bancas acabaram grampeando os jornais.

O leitor de bancas de jornal, embora não possa se aprofundar nas notícias (a não ser que, claro, compre o jornal) adquire, com este ofício, uma espécie de “apanhado geral” dos principais assuntos do momento. Isto é muito útil, por exemplo, em relações sociais e profissionais.

Uma figura inconveniente, no entanto, nestes ambientes, é o comentarista, que, como o próprio nome diz, se especializa em comentar as notícias com alguém. Geralmente é uma crítica em tom raivoso e que acaba atrapalhando a leitura dos outros, que para ser eficiente precisa ser dinâmica e silenciosa. Embora seja difícil identificar o comentarista, a recomendação, quando ele começar a resmungar, é procurar se manter concentrado na leitura, de preferência firmando um pouco os olhos e aproximando o rosto do jornal. Geralmente ele desiste. Há também outra figura inconveniente, que é a do egoísta, o sujeito que fica na frente dos jornais e não deixa ninguém ler, principalmente se ele for alto e gordo. Fumantes também provocam grande incômodo.

Os dias de maior movimento em torno das bancas de jornal são as segundas-feiras, por causa dos resultados do futebol de domingo, e também os dias seguintes a algum fato marcante. Embora muita gente acredite que este hábito seja prejudicial aos jornaleiros, o resultado é exatamente o contrário. Vá lá que a grande maioria apenas lê o jornal na banca e vai embora, mas muita gente acaba comprando o jornal, interessado no que viu nas manchetes. O que não se deve jamais fazer é pedir ao dono da banca para “dar uma olhadinha” num jornal porque viu algo interessante lá fora. Aí já é abuso.

Hoje, quando muitos jornais estão disponíveis na internet, acontece também de a pessoa olhar na banca algo que a interesse e ler a matéria inteira na versão online, o que é bastante prejudicial ao dono da banca, que precisa encontrar formas de se adaptar às novas tecnologias.