11.30.2016

Entrevista

Entrevista dada a Juliana Fiúza, da página Papo de Guia

André Luis Mansur é jornalista e escritor, Trabalhou no Jornal do Brasil, O Globo, Tribuna da Imprensa, além de ser o autor de preciosos livros sobre o Rio, como o “O Velho Oeste Carioca” “Marechal Hermes – a história de um bairro” e “A Invasão Francesa do Brasil: o corsário Du Clerc ataca o Rio por Guaratiba”. 
Quem veio primeiro? O jornalista ou o escritor?
André- Quem veio primeiro foi o curso de jornalismo, na Escola de Comunicação da UFRJ, a Eco, mas foi lá mesmo que me interessei em me tornar escritor. Até então nunca havia pensado nisso

Você é morador da Zona Oeste, foi isso que lhe motivou a escrever os livros “Velho Oeste Carioca” ?
André- Sim, eu moro em Campo Grande e, no final dos anos 90, eu trabalhava em duas enciclopédias no jornal O Globo, “O Globo 2000” e “Brasil 500 anos”, e foi ali que me interessei em trabalhar com pesquisa histórica. Na época, muitos livros foram lançados sobre a História do Brasil e do Rio de Janeiro, mas nada sobre os subúrbios e a zona oeste, daí achei que essa lacuna tinha que ser preenchida.

Como foi o processo de pesquisa e criação dos outros volumes?
André – Fiz muita pesquisa em instituições como a Biblioteca Nacional, Biblioteca do CCBB, Arquivo Nacional, material acadêmico, jornais e revistas antigos, conversas com moradores etc. A internet também ajudou muito, pois hoje muitas fontes primárias estão digitalizadas e disponíveis online.

Você acha que há um certo abandono da rica história da Zona Oeste por parte dos seus moradores? Se sim, isso também lhe motivou a escrever os livros?
André- Eu acho que já foi pior, hoje vejo que já há um interesse maior, muita gente atuando em prol da memória da região, lutando por seu patrimônio, convidando estudantes para visitarem os pontos históricos etc. Vejo um interesse muito grande pelos meus livros na região, esse é o melhor retorno que eu poderia ter.

Você escreveu um artigo sobre o hábito de flanar pelo Rio que está voltando ao cotidiano carioca, mesmo sem ele saber que esse ato possui um verbo que o defina e que já era usual nos séculos passados, e habilmente retrata a importância que esse hábito tinha na vida dos grandes escritores como João do Rio, Lima Barreto e Machado de Assis. E  você, também possui esse hábito?
André –  Tenho sim, sempre tive, sempre gostei muito de andar pelas ruas da cidade e observar tudo em volta. E isso bem antes de conhecer a obra de Lima Barreto, João do Rio e Machado de Assis, três escritores que conseguiram muito material para seus livros com esse saudável hábito de flanar pela cidade. 

Os seus livros trazem curiosidades marcantes e pouco difundidas, principalmente no ensino regular. Diria que seus livros tratam de uma parte da história considerada politicamente incorreta?
André – Eu acho que meus livros abordam aspectos da História que não são muito explorados nas escolas porque a História regional, a História dos bairros, ainda não tem um espaço generoso nas salas de aula, o que é uma pena, pois o aluno conhecer o passado do local onde ele mora poderia ser um aliado importante para que ele se sentisse identificado com o seu espaço.

De todos os livros escritos, qual é o seu favorito?
André – Eu acho que é o volume I do Velho Oeste Carioca, foi o que abriu muitas portas para mim. 

Como é o seu cotidiano? Você costuma ler muito e quais livros não podem faltar na prateleira de um amante da história da cidade do Rio de Janeiro?
André – Procuro ler e escrever bastante, todos os dias, sempre que possível. Há autores imprescindíveis para quem quer estudar a História da cidade, como Noronha Santos, Monsenhor Pizarro, Moreira de Azevedo, Joaquim Verissimo Serrão, Luiz Edmundo e Brasil Gerson. Estes são os antigos, entre os atuais temos alguns a destacar, como o Ruy Castro, o Nireu Cavalcanti e o arqueólogo Cláudio Prado de Mello. Temos também muitos sites e blogs importantes sobre a História do Rio, como o de Ivo Korytowski, Literatura e Rio de Janeiro.

Como o carioca poderia resgatar esse amor pela sua história? Qual seria a importância em ter um carioca que valorizasse seu passado e que benefícios isso poderia trazer para a sociedade?
André – Lendo muito sobre a História da cidade, comprando meus livros (rs), mas também, e isso vem acontecendo muito, participando de passeios e roteiros históricos pela cidade, como o Guiadas Urbanas, o Pé de Moleque e O Corsário Carioca, este pela Baía de Guanabara e que eu participo sempre com meus livros.

Você escreveu um livro sobre a história do bairro Marechal Hermes, a motivação veio de sua infância no bairro? Quais as lembranças mais marcantes que o senhor tem?
André – Sim, morei em Marechal até os 21 anos e é um bairro que eu amo muito. Procurei mesclar memórias pessoais com informações históricas, para ficar bem equilibrado. O que recordo muito é a tranquilidade do bairro, as ruas largas, os sobrados e uma época em que minha família era grande e morava todo mundo perto. 

Desde pequeno já possuía o amor pela história de onde você morava, ou isso veio com o passar dos anos?
André – Eu sempre fui um aluno muito bom em História, mas nunca havia me interessado pela História do Rio, isso só veio mesmo já depois dos 20 e poucos anos. Eu era para ter feito História na faculdade, mas meu irmão já era jornalista e eu fiquei empolgado em seguir a profissão. Não me arrependo não, o jornalismo me ajudou a ter um texto bem enxuto e a lidar com uma grande quantidade de informações.

Você acredita que os passeios turísticos por pontos históricos podem incentivar a população a ter uma consciência sobre seu passado histórico e passar a valorizá-lo?
André – Sim, com certeza, e isso já vem acontecendo muito, em roteiros como os que eu citei na resposta da pergunta 9 e também naqueles organizados individualmente, como os passeios do professor Milton Teixeira.

Para finalizar, não deixando de agradecer o prazer desta entrevista, gostaria de comentar ou acrescentar algo sobre seus projetos atuais ou futuros?
André – Gostaria de falar um pouco sobre Ronaldo Morais, o pesquisador que eu conheci em 2009 e com quem fiz três livros e ainda temos mais um para lançar ano que vem. Ronaldo faleceu no ano passado e eu procuro sempre citar o nome dele como um grande pesquisador do Rio de Janeiro. Ele fazia um trabalho com um grupo de amigos nos anos 70 e 80 muito interessante, fotografando tudo o que achavam interessante na cidade. Esse acervo está sendo espalhado pelos nossos livros. Fica aqui a homenagem a ele.

A lista completa de sua obra literária:
  • O Velho Oeste Carioca (Vol. I)
  • O Velho Oeste Carioca (Vol. II)
  • O Velho Oeste Carioca (Vol. III)
  • Marechal Hermes – a história de um bairro
  • O Peão Poeta
  • Fragmentos do Rio Antigo
  • Violência no Rio Antigo
  • A Invasão Francesa do Brasil – o corsário Du Clerc ataca o Rio de Janeiro por Guaratiba
  • A rebelião dos sinais
  • Manual do Serrote

11.23.2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMÉRCIO DE LIVROS



Outro dia um autor me perguntou por que os escritores ganhavam apenas 10% do valor do livro. Como, além de autor, trabalhei em livraria, fui editor, imprimo e distribuo meus livros, além de ter escrito críticas literárias em grandes jornais cariocas e ainda atuar como jornalista no meio literário, dei a pequena explicação que se segue. Espero que ajude a entender como funciona o mercado livreiro.

As livrarias ficam com 40% a 50% do valor dos livros (mais à frente vou explicar o porquê dessa porcentagem). Ou seja, sobram de 50% a 60% para ser repartidos entre o autor, o editor, o distribuidor e a gráfica. Se for uma editora grande, que consiga fazer boas tiragens, no caso, pelo menos uns 3 mil livros por título, dá para conseguir um preço melhor, já que, quanto mais livros você faz, mais cai o valor dele na gráfica. Mas a maior parte do mercado editorial brasileiro é formado por editoras pequenas, que muitas vezes fazem apenas 100, 300 ou 500 livros no máximo, e aí nem sempre o livro sai com um bom preço. No caso de grandes editoras, muitas têm a própria gráfica, o que facilita um pouco mais.

O distribuidor fica com 5%, ou mais um pouco, se o livro for distribuído em outras cidades e estados. Algumas editoras grandes costumam ter sua própria distribuidora, o que também facilita bastante. Na maioria das vezes, no entanto, se os livros forem distribuídos apenas na cidade onde for lançado, o próprio editor é quem o distribui. De qualquer forma, não deixa de ter o custo do transporte.

Após os custos da livraria, da distribuição e da gráfica, o que sobra fica entre o autor e o editor. O que vi muitas vezes é que o que sobra para o editor é um valor perto do que sobra para o autor, 10%, ou um pouco mais. Quando o livro recebe algum tipo de patrocínio, geralmente através de leis de isenção fiscal, aí o editor consegue um ganho um pouco maior, mas nem sempre é fácil trabalhar assim, pois o projeto precisa ser aprovado e é preciso captar recursos. Na maioria das vezes são livros feitos com os custos da própria editora.

Muitos podem perguntar: por que as livrarias ficam com a maior parte do bolo? Bem, as livrarias têm um espaço físico. Se for próprio, tem que pagar o IPTU, que geralmente não é baratinho, mas na maioria das vezes é um espaço alugado, e o aluguel comercial no Brasil, principalmente de alguns anos pra cá, teve um aumento absurdo. Aí também são incluídas despesas como conta de luz (que também é altíssima), contas d´água, vários impostos e taxas, funcionários e seguro da loja e dos livros. Qualquer dano ao livro, seja um simples amassado, já o deixa imprestável para venda e quem paga o prejuízo é o livreiro. Fora os roubos de livros, que acontecem com frequência.

O mercado dos livros eletrônicos (e-books) ainda é muito pequeno no Brasil, mas quase todos os livros hoje também são lançados nesta versão, o que elimina os custos de gráfica e distribuição, além de poupar muitas árvores. Neste caso, as livrarias não são totalmente excluídas do processo, pois as livrarias também vendem e divulgam e-books em seus sites.

O Brasil tem muito poucas livrarias, geralmente concentradas na área central das capitais. Já fui a cidades até de meio porte em que não se via uma livraria, no máximo uma papelaria que vende livros, na maioria didáticos e best-sellers. Aqui no Rio, distribuo meus livros nas livrarias na área central da cidade, mas onde moro, na zona oeste, há pouquíssimas livrarias. Daí pensei: por que não botar nas bancas de jornais? As bancas são pequenas livrarias, pois todas elas recebem livros para vender. É claro que depende do interesse do dono da banca. Os que veem o livro como algo importante os colocam na entrada da banca, em locais privilegiados. Já os que não se interessam, deixam bem no fundo, às vezes nem tiram da caixa. Posso dizer que as bancas que vendem meus livros sempre me dão um bom retorno, tanto de vendas quanto de divulgação. Outros locais onde vendo e divulgo meus livros são bares e restaurantes, novamente ressaltando que só em lugares onde os donos se interessam por livros, pois são eles que fazem a propaganda. E aí pergunto: se o dono de uma loja de roupas quiser botar o seu livro no balcão para divulgar, ou mesmo vender, qual o problema? O importante é fazer o livro chegar a todos os lugares.

Eventos também são sempre bem-vindos para divulgar o livro, não apenas literários, mas desde o aniversário de um bairro até uma feira comercial, contanto que deem um espaço para você, não há problema. No meu caso, que tenho muitos livros sobre a História da cidade, frequento muitos roteiros históricos, como os do grupo Pé de Moleque e os do Corsário Carioca, pela Baía de Guanabara.

Espero que esta pequena explicação sobre como funciona a comercialização dos livros tenha ajudado, assim como também as dicas de distribuição e divulgação, principalmente para autores que estão começando. Em um país onde o número de leitores, em relação ao tamanho da sua população, ainda é muito pequeno, o fundamental é fazer o livro circular, seja comercialmente, seja gratuitamente, como faço com os atentados literários nos bancos dos trens da Central do Brasil.








10.27.2016

CRÔNICA DO TREM

A vendedora entra no trem contando, meio revoltada, bem alto, que o sujeito pegou a sua pá emprestada e devolveu com outro cabo. "E ainda queria me cobrar dez reais, o desgraçado! Troca o cabo novinho da minha pá! Meu marido foi se meter e eu disse: não se mete não que o trato foi comigo!" Diante dos risos gerais, ela também começou a botar mais humor na história e ainda disse, apesar do forte sotaque nordestino, que era carioca. O vendedor que vinha atrás completou: "Ela é carioca da clara, da clara!" Depois, quando ela já estava mais na frente, ele ainda falou: "Ó, cuidado que eu chamo ela. Ela é braba. O marido dela que sabe!" Apesar da descontração que tomou conta do recinto, ficamos sem saber se o tal sujeito levou uma pazada na cabeça, com cabo trocado ou não.

10.25.2016

ESPECIARIAS: O TEMPERO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES


  Na origem das grandes navegações portuguesas, estava a busca pelas especiarias, temperos e condimentos como pimenta-do-reino, açafrão, cravo-da-índia, canela, gengibre, noz-moscada e muitos outros. Seu comércio era controlado no Mar Mediterrâneo por reinos como Gênova e Veneza, que os compravam de comerciantes árabes. A partir de 1453, com a conquista de Constantinopla pelos turco-otomanos, esse comércio ficou ainda mais restrito.

Qual a importância das especiarias? Numa época em que não havia eletricidade, ou seja, não dava para armazenar comida em geladeiras ou freezers, as especiarias conservavam os alimentos, não com tanta eficiência, é verdade, mas pelo menos disfarçava a rápida degradação da carne, por exemplo. Também eram muito usadas na medicina, em perfumes etc. Boa parte delas vinha da Índia, mas como o caminho até lá estava bloqueado, a saída para Portugal seria contornar a África, como venho contando aqui em outras colunas. No caso da Espanha, o caminho foi seguir para o ocidente, como o fez Cristóvão Colombo, que era genovês.

A pimenta-do-reino existia em abundância na Índia, seus grãos são secos e moídos e o sabor picante característico tem como origem a substância piperina. O cravo-da-Índia, apesar do nome, é originário das Ilhas Molucas, na Indonésia (também conhecidas como ilhas da especiarias). Muito usado como aroma nos alimentos e também para fins medicinais, na China ele era aplicado também como antisséptico bucal. É extraído dos botões de uma flor muito perfumada e estava, junto com a noz-moscada, entre as mais caras especiarias. A canela é nativa do Sri Lanka, na Ásia, antigo Ceilão, é uma árvore que tem as cascas processadas por um método de ressecamento. A noz-moscada também era encontrada nas Molucas, mais precisamente na ilha Banda, onde o português Afonso de Albuquerque chegou, em 1512, um ano após ter conquistado Malaca, então o centro do comércio asiático. O gengibre, que também tem um sabor picante, é originário da ilha de Java, da China e da Índia, e já era usado havia muitos séculos para problemas de garganta. O açafrão é uma pequena flor lilás, que serve para colorir tecidos de um amarelo vivo e também proporcionar um belo aroma aos alimentos. É preciso colher 50 mil flores para se conseguir um quilo de açafrão. "Por isso, desde que é conhecido, há mais de 5 mil anos, o açafrão tem sido a especiaria mais cara do mundo. Hoje é cultivado na Índia, no Irã e na Espanha". ("A magia das especiarias", de Janaína Amado e Luiz Carlos Figueiredo).

Estas são apenas algumas das especiarias. Por elas, os portugueses enfrentaram batalhas, principalmente na Índia, e abarrotaram seus navios com os famosos temperos e condimentos, estabelecendo uma linha de navegação comercial que iria prosperar muito, embora houvesse contratempos, como a criação da Companhia das Índias Orientais pelos holandeses, que disputou com os portugueses o rendoso comércio, além dos constantes ataques de piratas e corsários.
Muitas destas especiarias foram descobertas pelos europeus alguns séculos antes, durante as cruzadas, as guerras contra os muçulmanos pela reconquista da chamada terra santa, entre os séculos XI e XIII. Portanto, quando você estiver usando alguns desses temperos e condimentos, hoje acessíveis em qualquer lugar, saiba que eles foram motivos de guerras e conflitos, mas também acabaram impulsionando o contato entre povos muito distintos e também o desenvolvimento da navegação em alto-mar.

10.24.2016

O NOME DA RUA

A pequena história que vou contar é ficcional, mas acho que representa bem o que acontece quando alguém vai dar uma informação sobre a localização de uma rua no subúrbio carioca, região que conheço bem. 
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É aniversário da mãe do amigo de Carlinhos, em um bairro do subúrbio carioca. Eles moravam perto da casa de Carlinhos, também no subúrbio, mas se mudaram. É a primeira vez que Carlinhos vai lá, por isso, pelo telefone, Marli, mãe do seu amigo, tenta explicar a Carlinhos como chegar. Ele a chama, carinhosamente, de tia.

- Quando o ônibus entrar na rua do supermercado, você vai descer dois pontos depois, onde tem uma vidraçaria, a vidraçaria do Alcides. Ela vai tá fechada porque é domingo, mas tem uma placa grande, não tem erro.

- Tá, tia, mas...

- Aí você entra na rua do lado, de paralelepípedo. Vai passar o depósito de gás, a padaria do seu Alberto e vai entrar na segunda rua à esquerda, onde tem um sacolão que vai tá aberto.

- Mas, tia, eu...

- Entra nessa rua, tem uma pracinha, no final dela...

- Não, tia, desculpe interromper, é só me dar o endereço que eu vejo no google maps.

- Ver aonde?

- No google. Na internet. É fácil.

- Ah, meu filho, olha, vai por mim, anota isso aí que eu te falei que é mais fácil. Tá anotando?

     Carlinhos, resignado, diz que tá anotando tudo. Depois de mais algumas referências, que incluem a oficina do seu Germano e o brechó da Solange, Marli conclui:

- Virou a esquina, é a terceira casa, do lado direito da calçada. Portão verde. Tá meio descascado, mas a gente vai pintar, não repara não.

- Que isso, tia, claro que não. Tá tudo anotado, me dá só o nome da rua, tia, vai que eu me perca, eu sou meio atolado, eu sempre gosto de saber o nome da rua. (Carlinhos faz mais uma tentativa)

- Rua? Ah, tá. É a rua B.

- Rua B? Mas não tem nome não, tia?

- Ih, meu filho, peraí, a gente tá morando há pouco tempo e só chamam de rua B. Peraí.

     Passam-se alguns segundos...

- Pronto, meu filho, anota aí: é Carlos Delgado de Carvalho. Nome bonito, não?

- Sim, tia, muito bonito.

     Eles se despedem e Carlinhos já joga o nome no google maps, usa street view e já planeja todo o caminho que vai fazer. No domingo, ao chegar, sem problemas, à casa dos amigos, Marli pergunta:

- Não foi fácil, meu filho?

- Muito fácil, tia, muito fácil, com a explicação da senhora, foi bem tranquilo.

     E Marli dá um sorriso de satisfação. Carlinhos,instintivamente, passa a mão no bolso, onde está o celular.
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Bem, não sei se acontece assim com todo mundo, mas posso garantir: em qualquer explicação de localização de rua no subúrbio carioca, sempre vai ter um depósito de gás como referência, é de lei!







10.18.2016

CRÔNICA DA PROVÍNCIA

          O homem que vende bolos e doces passa religiosamente às quatro da tarde e logo os cachorros das redondezas começam a soltar um sonoro lamento estimulado pela estridente buzina que o sujeito toca sem parar. Duas horas depois é a vez do pipoqueiro, com um sinal sonoro que não atrapalha nem animais nem seres humanos. E, pelo que parece, faz mais sucesso com a criançada do que o outro vendedor.
          De hora em hora toca o sino da igreja e eu, como não gosto de relógios, já me acostumei a me orientar por ele, que não é tocado mais por sineiros pendurados em suas cordas, mas sim por um programa de computador, bem mais fiel, pois não cochila na hora H. Quem também segue a hora certa é o vassoureeeeeiro, que não tem dia certo, mas sempre que passa, é sempre ao meio-dia, estando ou não aquele calorão de 50 graus.
          Passam também vendedores de tapetes e cadeiras, verdureiros e vendedores de aipim, entregadores de panfletos do mercadinho ou do sacolão, carros de som (alguns altíssimos), religiosas querendo conversar sobre "a palavra de Deus", ciclistas e charretes. Circulam, ainda, expressões vetustas "do tempo do ronca", como a que ouvi outro dia, por incrível que pareça, entre meninas de no máximo 12 anos, que falaram, em meio a uma ruidosa brincadeira de rua: "quem foi à roça perdeu a carroça"!.
          Perto de onde as meninas brincam fica o Moisés, um vira-lata esperto adotado por uma família e que adorar correr atrás de ciclistas e transeuntes (outra palavra vetusta). Correu atrás de mim, quando eu pedalava, por duas vezes, até que na terceira parei a bicicleta, ele veio, meio ressabiado, comecei a coçar seu pescoço e o peito e agora, toda vez que passo, vem pulando pra cima de mim - às vezes com um certo exagero. Até uma das meninas brincalhonas comentou: "ih, alá, o Moisés gostou do moço"! Pelo visto, deve ser raro isso.
          Sobre os vira-latas, já fui algumas vezes, chegando em casa de madrugada, conduzido por eles, que olhavam para os lados, vendo se não havia inimigos, anjos da guarda caninos, que se mandavam ao me verem abrir o portão, provavelmente em busca de outro andarilho da noite. Já nas andanças da manhã era constantemente surpreendido por cumprimentos, bons dias de pessoas que nunca vi na vida, e que, nesses tempos de falta de gentileza (que geram mais falta de gentileza, o oposto do que falava o profeta), causam logo espanto. Passei a adotar o mesmo expediente e, mesmo para aqueles que não respondem ou soltam  apenas um muxoxo (mais uma palavra vetusta, juro que é a última), continuo dando bom dia. Afinal, não custa nada ser gentil.

10.13.2016

PATRÍCIO, O BURRO PENSIONISTA

Há diversas histórias curiosas sobre a passagem de D.João por Santa Cruz. Uma delas se refere ao carrapato, ou melhor, ao “desalmado carrapato”, que, segundo Noronha Santos (“Meios de transporte no Rio de Janeiro” – vol. 1) “se agarrava a uma das reais pernas. Retirou-o d. João, precipitadamente e, com tal imprudência o fez, que a escoriação se transformou em ferida ulcerosa, dando cuidados aos médicos e cirurgiões da Corte”. Sem poder andar, o príncipe-regente passou a usar a cadeirinha para se locomover na fazenda, levada por 12 escravos, que costumavam cantar à chegada de D. João na antiga propriedade dos jesuítas: “Nosso Sinhõ chegô, cativeiro já acabô”. Ainda segundo o autor, “d. João, sem o querer, e o carrapato dos pastos de Santa Cruz intensificaram o uso das cadeirinhas na cidade, que, no limiar do século, eram utilizadas só por particulares”.
Uma outra história envolvendo as temporadas em Santa Cruz refere-se a um burro de estimação do príncipe-regente, trazido de Lisboa na comitiva real. Este burro, de nome Patrício, foi levado por D.João para Santa Cruz, onde passaria a residir, recebendo uma pensão para suas “despesas diárias”. D. João não deixava que perturbassem Patrício e chegou a repreender severamente um funcionário da fazenda que chicoteou Patrício, que assim podia invadir terrenos alheios sem ser incomodado.
Já Benedito Freitas, autor de uma coleção de três volumes sobre a história da fazenda (“Santa Cruz – Fazenda Jesuítica, Real, Imperial”) reúne tanto detalhes sobre o trabalho administrativo da fazenda como aspectos bastante curiosos. Um deles diz respeito ao espírito zombeteiro do carioca, que já se manifestava mesmo num local tão distante do centro. Como já foi bastante divulgado, à chegada dos 15 mil portugueses da comitiva de D.João, boa parte deles fidalgos, as melhores casas do Rio de Janeiro recebiam na porta a inscrição P.R., significando Príncipe Real e indicando um prazo para os moradores saírem daquela casa e cederem seu lugar ao nobre português, que não poderia ficar sem uma habitação digna de sua posição. Logo, o povo começou a divulgar outro significado para aquela inscrição, bem mais objetiva e sarcástica: “Ponha-se na rua”!
Foto de 1984, tirada por Ronaldo Morais, do Batalhão de Engenharia Militar Villagran Cabrita, antiga sede da Fazenda de Santa Cruz.


A CONQUISTA DA ÁFRICA

Foi pelo litoral da África que Portugal colocou em prática todo o desenvolvimento tecnológico da navegação marítima que acontecia em seu pequeno reino. A cada nova conquista, observações e correções eram feitas, tudo contribuindo para o grande objetivo, a navegação em alto mar, colocar as caravelas além do horizonte, sem nenhum litoral por perto, nenhum acidente geográfico de referência aos marinheiros, que iriam contar apenas com bússolas, astrolábios, quadrantes e outros equipamentos que já existiam, mas foram aprimorados pelos cientistas que chegaram ao reino e fizeram parte do círculo de especialistas reunidos em torno de Henrique de Sagres.
Era também a busca pelo tão sonhado caminho para as Índias sem precisar passar pelo Mar Mediterrâneo, em busca das tão sonhadas especiarias, contornando o sul da África e atravessando o Cabo das Tormentas, onde tantos naufragaram. A cada nova descoberta, Portugal também já experimentava o modelo econômico que iria usar nas suas colônias, a monocultura voltada para a exportação e a triste página da escravidão dos negros africanos, vendidos aos portugueses (ou trocados) pelos chefes das tribos das quais eram prisioneiros, embora houvesse também o aprisionamento de homens livres, missão realizada pelos próprios portugueses, como aconteceu em 1441 na navegação comandada por Antão Gonçalves, que aprisionou homens livres ao norte do Senegal, que mais tarde seria uma colônia francesa.
O primeiro objetivo seria atravessar o Cabo Bojador, a parte mais ao sul que os portugueses conheciam, embora faça parte do norte da África.
E assim os marinheiros portugueses foram descendo o Oceano Atlântico, na seguinte ordem: Ceuta (1415), Ilha da Madeira (1418), Arquipélago dos Açores (1427), Cabo Bojador (1434, com o comandante Gil Eanes), Ilha de Arguim (1444, onde seria iniciado o sistema de feitorias, fortificações onde era realizado o tráfico de escravos e as negociações em torno de diversas mercadorias), Cabo Verde (1444), Senegal (1450), Ilhas de Cabo Verde (1456), Serra Leoa (1460), Benin (1472), Cabo Santa Catarina (1474), Congo (1483). Assim, todo o litoral africano foi esquadrinhado e explorado por Portugal, amparado pelas bulas papais de Alexandre VI, e que teria seu maior símbolo no Castelo da Mina, em São Jorge da Mina, na Guiné, uma poderosa feitoria que seria o principal núcleo comercial da empreitada portuguesa na África.
Faltava agora apenas o Cabo das Tormentas, o grande desafio. Ultrapassado ele, o caminho para o Oceano Índico e o litoral oriental da África, totalmente desconhecido para os portugueses, estaria aberto. Para realizar esta dificílima missão, seria convocado um comandante para lá de experiente: Bartolomeu Dias.


10.05.2016

AS CARAVELAS E O INÍCIO DA EXPANSÃO MARÍTIMA

Como foi dito na coluna anterior, Portugal desenvolveu de forma impressionante as técnicas de navegação do século XV em diante, existindo ou não a Escola de Sagres, que é um ponto polêmico até hoje entre os historiadores.

De qualquer forma, uma grande quantidade de cientistas aportou no pequeno reino ibérico naquela época, muitos deles judeus perseguidos pela Inquisição espanhola. Assim, instrumentos antigos, como o astrolábio, a bússola e o quadrante foram aperfeiçoados, entre outros desenvolvimentos, mas foi a invenção da caravela o ápice de toda essa "tempestade de ideias", uma embarcação ideal para a conquista do "mar oceano".

As caravelas eram velozes, tinham de 20 a 30 metros de comprimento e de seis a oito metros de largura. Usava as velas latinas, triangulares, que permitiam, em ziguezague, navegar até com ventos contrários. Por serem mais versáteis, podiam entrar em rios e canais, contornar bancos de areia etc. O casco era bem esguio e comprido, o que permitia manobras rápidas, mas as caravelas não podiam armazenar muitas cargas. À beira do rio Tejo, Portugal acabou se transformando em um grande estaleiro, com milhares de homens trabalhando na construção das novas embarcações. Era a preparação para as grandes navegações.

Para o casco das caravelas, eram empregadas madeiras como pinho e carvalho. Já para calafetar o casco, ou seja, impedir que a água entrasse por alguma fresta, eram usados breu, estopa, resina, alcatrão, cânhamo, entre outros materiais. Para os mastros, era usado, de preferência, pinho do norte da Europa, e as velas eram feitas de lona ou linho, sem contar a grande quantidade de metais, fundidos em vários lugares. Sem dúvida, um grande e caro empreendimento, resultado da vontade política e interesses econômicos do reino e de companhias que se formaram com grande capital.
O principal objetivo era conseguir o caminho marítimo para as Índias contornando a África e, aí sim, obter as tão sonhadas especiarias. Para isso, no entanto, foi preciso avançar, passo a passo, por todo o litoral africano, um trabalho que durou o século inteiro e será tema da próxima coluna.

OLHOS NOS OLHOS

Seria interessante se houvesse um máquina que transportasse as pessoas que discutem política no facebook para uma discussão frente a frente, "olhos nos olhos", como na música do Chico. Poderia ser numa mesa de bar, por exemplo. E aí talvez rolasse um papo assim:
- E aí? Beleza?
- Tudo bem? E você?
- Tudo ótimo. Mas que negócio é esse de me chamar de burro?!
- Eu?! Te chamar de burro?!
- Sim! Já esqueceu?! Lá no face! E ainda disse que sou neonazista e tinha que voltar pro útero da minha mãe!
- Que isso? Não pode ter sido!
- Foi você sim! Era o seu nome! Pensei que fôssemos amigos!
- Claro que somos amigos! Alguém deve ter pego a minha senha.
- Sei...
- Claro, cara. Tu acha que eu ia falar assim contigo? Eu nem gosto de discutir política. Prefiro falar amenidades.
- Então, beleza. Vamos conversar sobre o quê?
- Ah, acho que vai chover hoje.
- Não, hoje deu tempo bom.
- Não, cara, vai chover! Eu vi!
- Eu também vi! Vai ser tempo bom!
- Pô, mas você é...um grande amigo, isso sim! Arnaldo, sai uma gelada aí! O seu é copo pequeno, né?
- Sim, sempre.
- Pô, tu é muito parceiro, cara. Amigão mesmo!
- Você também!
E os dois brindam quando a cerveja chega, celebrando uma sólida amizade. Pelo menos até a próxima postagem.

9.30.2016

DE MATADOURO A CENTRO CULTURAL

No antigo jornal "O Grito da Zona Oeste", de maio de 1992, o título "Espaço Cultural de Santa Cruz não sai" se refere ao Palacete Princesa Isabel, antiga Escola Princesa Isabel e que foi sede do matadouro inaugurado em 1881, com a presença do imperador D. Pedro II. A matéria interna tem como título "O engodo permanece" e cobra dos políticos e autoridades a prometida transformação do prédio, bem degradado após um incêndio, em centro cultural em um bairro carente de espaços desse tipo. Hoje, totalmente restaurado, o prédio abriga o Centro Cultural Dr. Antônio Nicolau Jorge e o Noph-Ecomuseu de Santa Cruz, com vasto acervo de pesquisas, exposições permanentes e diversas atividades culturais, tudo o que o jornal reivindicava há mais de 20 anos.
 

Muita gente pode indagar o porquê da presença do imperador D. Pedro II na inauguração de um matadouro, e ainda assim numa região tão distante do centro da cidade. Durante muito tempo a cidade só teve um matadouro, inaugurado em 1774, na praia de Santa Luzia, no centro do Rio, praia que seria depois aterrada. Este matadouro seria transferido em 1853 para o Aterrado de São Cristóvão, na atual Praça da Bandeira. Claro, havia também os clandestinos. Como as normas de higiene eram péssimas, ainda mais perto do centro de poder, foi pensado um novo lugar para o matadouro, mais limpo, higiênico e organizado. E como já existia o transporte ferroviário na cidade, foi escolhido o Campo de São José, que fazia parte da Fazenda de Santa Cruz. E assim foi feito.
 

A pedra fundamental foi lançada em 1876 e a inauguração no dia 30 de dezembro de 1881. A presença do imperador se justificava por ser o matadouro de Santa Cruz a solução para o abastecimento regular de carne para a cidade. Para a população local, o matadouro trouxe vários benefícios. O gerador utilizado, por exemplo, fez com que Santa Cruz fosse o primeiro bairro da região a ter luz elétrica. Foram construídas também duas vilas operárias, cujas construções ainda estão lá, assim como a pequena estação de trem do matadouro, esta bastante degradada.
 

O atual Centro Cultural de Santa Cruz foi construído após a inauguração do matadouro, em estilo neoclássico, tendo ao redor um jardim projetado pelo francês François Marie Glaziou, responsável pelos jardins da Quinta da Boa Vista e do Campo de Santana, entre outros. O palacete funcionou como sede administrativa do matadouro e residência do diretor e dos médicos que trabalhavam lá. E, como sempre ressaltam os diretores do Centro Cultural, Walter e Odalice Priosti, ele nunca foi residência da princesa Isabel, embora ela e seu pai, D. Pedro II, fossem muito a Santa Cruz.


9.26.2016

OS PORTUGUESES E O "MAR OCEANO"

Muita gente já comparou as grandes navegações do passado com as viagens espaciais. Considero uma analogia bem interessante, tal o nível de desenvolvimento de inteligência e tecnologia para se atingir os dois objetivos, sem contar, é claro, uma dose excessiva de coragem, tanto para se atingir o espaço quanto para desbravar o "mar oceano", ou "mar tenebroso", como os portugueses chamavam o Oceano Atlântico e o que se escondia atrás de seu indevassável horizonte.

Falei dos portugueses porque foi este povo que, sufocado entre o restante do continente europeu e o mar, seria o pioneiro das grandes navegações a partir do século XV, o século que veria o nascimento da imprensa, com Gutemberg, em 1454, e o nascimento de gênios como Leonardo da Vinci (1452), Maquiavel (1469), Nicolau Copérnico (1473) e Michelangelo (1475). Como em todos os grandes desenvolvimentos tecnológicos da humanidade, foi muito mais necessidade do que opção.

O estratégico Mar Mediterrâneo era dominado pelos reinos de Gênova, Florença e Veneza, que comercializavam produtos com as caravanas que vinham do oriente, entre eles as cobiçadas especiarias, como canela, noz moscada, erva-doce, pimenta e gengibre. Sua importância? Como na época ainda não havia geladeiras nem freezers, eram essas substâncias que conservavam os alimentos, não por muito tempo, é verdade, mas era o que se tinha. Naquele século, a situação ainda iria piorar após a conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453, que tornaria mais fechado ainda o comércio pelo Mar Mediterrâneo e marcaria o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna e o Renascimento.

Portanto, para o pequeno reino de Portugal, só havia mesmo uma saída: o mar. Mas como se aventurar por aquela imensa massa de água, já que as embarcações eram pequenas e frágeis, e como se orientar em alto mar, sem acidentes geográficos por perto? E ainda circulavam, por todo o continente, histórias de monstros fantásticos que habitavam o oceano desconhecido. Foi aí que a busca pelo conhecimento falou mais alto: na Vila de Sagres, no Algarve, teria sido fundada pelo infante D. Henrique, um dos filhos do rei D. João I, em 1417, a Escola de Sagres, um centro de conhecimento que reuniria cérebros privilegiados, geógrafos, astrônomos, matemáticos, e outras especialidades, para desenvolver técnicas de navegação e orientação em alto mar. Também viriam judeus e muçulmanos, que ali estariam protegidos da temida Inquisição, em troca de seus estudos e conhecimentos. O lema da Escola de Sagres seria uma frase do general romano Pompeu: "Navegar é preciso, viver não é preciso".

 Os verbos das frases anteriores estão todos na forma condicional porque a existência da Escola de Sagres é um ponto bastante polêmico entre os historiadores, muitos dizem que isso é um mito, que não teria existido uma escola formal de desenvolvimento de técnicas de navegação, um tema que já rendeu muitas teses contra e a favor. Mas há, sim, o consenso de que foi em Portugal que os conhecimentos sobre a navegação marítima mais se desenvolveram naquela época, seja em Sagres ou em qualquer outro ponto do reino, e abriram caminho para as grandes navegações, primeiro pela costa da África, e depois pelo "mar oceano".

9.19.2016

FAZENDA DE SANTA CRUZ: A JOIA DA COROA


A região de Santa Cruz abrigou, do final do século XVI em diante, uma das maiores fazendas do l. No seu auge, ela chegou a atingir a cidade de Vassouras, sendo chamada, durante muito tempo, de "a joia da Coroa". Foi a principal fornecedora de gêneros alimentícios da cidade do Rio de Janeiro, cuja produção era embarcada na Baía de Sepetiba até chegar ao centro do Rio de Janeiro. Os caminhos por terra eram muito precários e até a chegada do trem, na segunda metade do século XIX, o melhor transporte pela cidade era através dos rios (naquela época, bem navegáveis, diferentes do valões de hoje em dia).

A região onde seria instalada a fazenda fazia parte da sesmaria doada a Cristóvão Monteiro, em 1567, em agradecimento por ele ter lutado contra franceses e seus aliados, os índios tupinambás (também chamados de tamoios, ´os avós, os mais antigos´), na conquista da cidade do Rio de Janeiro, dois anos antes. Sesmaria é uma palavra de origem latina que significa ´seximus´, o sexto, já que, em sua origem, era uma terra dividida entre seis pessoas. Assim, o reino português doava uma grande porção de terra a quem achasse merecedor dela, com a condição de que fosse ocupada e explorada economicamente, caso contrário, teria que ser devolvida. A de Cristóvão Monteiro abrangia boa parte da região de Guaratiba.

Após a morte de Cristóvão Monteiro, sua viúva, Marquesa Ferreira, já bastante doente, doaria, em 1589, metade das terras do casal aos jesuítas, como foi desejo de seu marido. A outra metade seria doada no ano seguinte, após a morte de Marquesa, pela filha do casal, Catarina Monteiro, e o marido, José Adorno, em troca de terras em Bertioga, São Paulo. E assim começava a história da poderosa Fazenda de Santa Cruz, que iria ampliando seus limites através da compra, ou doação, de mais terras, como em 1616, quando os jesuítas compraram terras dos herdeiros de Manuel Veloso Espinha.
Como era uma região constantemente alagada, os jesuítas teriam muito trabalho de drenagem e irrigação pela frente (alguns padres chegaram a estudar técnicas modernas na Holanda), trabalho feito pelos escravos africanos, que já começavam a ser trazidos a força em grande quantidade no final daquele século. Entre as obras realizadas, estão os canais do São Francisco, do Guandu e do Itá, e as pontes que funcionavam como represas também, entre elas a Ponte dos Jesuítas, tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, construída em 1752 e um dos mais representativos símbolos da arquitetura jesuítica no Rio de Janeiro.

* Ilustração: pintura de Debret sobre a sede da fazenda (1817).

9.13.2016

O FRANCÊS QUE SAQUEOU O RIO

Por André Luis Mansur

Se o francês Jean François Du Clerc, com cerca de mil corsários, não conseguiu conquistar o Rio de Janeiro, em setembro de 1710, e ainda acabaria assassinado na prisão, um ano depois a situação seria bem diferente.Outro corsário francês, René Duguay-Trouin, chegava à cidade com 17 navios (na verdade foram 18, pois no caminho os franceses obrigaram a tripulação de um navio inglês a seguir com eles) e cerca de 4 mil corsários. Duguay-Trouin rompeu as defesas da Baía de Guanabara e invadiu o Rio, apoiado por uma forte neblina, no dia 12 de setembro de 1711, há 305 anos.

Apesar do bombardeio das fortalezas e navios de guerra portugueses, os franceses foram avançando até se estabelecerem na Ilha das Cobras (exatamente em frente ao atual Boulevard Olímpico), de onde partiriam para conquistar a cidade. "No dia 14 de setembro já estavam em terra todas as nossas tropas, num total de dois mil e duzentos soldados, e entre setecentos e oitocentos marinheiros, armados e experimentados, o que perfazia, incluídos os oficiais, guardas-marinha e voluntários, uma tropa de cerca de três mil e trezentos homens. Além disso, tínhamos ainda quase quinhentos homens atacados por escorbuto, os quais desembarcaram junto com os outros, e ao cabo de quatro ou cinco dias já estavam em condições de ser incorporados ao resto das tropas". ("Memórias do Senhor Duguay-Trouin", São Paulo, Imprensa Oficial-Editora UnB, 2003).

Após alguns dias de intensa batalha, a tropa portuguesa e os moradores da cidade a abandonaram após um grande bombardeio francês na noite do dia 20, acompanhado de intensa tempestade com muitos raios e trovoadas. O povo ficou em pânico, achando que os franceses realizavam um ataque geral, e fugiu da cidade levando o que podia em meio aos caminhos alagados.
O governador Francisco de Castro Morais, e toda a administração da cidade, se refugiaram na Fazenda do Engenho Novo, dos jesuítas. Todos aguardavam, ansiosos, a chegada de uma imensa tropa que vinha de Minas Gerais, sob o comando de Dom Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho.

Duguay-Trouin já sabia da iminente chegada dessa tropa e, por isso, acelerou a negociação do pagamento do resgate, ameaçando destruir toda a área central do Rio de Janeiro, já que, além das centenas de canhões dos navios de guerra, os franceses dominavam todas as fortalezas.Dom Antônio chegou no dia 11 de outubro, com cerca de 6 mil homens de tropas regulares. Mas nada mais podia ser feito.

O resgate da cidade já havia sido assinado, os franceses receberam 610 mil cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 vacas, fora o que os corsários saquearam pela cidade. Duguay-Trouin devolveu o Rio de Janeiro e embarcou de volta com seus corsários no dia 13 de novembro, incluindo aí centenas de franceses da expedição de Du Clerc que estavam presos na cidade. Considerado culpado pela perda da cidade, o governador Francisco de Castro Morais foi degredado para a Índia, só conseguindo o perdão quase 30 anos depois. O Rio de Janeiro passou a ser governado por Dom Antônio de Albuquerque.

Já a volta dos corsários para a França foi cheia de contratempos, com imensas tempestades pelo caminho. O navio Aigle naufragou na ilha de Caiena, quando estava ancorado, mas a tripulação conseguiu escapar. Já os navios Magnanime e Fidèle naufragaram em alto mar, com a morte de quase 1200 franceses, incluindo Monsieur de Courserac, o primeiro a forçar a barra na Baía de Guanabara. Junto com o Magnanime, foram parar no fundo do mar boa parte das mercadorias trazidas do resgate e 600 mil libras em ouro e prata.

9.12.2016

O NOSSO 11 DE SETEMBRO


     A data de 11 de setembro costuma ser lembrada por dois acontecimentos dramáticos de alcance mundial: o ataque às torres gêmeas, em Nova York, em 2001, e o golpe militar no Chile, em 1973, quando o Palácio La Moneda foi bombardeado e o presidente Salvador Allende morto (até hoje não há certeza se Allende foi assassinado ou se cometeu suicídio). Já aqui, no Rio de Janeiro, também tivemos o nosso 11 de setembro, bem mais antigo, mas também com altas doses de violência e dramaticidade.

Foi nesta data, em 1710, há exatos 306 anos, que o francês Jean François Du Clerc, acompanhado de cerca de mil corsários, invadiu a cidade do Rio de Janeiro pela praia da Barra de Guaratiba, no lado oeste da cidade. O objetivo? Conquistar e saquear a cidade e depois dividir o butim, o valor do resgate, entre os corsários e os que apoiaram a invasão.

 O corsário, ao contrário do pirata, tinha autorização do rei para suas investidas (no caso de Du Clerc, do rei Luis XIV, o Rei Sol, ícone do modelo político conhecido como Absolutismo ("L'État c'est moi" - O Estado sou eu) e apoio financeiro de companhias e nobres abastados. Du Clerc tentou invadir o Rio de Janeiro pela Baía de Guanabara, mas foi rechaçado, com seus seis navios, pela Fortaleza de Santa Cruz. Foi, então, navegando pelo litoral da cidade até chegar a Angra dos Reis, que foi duramente bombardeada e teve algumas fazendas saqueadas.Quatro escravos fugidos de uma dessas fazendas informaram aos franceses que a praia da Barra de Guaratiba seria um bom ponto de desembarque para se atingir o centro do Rio de Janeiro.

Os franceses seguiram o conselho e desceram na praia no dia 11 de setembro. Após oito dias de dura caminhada pelas montanhas (e com direito a alguns saques, como na Fazenda do Camorim), chegaram ao centro do Rio, onde já eram esperados sem o menor pingo de hospitalidade.
Numa violenta batalha que durou um dia inteiro, com muitos mortos e feridos de ambos os lados, os invasores se renderam.

 Os franceses sobreviventes foram distribuídos pelas prisões e Du Clerc ficou preso no Convento dos Jesuítas, no já extinto Morro do Castelo, sendo depois transferido para uma casa, na esquina da rua da Quitanda com (também já extinta) rua General Câmara, onde, apesar de estar guardado por várias sentinelas, foi assassinado no dia 18 de março de 1711, um crime que nunca foi solucionado.
Ainda em 1711, um outro corsário, René Duguay-Trouin, chegava ao Rio com a mesma intenção de Du Clerc, mas desta vez com 18 navios e cerca de seis mil corsários franceses. Mas essa história deixo para contar amanhã, na própria data da invasão.

* Ilustração: Capa do livro "A invasão francesa do Brasil - o corsário Du Clerc ataca o Rio de Janeiro por Guaratiba" (Edital), de André Luis Mansur e Ronaldo Morais, e atores do grupo "O Corsário Carioca", passeio que acontece sempre na Baía de Guanabara.



7.20.2016

Guiadas urbanas

Com Karolynne Duarte, que está à frente do Guiadas Urbanas, excelente trabalho de roteiro histórico e cultural pelos subúrbios cariocas. Neste dia, em evento no Ipharj (Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro), pude, finalmente, autografar meus livros para ela.

7.13.2016

Livraria Leonardo da Vinci

Amigos, meus livros já estão à venda na livraria Leonardo da Vinci, uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro. (Av. Rio Branco, 185, subsolo, centro do Rio)

7.12.2016

MULHERES DE PEDRA

Link com a matéria sobre o coletivo Mulheres de Pedra na página projeto#colabora

http://projetocolabora.com.br/cultura/colcha-de-retalhos/

7.11.2016

O VELHO OESTE CARIOCA VOLUME III

Amigos, o terceiro volume de O Velho Oeste Carioca vai para o prelo (para usar uma expressão antiga, de acordo com o livro) em setembro, em mais uma edição feita por Thereza Rocque da Motta, da Ibis Libris Editora. Neste livro continuo contando a história da zona oeste carioca, de Deodoro a Sepetiba, em capítulos como "Anna Gonzaga e a Fazenda Inhoaíba", "Aliança para o progresso faz nascer Vila Kennedy", "A defesa de Sepetiba", "Os escravos da Fazenda de Santa Cruz", "Ordem e Progresso na Fábrica Bangu" e "A tradição agrícola da Ilha de Guaratiba", entre outros.