2.23.2007

A PEQUENA NOTÁVEL



Vencedor de dois prêmios do Oscar (roteiro original e ator coadjuvante, para Alan Arkin), “Pequena Miss Sunshine” consegue uma das mais difíceis tarefas no cinema: misturar drama e comédia de forma equilibrada e envolvente. Não é à toa que esta produção independente, orçada em US$ 8 milhões (uma bagatela diante das superproduções de Hollywood), vem conquistando platéias no mundo inteiro. Por trás do riso solto que rola durante a maior parte do filme, há a consciência de que um poderoso drama está sendo contado ali.

Todos os atores estão ótimos, mas Alan Arkin, que fez o embaixador americano no filme “O que é isso, companheiro?”, está acima da média. Fazendo o papel do avô da pequena Olive, ele desenvolve com muita segurança seu personagem, um homem desiludido da vida, viciado em heroína, mas que vê na pequena neta um alento para continuar lúcido. Aliás, Olive é o lastro que segura uma família que tem tudo para desmoronar.

O chefe, Greg, dá palestras sobre auto-ajuda, mas não consegue ajudar a si mesmo; o filho Dwayne decidiu que só vai falar quando passar na prova para a escola de pilotos; o cunhado gay, Frank, acabou de tentar o suicídio; e a esposa, Sheryl, tenta de todas as formas manter a ilusão de uma família feliz. Quando a pequena Olive ganha a chance de disputar o concurso infantil “Pequena Miss Sunshine”, a família, apesar da resistência inicial, se concentra em torno deste objetivo, que na verdade é muito mais do que ganhar um concurso. É, exatamente, o de salvar a própria família.

Na viagem, feita numa Kombi para lá de problemática, entre momentos engraçadíssimos, dá para perceber que a família vai se unindo (mesmo que a contragosto no princípio) diante dos fracassos iminentes e imediatos. O excelente roteiro de Michael Arndt garante a mesclagem de diálogos hilários e profundos, com a referência mais do que apropriada a Proust, autor estudado por Frank. Pois o filme, dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, faz uma profunda crítica ao estilo de vida competitivo americano, mostrando que para a família Hoover muito mais do que vencer um concurso é partir em busca do tempo perdido e refazer suas vidas em comum.
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2.14.2007

TUDO É VAIDADE



A frase do Eclesiastes que dá título ao primeiro livro do jornalista Rogério Nery resume o espírito dos jovens personagens do seu livro, todos moradores da Zona Sul carioca no final dos anos 80. Uma época em que não havia mais ditadura para combater, o muro de Berlim estava sendo derrubado e no cotidiano daquelas pessoas cultas, bonitas e com algum dinheiro no bolso só havia uma preocupação: curtir a vida.

Morando sozinho no Leme em um apartamento de três quartos, bancado pelos pais que moram em Brasília, Mateus é o mais fiel representante desta geração aparentemente perdida. Estudante de jornalismo, é freqüentador assíduo do underground carioca, onde encontrava artistas de vanguarda, talentos promissores e inúmeros fracassos. “Eram porres homéricos. Chegava a dormir com um balde do lado da cama – a melhor maneira de colocar tudo para fora sem sujar o colchão”.

Mateus encontrava o par perfeito em Diana Prado, uma garota que “poderia ter a credencial de uma verdadeira junkie das páginas de um romance de William Burroughs”. Juntos, eles tomam porres juntos com os outros amigos em apartamentos da Zona Sul ao som de R.E.M. e Joy Division e fazem sexo, muito sexo, que aliás é um dos temas constantes do livro e descrito de forma bastante explícita.

Rogério Nery não esconde a influência da literatura americana, da qual é admirador e conhecedor. Hemingway, Fitzgerald, Henry Miller, o já citado Burroughs e todos os seus parceiros beatniks, assim como Charles Bukowski (este fundamental nos trechos de sexo e bebedeira), cada um contribui com o seu quinhão para que o estilo do autor se defina. O texto é dinâmico, com muitos diálogos, frases curtas e objetivas e descrições bem detalhadas. O belo projeto gráfico da editora Bruxedo, bonito e funcional, contribui para que o livro seja lido de um fôlego.

Quando está razoavelmente sóbrio, Mateus tenta escrever alguns contos embalado pelas sinfonias de Gustav Mahler. “Fazia um esforço sobrenatural, mas não tinha a regularidade e persistência necessárias pra poder deixar as palavras em mais de três páginas por dia”. Logo o telefone toca e a proximidade da noite e suas imprevisíveis tentações tiram totalmente a concentração do pretenso escritor. “Vamos entrar que hoje o negócio vai pegar fogo aí dentro”, convida o amigo Márcio diante de uma boate.

Embalado pelo ritmo frenético da história, Rogério Nery faz um paralelo interessante da época. Era o ano em que o brasileiro iria, enfim, votar para presidente da República e os debates na TV paravam o país, “que estava prestes a cair numa armadilha”. As pessoas usavam máquinas de escrever e ouviam LPs, num retrato tão fiel que é impressionante constatar como os últimos 15 anos tornaram tantas coisas, inclusive os costumes e as idéias, obsoletas.

O livro é repleto de pequenos dramas pessoais, o contraponto perfeito para as noites de delírio que os personagens vivem. O pai de Diana Prado é ex-alcoólatra, a ex-namorada de Mateus sente um ciúme perturbador de qualquer uma que se aproxime dele e de vez em quando rola uma briga na turma – quase sempre por ciúmes inflamados pelo álcool. São jovens meio sem rumo, sem destino, que apesar de terem projetos, às vezes empregos, vivem num mundo que em muitos momentos lembra a “Doce Vida” de Fellini e seus burgueses decadentes.

A conclusão a que se chega é que os personagens deste livro querem “fazer tudo ao mesmo tempo, num único fôlego, como numa jam session de jazz, soprando, improvisando”. Como os ídolos do rock dos anos 60 que morreram cedo, eles querem chegar aos limites. O problema é que depois sobram apenas o vazio, o tédio e o desencanto.

"Tudo é vaidade”
Rogerio Nery
Editora Bruxedo
R$ 25,00
132 páginas

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