5.18.2015

SUBÚRBIO RESTAURADO

                                                                  Cine Guaraci

           Um importante projeto de recuperação do patrimônio histórico dos subúrbios cariocas vem sendo trabalhado pelo senhor Rubens Quintella desde 2002. Trata-se da restauração dos antigos cinema Cachambi, Olari, Rosário (em Ramos), Vaz Lobo e Guaraci (em Rocha Miranda), com a intenção de transformá-los em Centros Culturais Populares, administrados pela prefeitura. A população teria acesso, a preços populares, a diversas manifestações culturais, com incentivo especial aos alunos de escolas públicas. Quintella esteve reunido com o secretário municipal de Cultura, Marcelo Calero, e com a presidente da Rio Filme, Mariana Ribas, que se mostraram favoráveis ao projeto. 

                                                    Cine Vaz Lobo na década de 70

          Outro importante projeto de Quintella, este iniciado em 2005, com o envio de um ofício à Secretaria Municipal de Cultura, pedindo que a Casa da Fazenda do Capão do Bispo, importante monumento histórico da cidade do Rio de Janeiro, localizado no bairro do Cachambi, seja utilizado para projetos sociais, educacionais e culturais. Segundo ele me informou, a prefeitura já apresentou o projeto arquitetônico e as obras de restauração da casa, que é do final do século XVIII, estão perto de começar. 

                                                  Casa da Fazenda do Capão do Bispo

          Quem quiser mais informações sobre o projeto, o e-mail dele é rubensquintellatucker@yahoo.com.br




4.14.2015

CRIME E INCÊNDIO NA IGREJA MATRIZ DE CAMPO GRANDE


          Duas histórias trágicas marcam a matriz de Igreja de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. A primeira ocorreu em 1716, quando ela ainda ficava nas terras que hoje fazem parte de Bangu, erguida por Barcelos Domingues, em 1673. João Manuel de Mello, um dos principais fazendeiros da paróquia, estava dentro da igreja no Domingo de Ramos, quando uma turma de 20 a 30 capangas e escravos, acompanhados de dois outros fazendeiros, José Pacheco e José Gurgel, invadiram a igreja e mataram João Manuel. O mais trágico foi o desfecho. Quando o padre se aproximou do corpo para lhe dar a extrema unção, também foi assassinado. O crime foi relatado pelo Ouvidor-Geral Fernando Pereira de Vasconcelos ao Conselho Ultramarino, instituição portuguesa responsável por várias questões relativas às colônias. "A viúva de Mello veio à cidade trazendo o cadáver da vítima, a fim de clamar justiça. O governador declarou réus de morte a Amaral e a Pacheco, e publicou um bando prometendo grandes recompensas a quem os trouxesse vivos ou mortos". (Antiqualhas e memórias históricas do Rio de Janeiro, de José Vieira Fazenda)
         Bando era uma espécie de proclamação feita em espaço público. Os assassinos de João Manuel de Mello, pelo menos pelo que se sabe, não foram presos. Esta história serviu para esvaziar ainda mais o pequeno templo, que já sofria com as intempéries do tempo, e acabaria sendo destruído ainda naquele século, para ser construída uma nova matriz, já nos limites do atual bairro de Campo Grande (embora ainda não fosse no local atual).
        Outra terrível situação ocorrida na igreja foi em 1882, quando ela já ficava no centro de Campo Grande: um incêndio a destruiu por completo. A ironia é que a igreja hoje fica bem próxima do Corpo de Bombeiros, mas na época eles tiveram de vir do centro da cidade, a cerca de 50 quilômetros, num trem especial da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil. Embora o trem tenha levado cerca de 40 minutos, um padrão rápido até para os dias de hoje, os carros de bois transportando o material dos bombeiros ficou atolado num areal da Rua da Matriz, que depois seria renomeada para Rua da Estação e, por fim, Rua Augusto Vasconcelos. Uma junta de bois foi emprestada pelo capitão Antônio de Oliveira Santos, mas quando os bombeiros, enfim, conseguiram chegar à igreja, não restava quase nada a apagar.
       Com apoio da população local e do governo imperial, que doou 20 contos de réis, a igreja foi reconstruída e reinaugurada seis anos depois, graças ao grande esforço do seu vigário, o padre Belisário Cardoso dos Santos, vigário na região durante 44 anos, de 1847 a 1891, e que morava na casa ao lado da igreja, que mais tarde abrigaria o colégio Belisário dos Santos, demolido em 2014.

2.19.2015

LEITE COM MANGA

Uma das atitudes mais corajosas que já tomei na vida foi quando pedi um copo de leite com manga numa agradável tarde de sábado em um bar do subúrbio carioca de Cascadura. Não que as condições do estabelecimento fossem inadequadas, era até simpático o bar, mas o ato de coragem se justifica por eu ter ouvido desde pequeno que a mistura de leite com manga poderia levar à morte em poucos minutos.
Não sei de onde veio a argumentação de que estas duas substâncias unidas poderiam provocar uma explosão fatal ao entrar no organismo, mas sei que ela existia e era constantemente lembrada, acabando por se constituir numa das lendas urbanas de maior durabilidade, tal qual a da mulher loura no banheiro, embora esta eu nunca tenha tentado desafiar e muitas vezes, quando criança, cheguei em casa com a bexiga no limite por medo de entrar no banheiro do colégio.
 Também não sei por quais cargas d´água tomei a coragem de fazer o insólito pedido naquela tarde, enquanto aguardava meu ônibus chegar ao ponto. Tinha 18 anos, estava feliz, ia a uma festa e não havia qualquer sombra de comportamento autodestrutivo em minha vida. Talvez fosse uma espécie de rito de passagem, aquela situação que todo adolescente precisa enfrentar antes de ingressar na fase adulta de peito aberto, deixando para trás o medo e a insegurança.
Pois bem, devia ser isso mesmo. E lá fui eu, cheio de coragem, pedir a estranha mistura num bar cheio de gente bebendo cerveja e outras misturas mais fortes. O ridículo da cena talvez lembre o personagem Shane, interpretado por Alan Ladd, pedindo uma gasosa no bar cheio de “homens brabos” do filme “Os brutos também amam”.
O mais incrível foi que, ao fazer o pedido, o atendente rapidamente se prontificou a fazer a, digamos, vitamina, ainda perguntando se eu queria com gelo. Enquanto ele preparava, fiquei pensando: será que esse perigo só existia na minha família? Mas não podia ser. Vários amigos e conhecidos me asseguravam que a mistura leite com manga era tão fatal quando picada de lacraia (outra história terrivelmente ameaçadora). Ou então será que aquele bar era o único bastião contra estas lendas disseminadas de geração a geração? Ou o dono era um sádico especializado em matar fregueses incautos e enterrá-los nos fundos do estabelecimento, como um bom filme americano de terror classe B?
Não sei, nada ali parecia tão ameaçador. E quando a mistura ficou pronta e o atendente falou, num tom razoavelmente alto, “sai um leite com manga”, não vi ninguém espantando. Achei até que alguma velhinha pudesse pegar o copo e despejá-lo subitamente na calçada e ainda me dar um belo de um esporro por ser tão inconsequente. Não, nada aconteceu. E então, de frente para o Viaduto de Cascadura, bebi tranquilamente meu primeiro copo de leite com manga. Paguei, agradeci e o atendente me deu o troco como se nada tivesse acontecido.
Peguei meu ônibus e achava, inconscientemente, que algo ainda aconteceria. De qualquer forma, tinha meu endereço e um número de telefone na carteira, como meu pai sempre recomendava, e por isso alguém (uma enfermeira, o mais provável), poderia dar a trágica notícia à família. Mas, também desta vez, nada aconteceu. Fui à festa, me diverti bastante, voltei para casa no dia seguinte e nas 48 horas seguintes, que seriam de observação e monitoramente, não tive nem uma diarreiazinha sequer.

Confesso: me decepcionei. Uma verdade tão inquestionável como aquela precisaria ter um fundo de...verdade, pelo menos. Um mito não cai por terra assim, sem esboçar um mínimo de reação. Mas aquele caiu, de forma irrefutável. Contei a façanha para amigos e familiares e alguns ainda me chamaram de louco e inconsequente. Seja como for, depois disso passei a adotar a vitamina de leite com manga no meu cardápio e me enchi de coragem para tomar outras atitudes impetuosas, como tomar banho depois do almoço ou andar de ônibus pela avenida Brasil de madrugada. Mas a mulher loura no banheiro, esta ficou sempre no meu imaginário como um símbolo de medo e covardia. 

2.09.2015

O CHORINHO DA PEDRA



    Um ótimo programa para as tardes de domingo é o chorinho do grupo "Choro na Calçada", na Praça São Pedro, em Pedra de Guaratiba, zona oeste do Rio de Janeiro. A praça fica em frente à praia, numa das extremidades do píer, com o belo visual da Restinga da Marambaia ao fundo. Em volta temos o Mercado do Peixe e vários bares, entre eles o tradicional Bar Budo, comandado pelo barbudo Wilson Paim e que já figurou no Guia Rio Botequim. Algumas amendoeiras garantem a sombra.



    A apresentação começa ao meio-dia e vai até as 18h, com pequenos intervalos, inclusive para o almoço. Não há couvert, apenas um dos integrantes passa o chapéu para quem quiser contribuir com o grupo, que não se limita ao chorinho e apresenta um repertório dos mais abrangentes, realçado por um naipe de sopros que dá um sonoro reforço aos tradicionais instrumentos de cordas e percussão do gênero.
    As especialidades dos restaurantes, como não poderia deixar de ser, são os pratos de frutos do mar, que na maior parte vem de outros lugares, já que a Praia da Pedra, assim como toda a Baía de Sepetiba, é poluída. Os muitos barcos próximos ao píer costumam partir para a pescaria no fundo da baía, perto da restinga, onde a água é mais limpa.



    À medida que a tarde vai caindo, um outro atrativo é o por do sol da  Pedra de Guaratiba, tendo ao fundo a Ilha da Marambaia, no final da restinga, e, bem mais distante, a Ilha Grande. O passeio no píer dá o contorno perfeito para este belo passeio de domingo, que muitas vezes vem acompanhado da Feira de Artesanato da Pedra, mas este já é assunto para outro artigo.
   













1.05.2015

RIO NOIR


Rio Noir - (coletânea de contos editada por Tony Belloto) - Casa da Palavra - 304 páginas.

         "Rio Noir" é a versão carioca de uma série de livros de sucesso nos Estados Unidos, publicada pela editora Akashic Books e que reúne contos noir de escritores do gênero (ou não) ambientados em alguma cidade escolhida para aquela edição. Como a ideia deu muito certo, a editora ampliou a coleção para cidades de outros países, como esta que traz a cidade do Rio de Janeiro como cenário - a primeira publicada no Brasil, feita em parceria com a Casa da Palavra e organizada por Tony Belloto, músico do grupo Titãs e já bastante experiente no tema com seus livros protagonizados pelo detetive Remo Bellini.
         A literatura noir teve seu auge nos Estados Unidos em meados do século passado, graças a autores como Raymond Chandler, Dashiell Hammett (do clássico "O falcão maltês") e James Ellroy e se caracterizou principalmente por fugir ao padrão da trama policial comum, onde os personagens são muito bem demarcados. No ambiente noir, o clima é outro, há humor, há crítica política e comportamental, os detetives são durões, mas sensíveis, gostam de jazz, boa literatura e bons restaurantes, seus auxiliares costumam ser pitorescos e muitas vezes "roubam a cena". As mulheres são sensuais e determinadas (geralmente louras) e os diálogos ágeis e muito bem escritos. Sem contar, obviamente, o clima sombrio, com muito nevoeiro e becos escuros (noir significa preto, em francês). Um fã do gênero é o cineasta Quentin Tarantino, que no filme Pulp Fiction fez uma homenagem ao livro e filme noir, inclusive no título, já que pulp fiction era o tipo de publicação inicial da literaturanoir, feita em formato de bolso, com papel barato e que poderia ser vendida em tudo que era lugar.
         Para transportar a literatura noir ao Rio de Janeiro, foram convidados 15 autores, alguns já dominando o gênero da literatura policial, como Luiz Alfredo Garcia-Roza, o próprio Tony Belloto e o jovem Raphael Montes, sucesso de vendas com seus romances "Dias perfeitos" e "Suicidas", além de nomes conhecidos na imprensa carioca, como Arnaldo Bloch, Arthur Dapieve e Guilherme Fiúza (que afirmou nunca ter escrito um conto antes deste livro), e autores importantes da literatura contemporânea, como Adriana Lisboa e Flávio Carneiro. Não poderia faltar, é claro, Luis Fernando Verissimo, criador do impagável detetive Ed Mort e que ambienta seu conto no bairro de Bangu, onde um duplo assassinato ocorre ao lado de um manuscrito de poesias intitulado "A hora das sombras compridas": "Uma das poucas coisas no apartamento que não estavam respingadas de sangue".
         O resultado é muito bom, com os autores criando suas histórias exatamente em cima do contraste entre as belezas naturais da cidade e a tão decantada hospitalidade dos cariocas e seu espírito festivo com o que se esconde (ou nem tanto) neste "purgatório da beleza e do caos", como já cantou Fernanda Abreu.
         Assim, cartões-postais consagrados da cidade surgem como cenários de situações que nenhuma agência de turismo iria publicar em "folders" promocionais, como o dedo que a personagem criada por Victoria Saramago encontra numa caminhada na Floresta da Tijuca ("Ponto Cego"), o corpo caído no Morro do Corcovado, com direito a um típico nevoeiro noir("Táxi argentino", de Arthur Dapieve), o famoso litoral da zona sul esquadrinhado por um gigolô disposto a observar "as burguesinhas do Leblon, as bichas da Farme, as gringas de Copacabana e as coroas cachorras do Leme" ("Coroas saradas", de Tony Belloto), e mesmo o canibal da Rua Canning, um coronel reformado do Exército que acreditava estar curado de certos hábitos ("Canibal de Ipanema", de Alexandre Fraga, que além de escritor é policial federal).
         Embora o tráfico de drogas esteja ligado a boa parte dos crimes no Rio, poucos autores o utilizam em suas histórias. O que sobressai mesmo é o clima noir das histórias e suas referências, seja no caso de Adriana Lisboa, que em "O enforcado", história passada no Largo do Machado, nos lembra "A cartomante", um dos grandes contos do mestre Machado de Assis, ou Flávio Carneiro, que em "A espera", narra uma história sem nenhuma cena de violência, mas cheia de deduções criativas e interessantes do Gordo, dono de um sebo na Rua do Lavradio e que ajuda um detetive amigo seu a investigar o homem que segue todo dia uma funcionária do setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional e fica parado encostado num poste, jornal embaixo do braço, em frente ao prédio dela. Mais noir, impossível.