11.17.2008

O VELHO OESTE CARIOCA/LANÇAMENTO


LANÇAMENTO DO LIVRO
“O VELHO OESTE CARIOCA”,
DE ANDRÉ LUIS MANSUR (editora Ibis Libris)

A HISTÓRIA DA ZONA OESTE CARIOCA, DE DEODORO A SEPETIBA, CONTADA DESDE O SÉCULO XVI

DIA 9 DE DEZEMBRO (terça-feira), ENTRE 17h E 20h30, NA LIVRARIA ARLEQUIM, PAÇO IMPERIAL, PRAÇA QUINZE, CENTRO

DIA 13 DE DEZEMBRO (sábado), A PARTIR DAS 17h , NO CHOPP DA VILLA, ESTRADA DO PRÉ, 91, LARGO DA VILLA SANTA RITA, EM CAMPO GRANDE

A Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro é sempre citada nos livros de História do Brasil por dois motivos: a invasão de piratas franceses em Guaratiba, em 1710, e as longas temporadas de D. João na antiga fazenda dos jesuítas, em Santa Cruz, no início do século XIX.

O resgate do patrimônio histórico da região, desconhecido da maioria de seus moradores, tem sido feito por pesquisadores da Zona Oeste, com seus próprios recursos e a ajuda de amigos para divulgação desses trabalhos.

É preciso também fazer justiça a importantes cronistas do Rio Antigo, que mencionam, em seus livros, o então chamado “sertão carioca”, como Monsenhor Pizarro, Vieira Fazenda, Brasil Gerson e Noronha Santos.

Indispensável, também, citar ilustres viajantes europeus, que conheceram de perto a região, como Debret, Maria Graham e os naturalistas Spix e Martius, que, com relatos e imagens, nos legaram um rico acervo, de seus aspectos mais prosaicos que, na maioria das vezes, passam despercebidos nas “publicações oficiais”.

Este livro reúne o material de pesquisadores locais, bem como de autores reconhecidos, e apresenta uma visão global da região, que se estende desde o Campo dos Afonsos a Sepetiba, percorrida pela antiga Estrada Real de Santa Cruz. O objetivo deste livro é chamar a atenção para a riqueza histórica e natural da região. A melhor forma de valorizar um lugar é conhecer seu passado, identificando os que o ajudaram a se tornar o que é hoje.

GUARDIÃO DE UMA UTOPIA PARTICULAR


Literatura da urgência - Lima Barreto no domínio da loucura - Luciana Hidalgo - editora Annablume - 252 páginas - R$ 30,00

Afonso Henriques de Lima Barreto pagou um preço alto por viver deslocado numa sociedade de convenções, formalismos e fingimentos. Pagou com a própria vida, pode-se dizer assim, uma vida marcada por percalços de todo tipo e que culminaram com a pobreza, o alcoolismo, a internação como louco e, por fim, a morte prematura, em 1922, aos 41 anos de idade. O que a jornalista Luciana Hidalgo faz neste livro, conseqüência de uma tese de doutorado defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é mergulhar no deslocamento vivido por um escritor incompreendido no seu tempo e cuja obra permanece atualíssima exatamente porque as mazelas políticas e sociais denunciadas por ele, com coragem e sinceridade radicais, infelizmente continuam todas aí.

O ponto de partida do livro é o “Diário do hospício”, escrito por Lima Barreto quando ele esteve internado no Hospital Nacional dos Alienados, o primeiro hospício do país, inaugurado em 1852 por D. Pedro II e que hoje é a sede do campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Zona Sul do Rio de Janeiro. Lima esteve internado lá duas vezes. A primeira, em 1914, e a segunda em 1919/20, quando escreveu o diário. O motivo: delírios provocados pelo alcoolismo e que cessavam imediatamente assim que o escritor recuperava a sobriedade.

Era uma época em que os diagnósticos de insanidade primavam por argumentos para lá de bizarros, como comprova um estudo feito por Francisco Carlos da Fonseca Elia citado por Luciana: “(...) tanto a menstruação na mulher e as hemorróidas no homem seriam causas que muito teriam contribuído para a perda da razão na cidade do Rio de Janeiro”. O pesquisador também cita as causas morais, como emoções vivas, o terror ou o amor levado ao excesso ou contrariado.

No diário, que gerou o livro “Cemitério dos vivos”, Lima Barreto faz observações sobre a rotina do hospício, para ele muito mais um espaço onde o Estado abrigava parte do refugo social excluído da sociedade elegante da Belle Epoque carioca do que um local de tratamento. Ele expõe a sua revolta contra o Estado, a sociedade e contra si mesmo, frustrado, revoltado por não ter tido o reconhecimento literário que julgava (e merecia) ter recebido. “Ah! A Literatura ou me mata ou me dá o que peço dela”.

A partir daí, Luciana desenvolve um profundo estudo teórico baseado em dois conceitos fundamentais, a escrita de si e a literatura de si, fundamentais para se entender não apenas a obra de Lima Barreto, este “guardião de uma utopia particular”, mas também a de autores de estilos bem diferentes, como Antonin Artaud, Fernando Pessoa e dos personagens já estudados por ela em livros anteriores, como o poeta curitibano Loriel (“A arte da urgência”, com Mônica Drummond. Cultural Office, Curitiba, 2006), e o artista plástico (mesmo sem o saber) Arthur Bispo do Rosário (“Arthur Bispo do Rosário – O senhor do labirinto”. Rocco, Rio de Janeiro, 1996), que lhe valeu o prêmio Jabuti.

Dona de um excelente texto, fugindo como pode dos habituais jargões acadêmicos, Luciana Hidalgo passeia por teorias literárias, artigos sobre a loucura, considerações sobre a política brasileira e a evolução urbana do Rio de Janeiro do início do século XX, além de outros temas, fazendo de seu livro (e aí sim, um jargão acadêmico) uma obra multidisciplinar. Lima Barreto, o personagem principal, é definido aqui como um a-intelectual/a-social, ou seja, um sujeito que não se enquadrou nos rígidos padrões vigentes no meio intelectual e social da época. Também por isso, ele sempre esteve em busca do a-lugar, o espaço onde poderia conseguir, talvez, a alforria do eu, para usar uma expressão da autora.

Infelizmente, como explica Luciana, este espaço Lima Barreto nunca encontrou. E o deslocamento que o acompanhou desde a infância, quando ele, um menino negro, pobre e morador do subúrbio, se interessava por literatura, se radicalizou a partir do primeiro livro, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, quando desancou toda a grande imprensa e passou a ser evitado nas rodinhas intelectuais.

Desta forma, a grande frustração de Lima Barreto, frustração esta intransponível e que o levaria ao alcoolismo e à decadência física, foi mesmo a falta de reconhecimento ao seu imenso talento literário, tanto da sociedade que ele tanto criticava (o que seria mais ou menos óbvio) quanto dos seus pares, negros ou mulatos, pobres e suburbanos como ele, que não liam (ou não sabiam ler) e permaneciam numa apatia e submissão revoltantes para o escritor diante da corrupção, dos problemas sociais e das arbitrariedades que ele tanto denunciava.

Ao usar conceitos como a escrita de si e a literatura de si, Luciana Hidalgo abriu um outro olhar sobre Lima Barreto, o “escritor do povo”, assim como a literatura da urgência, termo que dá título ao livro, foi a defesa e o ataque do escritor no seu momento mais crítico, o da internação, quando seu corpo passou a ser propiedade do Estado e ele só pôde contar com a pena e o papel para se manter “en garde”, como ela diz, contra tudo o que sofria.

Luciana demonstra, de forma clara, como a loucura, que também acometeu o pai de Lima Barreto, esteve sempre presente em sua obras, e em como o escritor misturou vida e ficção em personagens como Policarpo Quaresma, Leonardo Flores, Gonzaga de Sá e Vicente Mascarenhas, de “O cemitério dos vivos”. Na época, este tipo de literatura não foi absorvida, ou entendida, ainda mais exposta até as vísceras por um sujeito radical nas opiniões e que vivia bêbado e maltrapilho. Mas agora, com esta obra singular, Lima Barreto pode, ainda que tardiamente, ter encontrado um espaço singular, talvez o seu tão desejado a-lugar na literatura brasileira.

Luciana Hidalgo nasceu em 1965, no Rio de Janeiro . É doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), atualmente com Bolsa de Pós-Doutorado da Faperj, dando aula no curso de Letras da mesma universidade . É autora do livro Arthur Bispo do Rosario – O senhor do labirinto (Rocco, 1996/ Prêmio Jabuti , 1997), que foi recentemente adaptado para o cinema ( com roteiro de Luciana Hidalgo, Geraldo Motta e José Joffily) e será lançado em 2009. Formada em Comunicação Social , trabalhou como jornalista no suplemento literário Prosa & Verso , do jornal O Globo , e no Jornal do Brasil ( revista Programa e Caderno B), entre outros veículos . Dirigiu e editou a revista Gesto , publicação de ensaios sobre o tema corpo nas áreas de literatura , filosofia etc.

11.03.2008

AS PEGADAS DE MACHADO


Machado de Assis jamais poderia imaginar que seus textos escritos a bico de pena e sob a luz de lampião iriam se transformar em relíquias disputadas por ávidos pesquisadores. Quanto vale um texto ou uma foto inédita do maior escritor brasileiro?

Diante de tantos livros, debates, adaptações para outros meios e homenagens em geral a Machado de Assis no ano de centenário de sua morte, não deixa de ser intrigante, para os muitos admiradores de sua obra, viajar ao seu tempo e espaço, naquele Rio de Janeiro pacato e ainda bem distante de qualquer tipo de indústria cultural. No silêncio da casa do Cosme Velho, silêncio quebrado apenas pelo ruído de uma ou outra charrete, ou pelo canto dos vendedores ambulantes, Machado redigia seus textos a bico de pena, acompanhado apenas pela sua amada Carolina. Embora chamado (excessivamente, a meu ver) de bruxo, Machado não tinha bola de cristal para prever o futuro. Sendo assim, mesmo recebendo as glórias em vida, não poderia imaginar o alcance que sua obra teria hoje e de como seria esmiuçada com precisão cirúrgica por incansáveis historiadores que procuram relacionar textos escritos em jornais, cartas, ofícios de serviço público, romances, poemas, críticas, crônicas, contos e peças, tudo para dar uma dimensão maior e mais completa de um homem discretíssimo por natureza, que não deixou uma biografia e cujas pegadas, principalmente as da juventude, despertam fascínio e curiosidade exatamente por estarem envolvidas pelo mistério.

UMA GRANDE CHARADA

Um dos trabalhos mais penosos neste esforço coletivo é o de se aventurar pelos textos escritos por ele em jornais, publicados de forma sistemática logo após sair da adolescência, quando ainda era o Machadinho. A dificuldade tornou-se muito maior devido à grande quantidade de pseudônimos que o escritor adotou ao longo da vida de jornalista, muitos deles já devidamente descobertos, mas muitos outros a descobrir, como se ele tivesse deixado de propósito uma grande charada aos seus estudiosos.

Escrevendo muitas vezes tarde da noite em jornais, aquele jovem cheio de ambições literárias publicava artigos apócrifos que permanecem esquecidos em jornais já extintos e que hoje são objetos do desejo de pesquisadores ávidos por encontrar qualquer coisa inédita do mestre, mesmo um tema irrelevante, escrito apenas para fechar uma página no calor do fechamento de uma redação da época em que tudo era mais trabalhoso no jornalismo.

Neste grande esforço feito em torno do centenário de sua morte, muito material inédito foi descoberto: cartas, contos, artigos, pseudônimos, inscrição na Biblioteca Nacional, dedicatórias, fotos de Carolina ainda bem jovem (e bonita) etc. É curioso especular sobre quando vale um texto inédito de Machado, pois ele teve de escrever muito em jornais para poder sobreviver, já que ganhava-se muito pouco nas redações, pois afinal, escrevia-se para quem? Num país escravocrata e atrasado, uma minoria da minoria apreciava a leitura diária dos jornais. Da mesma forma, ou pior ainda, quem comprava livros no Brasil? Os de Machado, editados por Baptiste Louis Garnier, (também conhecido por Bom Ladrão Garnier, devido às relações quase nunca vantajosas para os autores) lhe garantiam alguns mil-réis por mês).

O "ESTILO" DA REPARTIÇÃO


Ou seja, Machado teve de escrever muito. Não apenas por amor à literatura, mas também para sobreviver. E mesmo se levarmos em conta a estabilidade financeira conseguida no serviço público, não nos esqueçamos da imensa quantidade de documentos oficiais que ele precisou redigir nas quase quatro décadas que atuou como funcionário público. Alguns foram, inclusive, descobertos e expostos recentemente como relíquias, pois o “estilo” machadiano das repartições públicas é praticamente desconhecido.

Relíquia também seria alguma carta descoberta trocada entre ele e Carolina. Só existem duas, pois as outras (e deviam ser muitas) ele mandou que as queimasse, o que foi feito após a sua morte. A discrição, realmente, foi um dos maiores tesouros que Machado de Assis deixou como legado de sua existência.

10.20.2008

VIOLÊNCIA NO FUTEBOL


Segue abaixo uma relação de frases ligadas à violência e que são utilizadas no dia a dia do futebol. Não sei até que ponto elas influenciam a violência dentro e fora do campo. Uns vão falar que sim, outros que não tem nada a ver. Mas, enfim, acho que vale uma reflexão, pois mesmo quem acompanha o esporte talvez não perceba como ele está repleto de expressões deste tipo.


- Matou a jogada; matou a bola; matou a defesa adversária.

- Fuzilou o goleiro adversário.

- É a chance de se vingar da derrota do ano passado.

- Deu um tiro certeiro de longa distância.

- Fez uma jogada que matou o goleiro.

- A competição vai ser decidida no mata-mata.

- Mandou a bomba, que explodiu no travessão.

- Mandou um míssil.

- O time se recuperou e atropelou todos à sua frente.

- O jogo foi uma verdadeira batalha.

- Mandou um petardo de fora da área.

- Um verdadeiro bombardeio de cruzamentos na área.

- O artilheiro deste ano é um verdadeiro matador.

- Acertou um balaço no ângulo.

- A batalha de Montevidéu.

- O time caiu para a zona da degola.

- Uma das armas dele é o cruzamento na área.

- O atacante mirou de fora da área e acertou o alvo no ângulo.

- Acho que ia golear, mas tomou uma surra.

- O jogo foi um verdadeiro massacre.

10.17.2008

CHEGA DE CRISE!


Acho que ninguém agüenta mais ver todos os dias as mesmas imagens de operadores da Bolsa com a mão na cabeça, olhar perdido ou sentados de cabeça baixa. A crise é séria? É. Pode afetar a gente? É...pode. Mas, pelo que vejo, o pior dela já passou e quem anda nas ruas das grandes cidades percebeu que as dezenas de financeiras continuam com a corda toda, despejando funcionários nas ruas ávidos por conseguir novas vítimas, digo, clientes, e oferecer empréstimos (ou seja, crédito) sem comprovante de rendimento nem consulta ao Serasa. Se o primeiro elemento econômico a sumir numa crise é o crédito, ela, pelo jeito, não passou por aqui.

Ah, algumas empresas perderam muito dinheiro com a alta do dólar. Mas também ganharam fortunas quando a moeda americana estava em baixa, o que aconteceu durante muito tempo. Ora, este é um risco normal de quem atua em um sistema econômico volátil como o capitalismo. Dentro de uma grande empresa há analistas que fazem projeções sobre alterações no sistema financeiro. E há quanto tempo ouvimos falar que a “bolha iria estourar”? Se, com tantas informações disponíveis no mundo capitalista selvagem e globalizado, alguns empresários não se prepararam, paciência.

Já estava na hora também de se parar com este endeusamento de algumas figuras do mundo das finanças. Desde 1997, quando fui redator de economia do Jornal do Brasil (ainda na saudosa sede da Avenida Brasil) e estourou a crise dos tigres asiáticos, que ouço falar que o mercado está apreensivo com a possibilidade de uma recessão americana. Lá, como cá, eram usadas com exaustão as mesmas imagens citadas no início deste texto. O então presidente do Federal Reserve (caprichar na pronúncia), o Fed, Alan Greenspan, era exaltado como um deus. Não à toa, a expressão “Todo Poderoso” era constantemente empregada em relação a ele. Lembro de uma frase quase apocalíptica a respeito de Mr. Greenspan: “Quando este homem fala, o mundo treme!” Meu Deus...

Por quanto tempo seremos massacrados com índices, gráficos, projeções e viés de baixa e alta? Um dia a Bolsa despenca, noutro dispara. “O mercado está nervoso”, “O mercado aguarda com cautela”, “O mercado está eufórico”. Falam do mercado de ações como se ele fosse realmente um representante fiel da economia de empresas e países, mas se esquecem que hoje, com esta orgia desenfreada de grandes capitais migrando de um para outro lado do mundo com um simples toque no teclado, o marcado de ações está muito mais para um cassino de grandes proporções do que outra coisa. Só perde dinheiro mesmo o desesperado que retira a aplicação quando as ações despencam, ou seja, o investidor de primeira viagem. Os tubarões então vão lá, compram os papéis em baixa, os índices disparam e mais uma fortuna foi feita, quase sem esforço físico nenhum.

Ah, mas o “valor de mercado” das empresas caiu em tantos por cento. O valor de mercado é tão volátil quando os índices da Bolsa. Podem ter certeza de que quando tudo se normalizar, em breve, o valor de mercado das empresas vai estar lá, no lugar onde sempre esteve. A única coisa que mudou é que, por enquanto, algumas megafusões e megacompras de empresas estão em suspenso. Nada demais, afinal todos ganharam muito dinheiro com a farra e agora aguardam apenas a ressaca passar.

O capitalismo precisa destas crises sistêmicas, até para poder sobreviver enquanto “agoniza, mas não morre”. A locomotiva (no caso, a economia americana) dá uma freada para sacudir os vagões lá atrás, mas daqui a pouco retoma a viagem. Portanto, vamos falar mais de cultura, meio-ambiente, ciência, política e esporte e deixar a “crise” um pouco em segundo plano. O mundo já tem vários outros motivos para “tremer” de vez em quando.

10.06.2008

NÃO É DO MEU TEMPO


Uma das desculpas mais esfarrapadas quando alguém quer justificar a falta de conhecimento é alegar que tal assunto “não é do meu tempo”. Se formos pensar assim, nenhum dos diversos estudiosos que vêm falando sobre a obra de Machado de Assis no ano de centenário de sua morte está autorizado para tal função, pois nenhum deles é do tempo do genial escritor. Ou aqueles que pesquisaram a chegada da Família Real ao Brasil, há 200 anos, pois com certeza ninguém vivo hoje dividiu um franguinho com D. João VI.

Para quem utiliza este argumento, portanto, o livro, um documentário ou mesmo a transmissão oral de nada adiantam na transmissão do conhecimento. E esse “meu tempo”, na verdade, é bastante relativo, pois quando o tempo histórico de uma pessoa se inicia? Na fecundação? No nascimento? No primeiro beijo? No primeiro fora? Ou naquilo que se costuma chamar de vida adulta, o que também é bastante relativo, pois tem gente de 40 anos que age como criança e adolescente de 15 anos que sustenta uma família.

Por outro lado, há uma questão mais séria que envolve este tipo de argumento. O que é mais importante? Ter vivido na época em que o fato ocorreu, no calor dos acontecimentos, ou poder avaliá-lo com o devido distanciamento histórico? Ter tomado um café com Machado de Assis na rua do Ouvidor ou perceber, através de estudos recentes, a dimensão cada vez maior que a obra do escritor atinge? Dimensão esta não percebida na época dele, apesar de ele ter atingido a glória ainda em vida.

O ideal seria juntar as duas coisas. É claro que no caso citado seria impossível, pois teríamos de encontrar alguém com no mínimo uns 120 anos, lúcido e com uma memória privilegiadíssima para recordar uma conversa com Machado. Mas há, por exemplo, diversos livros importantes sobre a II Guerra Mundial escritos depois do fim do conflito por pessoas que participaram ativamente dele. No calor da guerra, russos e americanos eram aliados, mas uma década depois já eram inimigos ferrenhos, só para dar uma idéia de como o distanciamento histórico é importante.

Li uma vez que cientistas já desenvolveram todo o conhecimento teórico para produzirem uma máquina do tempo – só falta encontrar a loja onde comprar as peças. Portanto, quando isso acontecer, e aí com certeza não será do meu tempo, poderemos ter a união entre o “calor dos acontecimentos” e o “distanciamento histórico”. Desta forma, um mestrando de História que quisesse se aprofundar nos seus estudos sobre a Inconfidência Mineira poderia pedir para passar uma semana na antiga Vila Rica (atual Ouro Preto) e voltar sem dúvidas, provavelmente um pouco sujo e, quem sabe, com um dos dentes arrancados pelo próprio Tiradentes. Sem anestesia, é claro.

9.07.2008

POR CAUSA DE UMA PIPA LILÁS


Um dia eu quebrei o dedão do pé e acreditei que aquela era a maior dor do mundo. Um dia, com oito anos de idade, correndo, quebrei o dedão do pé direito. Com oito anos de idade constatei que não-liberdade significava ter que ficar com um pedaço do corpo abafado por uma parede disforme e branca (que breve receberia as mais criativas pichações), enquanto as pernas sãs, bastante ou não tanto ligeiras, das demais crianças se gabavam no pique-pega. Com oito anos quebrei o dedão do pé direito e constatei que a maior injustiça do mundo era eu não poder mais ser bailarina, leve.

Após oito enigmas indecifráveis, com os anos que pude ter até então, percebi que o que há de pior é aquilo que não dói tanto e que, portanto, não pode ser considerado “a maior dor do mundo” em algum momento. É aquilo que se encaixa nas horas. Cabe nos dias. Nos anos. Aquilo que não sobra e nem sequer precisa. Nem sequer precisa de uma pipa lilás cambaleante levantando vôo, numa aquarela viva emoldurada pela janela do meu quarto — precisa epifania. Não precisa. Nem sequer quer do mundo um bem-me-quer.

BRUNA MITRANO (www.deliriolilas.blogspot.com)

8.25.2008

EU PROMETO!


Para uns, a propaganda política na TV é humor garantido; para outros, coisa séria, mas para a grande maioria sobra apenas a indiferença. E talvez o motivo principal seja a constante repetição dos velhos bordões de promessa. Eis aqui alguns deles, separados por categorias, na campanha do Rio de Janeiro.

SÚPLICAS

Por isso, precisamos do seu voto/Conto com o seu voto/Peço o seu voto/Pode me cobrar

MUITO PRAZER

Você me conhece/Sou um legítimo representante do povo/Vote em quem você conhece/Agora é a nossa vez/Esse é o cara!/Esse não promete. Faz!

MUDANÇA

O Rio precisa mudar/Vote na renovação/O Rio tem jeito/O Rio merece o melhor/Juntos, lutaremos para mudar este quadro

DEIXA COMIGO

Vou defender seus interesses/Pode contar comigo/Pelo respeito ao cidadão/Há oito anos trabalhando em prol da comunidade

E EU COM ISSO?

Sou casado e tenho dois filhos/Trabalhei a vida inteira/Tive uma infância pobre/Sou candidato pela primeira vez

LUGAR COMUM

Transporte barato e de qualidade/Oportunidades para todos/Saúde, educação e emprego/A maior riqueza de uma nação é a educação/Pelo direito da criança e do adolescente/Vou ampliar a verba da educação e da saúde e aumentar os salários de médicos e professores

NOVAS PROMESSAS

Pelos portadores de necessidades especiais/Em defesa da terceira idade/Lutar pelos direitos dos gays e das lésbicas

CHOQUE DE CULTURAS


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 23 de agosto de 2008)

Escritor viajante, Paul Theroux explora o tema sem cair na armadilha dos clichês

A suíte elefanta
, de Paul Theroux. Tradução de Fernanda Abreu. Editora Alfaguara, 308 pgs. R$ 44,90


O americano Paul Theroux é famoso por seus relatos de viagem e talvez por isso mesmo ele faça do “choque de culturas” o tema das três novelas deste livro, no caso entre americanos endinheirados e uma Índia “faminta, a Índia da luta, a Índia em conflito consigo mesma”.

Embora livros deste tipo costumem ser uma cilada de clichês e estereótipos, o autor consegue se sair muito bem. Afinal, Theroux não é um viajante de folhetos de agência, que passeia em grupos pelos principais pontos turísticos de um país sempre acompanhado de um solícito guia que evita qualquer contato direto com a cultura local, privilegiando, aí sim, os clichês e estereótipos de uma viagem convencional (Torre Eiffel, Big Bem, Cristo Redentor, Muralha da China etc). Ao contrário, ele faz de suas constantes viagens matéria-prima para o trabalho como escritor, indo ao encontro de lugares e personagens que serão fundamentais em seus livros.

Nesse caso, a Índia que surge nas três histórias é a Índia que não está nas páginas de economia dos jornais como um país emergente e uma futura potência, onde se ganha muito dinheiro e se realizam investimentos de todos os tipos. A Índia de Paul Theroux é a Índia da pobreza e da miséria, do trânsito confuso, dos pedintes e das prostitutas, da sujeira e do fedor, situada em torno dos hotéis de luxo onde se hospedam os americanos, verdadeiros casulos cercado de submissão e formalismo - a suíte elefanta do título.

Pois é quando saem destes casulos que os personagens do livro ganham força e acabam, no contato com a dureza das ruas e seus personagens que não desfrutam das benesses econômicas de um país emergente aos olhos de quem está de fora, encontrando respostas para seus próprios problemas íntimos.

Os massagistas da primeira história (“Colina dos macacos”), as prostitutas da segunda (“O Portal da Índia”) e o elefante da terceira (O Deus-Elefante”) auxiliam na busca dos personagens principais pelas suas próprias “porções individuais do mundo”, mostrando, de uma certa forma, que a viagem, mesmo que seja para o outro lado do mundo, pode realizar a transformação íntima que a pessoa talvez nunca conseguisse se não saísse do seu quintal, onde o contato freqüente com o outro trava, muitas vezes, qualquer possibilidade de distanciamento. “Gente falastrona tornava muito fácil para ele ser anônimo”.

Mesmo com essas considerações mais profundas, o autor não descuida do básico em histórias curtas: mantém o suspense sobre o destino dos personagens até os respectivos finais, sempre surpreendentes e carregados de tensão. A sensualidade e o erotismo, nem sempre velados, estão presentes nas três histórias como elementos que aceleram o esse mergulho íntimo, que em alguns casos, como no caso do executivo de “O Portal da Índia”, acaba dando uma guinada para a espiritualidade.

Há no livro uma crítica constante ao comportamento dos americanos, com seus “bonés de beisebol ao contrário”, ávidos pelo lucro que um país de um bilhão de pessoas e pouquíssimas garantias trabalhistas pode proporcionar. A personagem Alice, de “O deus elefante”, personifica esta crítica recheada de ironias, como quando ela ensina o inglês de telemarketing para trabalhadores indianos terceirizados de uma operadora de celular e se espanta com a mudança de comportamento provocada pelo sotaque metálico dos “call-centers”.

Alice é a “amiga feia da garota bonita”, que se afasta de sua amiga patricinha e interesseira e parte sozinha em busca do “algo a mais” que ela espera encontrar na Índia. Na multidão, ela entende melhor o prazer de se perceber completamente desconhecida, quando ninguém conhecia a sua história e nem sabia o seu nome. A libertação de “ser quem se quisesse ser”. O problema, como Alice e os demais personagens americanos do livro vão descobrir, é que a transformação que eles acreditam encontrar num país repleto de gente desconfiada em relação aos turistas nem sempre é prazerosa.

7.24.2008

O ÚLTIMO CIGARRO


Fernando Sabino fez de uma decisão de parar de fumar, “decisão assumida de repente, como a própria aceitação da morte”, material para duas crônicas bem ao seu estilo, recheadas de um humor contido e de comparações propositadamente exageradas. “O último cigarro” e “Depois do último cigarro”, publicadas no livro de crônicas “A falta que ela me faz” (Record, 9ª edição, 1981), são de um período em que o ato de fumar ainda era considerado charmoso e estava associado a jogos de sedução e até a atividades esportivas, vide anúncios publicitários da época, hoje terminantemente proibidos.

Naqueles tempos em que o movimento anti-tabagista não tinha nem de longe a força que tem hoje, os textos revelam as conseqüências deste verdadeiro (pelo menos para a época) ato de coragem do escritor, ou melhor dizendo, um ato heróico, “porque ainda me sinto como aquele condenado à morte, diante do pelotão de fuzilamento, a quem ofereceram o último cigarro”.

Entre os melhores trechos, estão as citações a outros dois colegas, de profissão e de tabagismo. Rubem Braga, por exemplo, é mencionado como exemplo de perseverança, capaz de olhar para um cigarro como se fosse uma mulher por quem foi apaixonado perdidamente e dizer, com a “olímpica indiferença” de quem já fumou quatro maços de cigarro por dia. “Não sei como é que eu pude gostar dessa mulher”.

Já João Condé representa aquele tipo de personagem muito comum nos contos e crônicas de Sabino, pitoresco e extremamente engraçado, exatamente por tentar levar a sério as situações mais absurdas. No caso, Condé resolve prometer aos santos de sua devoção que só fumaria em Caruaru. Apesar de, no início, viajar para lá com uma freqüência incomum, com o tempo vai diminuindo, ou melhor, regateando com os santos as dificuldades da promessa. De Caruaru, limita o alcance do seu direito de fumar para São Paulo, depois até Niterói e, por fim, resolve fumar só aos domingos, o que só aumenta a ansiedade das noites de sábado. “A partir da meia-noite dispara a fumar, até a meia-noite seguinte”.

Sabino, ao tomar decisão tão radical, anseia por nascer o homem novo, “sem sarro nos dentes ou nos dedos, e sem úlcera de estômago, distúrbio das coronárias, enfisema pulmonar”, todos os males que o artigo lido por ele coloca como fatores de risco para os fumantes, inclusive o de que os fumantes têm uma probabilidade duas vezes maior de morrer na meia-idade do que os que não fumam, afirmação que serve de mote para uma série de especulações estatísticas para lá de irônicas exatamente sobre a obsessão por estatísticas quando o assunto é saúde.

Por fim, o autor considera, placidamente, como se estivesse a fumar da janela de seu apartamento, hábito que ele considerava dos mais prazerosos, que “não há outros vícios que eu possa abandonar, a não ser o de viver”, pois, como afirma, viver também é morrer um pouco, pois “faz cair os cabelos e os dentes. Provoca rugas na pele, flacidez nos músculos e artrite nos ossos”.

O mais interessante nos contos e crônicas de Fernando Sabino é que, apesar de a grande maioria deles terem sido escritos há mais de 30 anos, não ficaram datados. Pois mesmo num assunto que hoje carrega uma abordagem completamente diferente, como o hábito de fumar, nas suas mãos ainda apresenta o aspecto de um texto escrito hoje, época em que os fumantes se sentem cada vez mais acuados em seus poucos rincões. E o humor, sempre presente em suas crônicas, aqui encontra terreno dos mais férteis para se manifestar sem deixar de provocar a devida reflexão, mesmo que venha espremida entre sonoras gargalhadas.

7.16.2008

DOS MAGROS BUCÉFALOS AOS BURROS SEM RABO


Ligando a Praça Tiradentes ao Largo da Carioca, dois dos pontos mais simbólicos da História da cidade, a rua da Carioca teve seu início num caminho primitivo chamado de rua do Egito, “ou porque houvesse nas proximidades um oratório em que se venerava a Família Sagrada fugindo de Herodes, ou porque os cavaleiros que por ali passavam eram magros bucéfalos, lutando contra a natureza arenosa do terrenos, se vissem em apuros e risco de quebrar as costelas. E o carioca, sempre propenso a pilhérias, dizia que os tais eram ´para o Egito´”. (1)

Isso foi lá pelos idos do século XVII, antes de 1667, quando ela ficava no caminho dos que iam buscar água no antigo chafariz do Largo da Carioca. O chafariz recebia água do Aqueduto da Carioca, de 1723 (que depois seria conhecido como os Arcos da Lapa), e deu muito trabalho ao Corpo da Guarda instalado no local, “pois os escravos acotovelavam-se para passar a frente uns dos outros, o que degenerava em pancadaria. A função da Guarda era colocar os escravos em fila, em boa ordem. Foi a primeira instituição da fila no Rio de Janeiro”.(2)

A rua mesmo foi aberta em 1698 e manteve o nome de rua do Egito até o século XIX, quando mudou para outro nome bastante peculiar, o de rua do Piolho, isto por causa de um proprietário de casas na rua e procurador, “terrível chicanista e amigo de demandas”, (1) que recebeu o apelido de Piolho por andar pelos cartórios e tribunais em busca de causas de todo o tipo, “como piolho em costura”.
(1) Este nome foi mantido até 1848, quando a Câmara Municipal a denominou como a conhecemos hoje. Mesmo assim, ainda mudou de nome algumas vezes, para rua São Francisco da Penitência (1879), rua São Francisco de Assis (1882), rua Presidente Wilson (1918) e, enfim, de novo e definitivamente para rua da Carioca, em 1919.

A rua, que fica aos pés do Convento dos frades franciscanos, teve sua origem em 1741, quando o convento cedeu um terreno de 20 braças de frente para o largo de 200 de fundo para a rua, a fim de que a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência levantasse um hospital. Foi nessa época que começaram as edificações. O caminho, que ia até a Travessa dos Baiotas (atual rua Silva Jardim), foi prolongada pelo vice-rei D. Antônio Álvares da Cunha (1763-1767) até a já aterrada Lagoa da Sentinela, no lado esquerdo da rua Frei Caneca.

Em 1905, ela teria a configuração atual, quando foi alargada na reforma urbanística empreendida pelo prefeito Pereira Passos, e foi nessa época mais ou menos que os “burros sem rabo”, homens que transportavam carrinhos de mão tornaram-se figuras marcantes do centro da cidade, aproveitando os trilhos de bitola estreita das ruas (inclusive os da Carioca) para transportarem seus carrinhos. Até hoje, embora não haja mais trilhos e eles circulem pelo asfalto mesmo, são conhecidos assim no centro da cidade.

Após a restauração feita nos anos 90, quando foi recuperada inclusive a cor original dos pequenos sobrados, a Carioca pôde recuperar o status de uma das ruas mais representativas da História do Rio, e que hoje abriga, além do comércio em geral, alguns dos estabelecimentos dos mais tradicionais do centro do Rio, como o Bar Luiz, os cines Íris e Ideal e a loja Guitarra de Prata.

LIVROS CONSULTADOS

(1)– O Rio Antigo (vol.1) – Dunlop

(2)- O Rio de Janeiro em seus 400 anos – artigo “O Rio no século XVII”, de Cláudio Bardy


* Foto de Augusto Malta sobre o alargamento da rua da Carioca, já com os "burros sem rabo".

REMOS, RIMAS E RUMOS


PRESENTE

Eu calo
Tu calas
Ele cala
Nós calamos
Vós calais
Eles falam
e mandam...

TENHO DITO

O progresso
do recesso
que faz parte
do processo
é o sucesso
do abscesso.

Eu confesso:
estou possesso!
Minha Nossa Senhora.
De Bonsucesso!

CONTAGEM REGRESSIVA

Angra III
Angra II
Angra !

Bum!!!


RIOCENTRO

Riocentro,
fragmento!
Riovento,
meteoro...!
Riolento,
cata-vento!
Rio, tento...
não decoro!


ESTÁDIO DE CALAMIDADE

Circo?
Além da hora e meia...
pra camuflar o pavio.
Conseqüência:
casa cheia
...para um povo
bem vazio!


Extraído do livro "Remos, rimas e rumos",

de Paulo Plimma

Março de 83

7.08.2008

OS POLEMISTAS GRATUITOS (ou a arte de falar m...)


As farpas lançadas pelo escritor colombiano naturalizado mexicano Fernando Vallejo na última Flip, quando disse que Ingrid Betancourt buscou seu seqüestro e que preferiria que “aquela mulher horrível continuasse presa”, provocou grande polêmica. Mas, se analisarmos friamente, esta declaração faz parte, sem dúvida alguma, do universo dos polemistas gratuitos.

Os polemistas gratuitos são espaçosos. Pode ser um evento pequeno, com apenas dez pessoas, incluindo o palestrante. Mesmo assim o polemista gratuito precisa estar onipresente e onisciente. Ou seja, não deixa de ser um egoísta, pois não quer deixar ninguém falar algo que preste. Ele quer que apenas a sua voz, a opinião ressoe como a verdade fundamental.

Muitas vezes o polemista gratuito acaba até se tornando necessário. Isso acontece em eventos chatos, onde todos assumem posições politicamente corretas em excesso, o que é péssimo para a imprensa, pois não sobra nenhuma manchete interessante. O problema é que o polemista gratuito, depois de soltar suas bravatas e garantir as manchetes dos jornais, acaba se tornando mais um chato, pois uma de suas principais características é não saber a hora de parar no auge e despejar sem limites o seu rancor e a sua rabugice até que todos se cansem e se afastem dele.

Geralmente o polemista gratuito gosta de provocar escândalo quando está perto de lançar um disco, um livro, perto de estrear um show, ou quando se sente em posição secundária durante algum evento. Suas opiniões são dadas de forma estudada, procurando sempre atingir um tema que mexa com a emoção popular e, de preferência, que cause algum tipo de raiva ou rancor. E aí, quando alguém for perguntar quem é o autor de tal livro, por exemplo, o vendedor, ou quem estiver por perto, vai poder dizer: “Ah, é aquele cara que meteu o malho em fulano de tal. Não lembra?” É a glória do reconhecimento para o polemista gratuito.

Quando dois polemistas gratuitos estão presentes ao mesmo evento, raramente eles juntam forças. Vaidoso por natureza, ele quer todas as glórias para si, quer ser o causador da ´grande polêmica´, aquela que vai sair com a foto em destaque no jornal, geralmente em poses bastante típicas, como a do queixo apoiado na mão, a leitura de um livro ao lado de uma janela, ou uma baforada de cigarro (ou charuto) acompanhada de um olhar contemplativo para o teto.

O polemista gratuito, no entanto, precisa tomar cuidado para que a sua tentativa de chamar a atenção não caia na banalidade, senão onde ele aparecer vai ter sempre alguém falando: “Ih, lá vem aquele cara falar m...”. Nestes casos, o polemista gratuito já se tornou uma figura bizarra, decadente e incapaz de provocar uma polemicazinha que seja. Vai vagar pelos salões, auditórios e tendas tentando provocar efeito com tiradas pseudo-inteligentes, mas o máximo que vai conseguir serão olhares de desprezo, deboches ou, em casos extremos, a retirada do recinto por seguranças de terno, óculos escuros e fone no ouvido.

- Ilustração de Nássara para o disco de Roberto Paiva e Francisco Egydio que tinha como temática a briga entre Noel Rosa e Wilson Batista.

POESIA DE BUTECO


aí né...lá tava eu num buteco.
dancei com a filha do neco
bebi chop no caneco,ela quase teve um treco!
aí né...levei ela num quarto vazio
ela gritava com eco,a cama fez reco reco
e quando acordei de manha
a filha do neco teve um buneco.
aí né...lá tava eu no buteco.
o neto no colo do neco
o neco olhando pro teto
o teto pingando no neto
o neto chorando de eco
eu bebendo os canecos
aí né...lá tava eu num buteco
me confessei com o padreco
perdi a mulé pro maneco
seu neco criou o seu neto
perdi tudo fiquei sem teto
juntei meus trapos e cacarecos
e fui morar no buteco.

CARLOS ALEXANDRE (DOCA)

- Foto: capa da sexta edição do guia "Rio Botequim", da editora Casa da Palavra.

6.30.2008

UMA FRASE INFELIZ


Uma das frases mais infelizes da História do Brasil foi dita pelo ex-presidente Washington Luiz, que governou o país de 1926 a 1930: "Governar é construir estradas”. Está aí o resultado: acidentes, engarrafamentos, estresse, poluição e propaganda de carro.

Se Washington Luiz, que por ironia dá nome a uma rodovia federal com grande número de acidentes no Rio de Janeiro, tivesse dito que “governar é construir ferrovias”, com certeza teríamos uma situação bem melhor no item transportes. Mas quem disse isso, ou melhor, quem fez isso foi Irineu Evangelista de Sousa, o Barão, e depois Visconde, de Mauá, 70 anos antes, o pioneiro em construção de estradas de ferro no país.

Infelizmente, as oligarquias atrasadas deram uma rasteira em Mauá e, mais tarde, a matriz energética baseada no petróleo impôs a opção pelas rodovias, geralmente mal planejadas, cada vez mais esburacadas ou, pelo menos nas que estão em bom estado, quase proibitivas por pedágios caríssimos.

São inegáveis as vantagens do transporte ferroviário: é mais rápido, não tem engarrafamento (quando muito, um atraso de sinal), é limpo (não polui o ar), carrega muito mais gente e, no caso do transporte de cargas, evita o desperdício de grãos caindo dos caminhões na estrada.

O trânsito carioca, por exemplo. Sem dúvida lembra muito um clássico desenho do Pateta que sempre passava na televisão (e talvez ainda passe nos canais por assinatura). É a história de um sujeito completamente pacato, incapaz de um ato violento, mas que quando entrava no automóvel lembrava as transformações de “o médico e o monstro”. Bufava, arregalava os olhos, soltava fogo pelas ventas, e ai de quem estivesse pela frente. Fazia do carro uma arma de algumas toneladas, o que, infelizmente, acontece com freqüência nas estradas brasileiras, que com certeza são piores do que o cenário descrito no desenho, pois pelo menos ali o simpático e desajeitado personagem de Walt Disney não ingeria bebida alcoólica.

Como o transporte público deixa a desejar, já que não é baseado nos trens, ideais para o transporte de massas, pois são muito mais espaçosos, rápidos e não poluem o ar, as soluções que surgem para o grande número de carros nas ruas são sempre paliativas, como o rodízio de placas em São Paulo. Além do quê, a cada ano a indústria automobilística bate recordes de produção, principalmente depois que aumentou o prazo de investimento para a compra de carros. Basta ver a quantidade de estacionamentos (talvez a forma mais eficiente de se ganhar um dinheiro rápido com o mínimo de custos) que surgem todos os meses. Duvido que ao passar pelo centro de uma grande cidade pelo menos uma vez você não tenha que parar na calçada para um carro sair ou entrar de um deles.

E como as ruas nas grandes cidades não podem ser mais alargadas, e o brasileiro, como diz uma dessas inúmeras propagandas entusiastas do transporte automotivo, é apaixonado por carro, o caos completo já está bem próximo. A não ser que, para citar um outro desenho animado, em breve circularemos naqueles veículos da família Jetsons, pelo ar, mas aí poderemos ter graves acidentes com os helicópteros, que cada vez infestam mais os nossos céus.

6.28.2008

PROTEÇÃO


Atravessa a rua
Atravessa a rua, com pensar
Rio Branco, Presidente Vargas
O que fizeres de tua vida
Irá pesar


Alguém grita:
- Sai da rua, é avenida!

(Mas caminho por caminho
O que importa não é a extensão
E, sim, como se anda nele)


Depois de atravessar a rua, avenida, caminho,
Segue em frente, não estranha a morada dos mortos
Que tu sentes e que te causa horror.
Pega na mão que te oferecem,
Confortável e materna –obedece

Sobe, agora, a ladeira, sem desviar
Pela legião de durmientes, soturnos,
Em seus casulos a espreitar.

Segue, segue em frente, escuta a voz
a te orientar
Cruzando o aclive de santos:
-Santa Lucía, bendiga los ojos de mi hija
Para mirar más allá!


ALINE CANEJO

6.19.2008

SEÇÃO DE GASTRONOMIA (APENAS PARA ESTÔMAGOS FORTES)


A ESTÉTICA DO PODRÃO

Muitos o chamam de bate-entope, MacPombo, ou outros nomes mais sugestivos, porém ele é mesmo mais conhecido como podrão. Trata-se de qualquer guloseima (geralmente um ´x´ qualquer coisa) que provoca duas sensações naquele que o consome: a primeira, é a satisfação imediata da fome; a segunda, algumas horas depois, é o arrependimento e a promessa de que nunca mais irá incorrer em tal erro. Mas passam-se alguns dias e lá está ele de novo, consumindo o podrão.

O ´x´ da questão, como qualquer consumidor de ´fast-food´ de rua sabe, vem da simplificação do cheese, queijo em inglês, que de ´cheeseburger´ virou x-burguer e depois x-burg, passando a denominar o maior de todos os podrões: o x-tudo, que, como o próprio nome diz, engloba realmente tudo que se possa pensar. São, geralmente, três pedaços de hambúrguer, ovo, presunto, queijo, batatas fritas, alface, cebola, tomate, bacon e o que mais a imaginação do vendedor oferecer.

Confesso que já consumi alguns podrões, principalmente durante a madrugada após uma saída, sem nenhum lugar aberto, que é quando o podrão aparece como a única opção para resolver aquela fome devastadora. Na verdade, acredito que muita gente, principalmente contínuos que precisam comer algo rápido na rua, desenvolvem uma espécie de resistência aos podrões. Desenvolvi essa resistência quando comi, há muitos anos, um salgadinho na Central do Brasil na época em que as lanchonetes da Central assustavam qualquer um. Hoje não.

Muitos podem indagar se o cachorro-quente também não é um podrão e eu respondo, sem sombra de dúvida: o cachorro-quente, que muitos também chamam de dogão, está na categoria dos podrões mais antigos e o primeiro a ser incrementado, deixando para trás o tradicional pão com salsicha (ou lingüiça) e molho de tomate, pimentão e cebola, para abrigar em sua forma estreita produtos de grande diversidade, resultando daí numa mistura cujo maior mérito, tanto para quem vende quanto para quem compra, é manter o produto em perfeito equilíbrio. É claro que sempre ocorrem algumas quedas de petiscos, o que os vira-latas de plantão, sempre atentos, agradecem.

Para aqueles que nunca comeram um podrão, mas têm curiosidade, o único conselho que dou é: cuidado! O organismo que não está acostumado pode sofrer um revertério daqueles de expulsar as tripas. Mas se a pessoa realmente quiser, é melhor começar aos poucos. Um churrasquinho de gato aqui, um joelho acolá, quem sabe um pastel de vento e uma coxinha, quem sabe...mesmo assim o podrão é sempre um risco, até para quem já está acostumado. Eu, que há muito tempo não o consumo, acho melhor não arriscar. Prefiro sempre, após uma saída noturna, esperar para chegar em casa e encarar o velho e tradicional miojo (também conhecido por alguns como ´que nojo´), o verdadeiro bálsamo da madrugada.

5.29.2008

A ESTÁTUA POR TRÁS DOS ÓCULOS


O quarto roubo dos óculos da estátua de Carlos Drummond de Andrade, na praia de Copacabana, no último dia 22, mostra que há uma deliberada intenção de evitar que o “poeta por trás dos óculos” “veja” o que acontece à sua volta.

O Rio que Drummond adotou como sua cidade já não existe faz tempo. E a impressão que passa é que o Rio de Janeiro em que o poeta cumprimentava as pessoas nos seus passeios pela orla de Copacabana, sem medo de balas perdidas, caminha placidamente da civilização à barbárie.

É claro, não sejamos ingênuos de achar que a cidade era um paraíso. Havia violência, corrupção, drogas, crescimento desordenado das favelas, injustiça social etc, basta olhar as colunas do tipo ´Há quarenta anos´, mas talvez a maior diferença entre estas épocas, pelo menos é o que falam os mais velhos, é que hoje há muito mais falta de educação nas ruas do que antes.

Na orla que Drummond costumava freqüentar, por exemplo, além de ninguém precisar se desviar de balas perdidas ou de algum carro que fosse parar na areia, havia uma cordialidade que hoje parece patética se alguém tentar reproduzi-la. Experimente dar ´bom dia´ para um desconhecido na rua e veja o que acontece.

O poeta, que era um profundo observador do cotidiano, seja do seu banco, na orla de Copacabana, ou nas andanças pelo centro da cidade, onde trabalhava como funcionário público, não gostaria de ver a selvageria do trânsito, a ação dos flanelinhas, a barulheira dos carros de som que saem de todos os lugares, os assaltos constantes a turistas em plena luz do dia, a ostentação artificial daqueles que viram ´celebridades da noite para o dia´...e por aí vai.

Talvez Drummond, que também era contista e cronista, conseguisse extrair humor de algumas destas situações, como muitas vezes ele fazia, mesmo ao falar de pequenas tragédias. Assim como ele perguntou em “Rio em flor de janeiro”, “que mudou nesta cidade da noite para o dia?”, referindo-se às flores da cidade, talvez fosse preciso refazer a pergunta e se esquecer de tentar encontrar a resposta, tão difícil e complexa que parece ser.

O Rio, que corre “pela nossa vida, como sangue, como seiva” (“Canto do Rio em sol”), agora é incapaz de lhe emprestar uns óculos para que ele conseguisse tentar decifrar o que se passa. Sem os óculos, a estátua de Drummond está em harmonia com a realidade que a cerca, uma realidade míope e tosca de uma cidade em que a civilidade já foi um hábito. Mas de repente, quem sabe, os ladrões que roubaram os óculos da estátua podem estar fazendo um favor involuntário ao poeta, que assim pode continuar no seu posto preferido de observador mas sem poder observar as tantas "pedras no meio do caminho" da cidade que tanto amava.

Só espero que aquele Rio de Janeiro onde Drummond viveu não tenha se transformado apenas em quadro na parede, como a Itabira do poeta mineiro.

5.05.2008

CAPITU NÃO TEVE CHANCE


Passa um tempo e a pergunta volta: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Neste ano então, em que se completam os cem anos da morte de Machado de Assis, ela vai se fazer muito presente. Mas a questão central desta polêmica que já dura mais de 100 anos (“Dom Casmurro” foi lançado em 1900) raramente é mencionada.

Quando alguém é acusado de alguma coisa, o máximo que se espera é que tenha chance de se defender. Mas Capitu não teve esta chance, pois “Dom Casmurro” nada mais é do que a versão de Bentinho pura e simples. Lembremos que o livro começa com Bentinho dentro do trem, dirigindo-se ao bairro do Engenho Novo, no subúrbio do Rio, e que na época era um local ideal para quem queria se isolar do burburinho do centro da cidade.

A meta de Bentinho é escrever a “História dos subúrbios”, mas o que ele faz mesmo é contar a grande amargura da sua vida, a traição da mulher que ele amou desde a infância passada junto com ela na rua de Matacavalos (atual rua do Riachuelo). Bentinho está velho, isolado, amargurado e provavelmente com lapsos de memória. Mas assim mesmo escreve a sua versão sobre o que ocorreu, a mesma versão que até hoje causa polêmica através da pergunta: Capitu traiu ou não traiu?

Portanto, para começarmos a tentar descobrir a “verdade sobre os fatos”, teríamos de pelo menos ouvir a versão de Capitu e de Escobar, seu suposto amante, o que Machado torna impossível, pois quando Bentinho começa a contar sua história os dois já estão mortos.

O escritor Fernando Sabino chegou a fazer uma recriação de “Dom Casmurro” sem o narrador original, em terceira pessoa, no livro “Amor de Capitu”. Há quem goste deste tipo de especulação e eu respeito, mas acho que a continuação de uma obra de arte só pode ser feita pelo autor da obra de arte, e isto vale também para a música e o cinema (não tiveram a coragem de fazer uma continuação de “Casablanca”?).

As suposições de Bentinho são mostradas principalmente em alguns trechos do livro, como neste, em que Bentinho recebe a visita de seu suposto filho Ezequiel, mas que para Bentinho...“Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar” (Cap. 145). Ou esta, ainda envolvendo Ezequiel: “Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel” (Cap. 139).

Depois de um tempo de casamento feliz com Capitu, de uma vida “mais ou menos plácida” (Cap. 105), começam as desconfianças de Bentinho em relação a Capitu e Escobar, que terminam de forma trágica e melancólica, com Bentinho dizendo que “a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me...A terra lhes seja leve! Vamos à História dos Subúrbios” (Cap. 148).

Mas, como foi dito, este é o desfecho de um relato repleto de rancor e melancolia feito por um homem desprezado pelos vizinhos e que logo no início do livro irrita um passageiro no trem. Num estado como esse, até que ponto é possível acreditar na sua versão sobre uma frustrada história de amor? Esta sim é que me parece a questão central de "Dom Casmurro" e não a velha pergunta citada no início.

4.21.2008

MARKETING DE QUITANDA


Contra o gerundismo do tipo “vou estar encaminhando sua ligação, senhor”, a abordagem de rua (“empréstimo, senhora?”) e em lojas (“Deseja alguma coisa, senhor? Meu nome é William.”), a única solução é o Marketing de Quitanda.

O Marketing de Quitanda nada mais é do que a abordagem da informalidade e da gentileza. As frases decoradas, a entonação metálica, os gestos artificialmente formais, ou seja, todo esse cerimonial que os aspirantes a vendedor são obrigados a aprender como se fosse o procedimento ideal para se oferecer algo a alguém cai por terra quando temos contato com o Marketing de Quitanda.

Na verdade, não existe um método próprio para este tipo de abordagem. Depende da quitanda. Geralmente, quando entro numa, ninguém me perturba. Só depois de um tempo, alguém pode chegar e perguntar, de um jeito bem natural, sem qualquer tipo de formalidade e com um sorriso sempre amigável: “Pois não, meu amigo?”. É digno de observar que nas quitandas mais tradicionais o dono use um lápis preso atrás da orelha.

Se você disser que está só olhando, o sujeito não vai demonstrar nenhuma reação previamente programada, apenas vai dizer algo do tipo: “Pode ficar à vontade, qualquer coisa estou ali no balcão”. E vai embora, como se tivesse lhe deixado numa sala de visitas.

Faço essa comparação porque a abordagem realmente é o segredo da venda, mas o que o pessoal que ensina técnicas artificiais de vendas parece não saber, ou ter se esquecido, é que a não-abordagem também faz parte do processo. Deixar alguém à vontade numa loja, mesmo que ela não vá comprar nada, é muito mais eficiente do que, mal a pessoa entrou no recinto, às vezes só querendo “dar uma olhadinha”, já cercá-la e exercer um tipo de pressão nada agradável, como se estivesse dizendo: “Estamos de olho em você, acho bom comprar alguma coisa logo!”

Por isso, acho que os profissionais de marketing deveriam fazer uma boa pesquisa de campo nas quitandas mais tradicionais. É claro que alguns padrões precisam ser respeitados, mas dar um pouco de individualidade e libertar a capacidade de improviso dos vendedores já é um bom passo em direção ao Marketing de Quitanda.

4.10.2008

TRÊS GERAÇÕES UNIDAS PELA MÚSICA


CD E DVD "UM SONGBOOK BRASILEIRO" - FAMÍLIA ASSAD - ROB DIGITAL

Gravado e filmado ao vivo no Palácio de Belas Artes, em Bruxelas, o CD e DVD “Um songbook brasileiro”, da Família Assad, emociona por vários motivos. Primeiro, pelo fato de reunir no mesmo palco três gerações de músicos, principalmente quando entram em cena os patriarcas Jorge (bandolim) e Angelina Assad, a dona Ica, cujo jeito de cantar a levou a ser chamada de ´Billie Holiday brasileira´ por um jornal americano. Segundo, porque o repertório traz canções de uma beleza incontestável, como “Rosa”, de Pixinguinha, “Doce de côco”, de Jacob do Bandolim e “Casa forte”, de Edu Lobo. E terceiro, porque é sempre emocionante ver a música brasileira tão bem representada em palcos estrangeiros.

A família é centrada nos irmãos Sérgio, Odair (o duo Assad, um dos principais duos de violão clássico do mundo) e na cantora e violonista Badi Assad, outra virtuose que sabe explorar todo o imenso repertório de sons de sua cordas vocais. A terceira geração é representada por Clarice e Rodrigo (filhos de Sérgio) e Carolina e Camille (filhas de Odair). Clarice, que estudou música nos Estados Unidos, onde mora e acaba de lançar um CD, demonstra uma impressionante habilidade vocal e instrumental (piano) principalmente nas duas músicas de sua autoria, “Ondas” e “Ad Lib” (esta acompanhada do Duo). Rodrigo, que estudou cinema, traz um estilo mais despojado em “O silêncio das estrelas”, de Lenine, em que canta e toca violão. Já Camile e Carolina fazem parte do coro afinadíssimo, sendo que Carolina despeja sua bela voz na interpretação de “Todo o sentimento”, de Chico Buarque, acompanhada do pai. Ela também faz parte do grupo vocal carioca “Be Bossa”.

Os arranjos criativos, tanto vocais quanto instrumentais, facilitam a integração e harmonia dos integrantes da família, que funcionam como um grupo coeso e para lá de afinado. A montagem do show dá oportunidade para que todos possam exercer suas individualidades. Se o show começa com o virtuosismo do Duo (“Baião Malandro”, de Egberto Gismonti) e de Badi, que canta e toca com seu violão deitado (“The being between”, dela e de Jeff Young), aos poucos os demais integrantes vão chegando, como se tivessem sido convidados para um farto almoço na cidade paulista de São João da Boa Vista, base da família, sendo que neste caso o cardápio é o melhor da música brasileira - constantemente assolada por modismos bizarros.

O medley final - com o bandolim de Jorge Assad já tendo assumido, discretamente, o papel de fio condutor do espetáculo (afinal, ele é o chefe da família) - representa a apoteose de um espetáculo de altíssimo nível, começando com “Lamento”, de Pixinguinha e Vinicius de Moraes, e terminando com “O que vier eu traço”, uma irreverente composição de Alvaiade e Zé Maria e que traz como destaque a voz firme e melodiosa de dona Ica, cujo primeiro CD foi lançado recentemente.

É uma pena que seja tão difícil reunir os Assad, já que todos moram longe uns dos outros. A julgar pelo sucesso da excursão feita em 2004 pela Europa e Estados Unidos, e dos shows no Ibirapuera e no Canecão, em agosto de 2007, dá para imaginar o sucesso que seria uma temporada pelos palcos brasileiros.

3.22.2008

VOSSAS EXCELÊNCIAS E OS LADRÕES DE GALINHA



Um dos momentos mais inusitados do Congresso Nacional é o da discussão entre as vossas excelências. É quando os parlamentares quase chegam aos sopapos em acaloradas discussões, muitas vezes com xingamentos, mas sem perderem a pose. Ou seja, no início ou no final de cada frase de baixo calão está a indefectível expressão “Vossa Excelência”. Mas, e se no cotidiano as discussões também fossem nesse nível?

Uma briga de casal, por exemplo:

- Vossa Excelência chegou tarde ontem...
- Não te falei, Vossa Excelência, que era aniversário do Araújo?
- É...Vossa Excelência deve ter curtido bastante...
- Sinceramente, Vossa Excelência, não estou a fim de brigar por causa de bobeira. A sessão está encerrada. Vou dormir, Vossa Excelência.

No trânsito:

- Vossa Excelência comprou a carteira aonde?!
- Na casa da senhora Vossa Excelência sua mããee...!!!

Na hora do erro na conta:

- Vossa Excelência incluiu na minha conta uma cerveja que eu não bebi.
- Como não, Vossa Excelência? Está tudo certo.
- Mas, Vossa Excelência, eu não bebo cerveja preta. Acho bom Vossa Excelência chamar o gerente desta espelunca que eu já tô me irritando.
- Se Vossa Excelência não se acalmar, eu vou é chamar a polícia.
- Ah, chama então, pra ver se eu não quebro a cara de Vossa Excelência!

Na pelada

- Pô, pegou pesado, hein, Vossa Excelência!
- Vossa Excelência sabe que fui na bola.
- Foi sim. Depois, Vossa Excelência chora e não sabe por quê.

No ônibus
- Obrigado, hein, Vossa Excelência! Meu ponto era lá atrás.
- Vossa Excelência quer que eu adivinhe?
- Eu puxei a cordinha, Vossa Excelência, mas essa porcaria não funciona.
- Ah, Vossa Excelência tem que reclamar é com a empresa. Ó o telefone aí, ó!
- É, e Vossa Excelência tem mais é que pastar, isso sim! (e desce do ônibus)

Advertência no trabalho

- Se Vossa Excelência continuar chegando atrasado, já sabe, vai para o olho da rua.
- Mas, Vossa Excelência, foi o trânsito!
- Não interessa. Vossa Excelência trate então de acordar mais cedo. Isso aqui não é casa de caridade!

Na prisão daquele que comete o crime que mais leva gente para a cadeia neste país

- Vossa Excelência tá preso.
- Que isso, Vossa Excelência, não fiz nada?
- E isso aqui, Vossa Excelência (mostra uma galinha)? Tava no seu quintal.
- Ela deve ter vindo parar aqui, Vossa Excelência, eu sou trabalhadô.
- Não adianta, Vossa Excelência, a galinha já confessou que foi subornada por um saco de milho. Vâmo andando que Vossa Excelência tá mais sujo do que pau de galinheiro.

3.12.2008

UM SÍMBOLO COM PASSADO E FUTURO


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em oito de março de 2008)

Obra lembra as histórias e a importância do Jardim Botânico desde sua criação

O jardim de D. João,
de Rosa Nepomuceno. Editora Casa da Palavra, 176 páginas. R$ 58


Símbolo dos mais marcantes da presença do príncipe-regente D. João no Rio de Janeiro, há 200 anos, o Jardim Botânico permanece como uma das maiores atrações turísticas da cidade. E a autora deste livro, que o freqüenta desde a infância, conta sua história dando ênfase aos cientistas que passaram por lá e fizeram do espaço no coração da zona sul carioca um dos mais queridos da cidade.

D. João, uma espécie de “Nabucodonosor dos trópicos”, mandou adquirirem o terreno onde ficava o engenho de Rodrigo de Freitas, às margens pantanosas e infestadas de mosquitos da lagoa que mais tarde levaria o nome do antigo dono da fazenda, em decreto do dia 13 de junho de 1808. Ali seriam instalados o Real Horto e a Real Fábrica de Pólvora. Sem estradas ou trilhas decentes, aquela região era completamente inóspita para os cariocas, que se concentravam na área central da cidade. O próprio D. João, para conhecer o terreno, precisou pegar um barco e atravessar a lagoa, pois era o único caminho razoável.

Para mostrar como o Real Horto se desenvolveu, Rosa utiliza um termo que não existia na época: a biopirataria. Afinal, o roubo de mudas e sementes era mais do que comum e o horto foi criado por razões puramente econômicas, pois D. João, influenciado pelo ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Linhares, queria criar um jardim de aclimatação para as especiarias, tão preciosas na Europa e que eram buscadas na distante Índia. As especiarias, como o cravo, pimenta e a canela, eram fundamentais para a conservação dos alimentos numa época sem geladeiras ou isopores. Nas grandes navegações, elas eram fundamentais para que a carne, já de qualidade bastante duvidosa, não estragasse de vez.

Das primeiras plantas, chegadas em 1809 contrabandeadas pelo oficial Luís de Abreu e Paiva, até os dias atuais, quando o Jardim Botânico, ocupando área bem inferior à original e sofrendo a ação contínua dos “gafanhotos”, visitantes que insistem em degradar o local, espalhando lixo pelas aléias, roubando mudas e riscando troncos de árvores com nomes de casais, Rosa Nepomuceno cita diretores importantes, como Frei Leandro do Sacramento, Barbosa Rodrigues, Pacheco Leão e botânicos que se aventuraram pelo Brasil e o exterior em busca de mudas e sementes que enriqueceriam o arboreto do jardim, como Freire Allemão, Carl von Martius, Johann von Spix e Auguste Saint-Hilaire. Todos, fundamentais para que o jardim se desenvolvesse de forma harmônica e seguindo preceitos científicos e não apenas econômicos.

Histórias como a do cultivo do chá, feito por 300 chineses que não revelavam sua técnica para ninguém, e que depois seria transferido para a Fazenda de Santa Cruz; a visita de Albert Einstein em 1926, quando, segundo dizem, ele teria abraçado e beijado um pé de jequitibá-rosa, e o contrabando de sementes da Palmeira Imperial por escravos dão uma leveza ao texto e o equilibram com as informações mais técnicas, indispensáveis a um estudo deste porte.

Ao mesmo tempo em que conta a história do jardim, a autora o contextualiza com a evolução urbana da cidade, que em meados do século XIX começa a se acelerar, principalmente após a chegada dos bondes e diligências e a melhoria das vias de acesso, que trouxe mais gente àquela região ainda meio selvagem e, com isso, mais problemas. Para se ter uma idéia, basta citar o regulamento de 1838, que trazia recomendações ao público, como o de evitar tomar “bebidas espirituosas” e “dar tiros dentro do Jardim ou em sua vizinhança”.

O mais importante neste livro, que conta com uma descrição detalhada das principais árvores e três roteiros de visitação, é valorizar não apenas o aspecto estético e a importância turística do Jardim Botânico, mas principalmente o seu caráter de espaço de estudos científicos, reunindo profissionais do mais alto nível e contando, graças também ao forte apoio de empresas particulares, com equipamentos de última geração. Este trabalho invisível aos visitantes é que talvez dê ao antigo “jardim das especiarias” de D. João o suporte necessário para que ele passe dos 200 anos cada vez mais rejuvenescido.

NAVEGAR FOI PRECISO


Nos 55 dias de viagem da corte entre Lisboa e Salvador, aconteceu te tudo: tempestade, calmaria e até uma infestação de piolho – que obrigou Carlota Joaquina a raspar a cabeça

Se atravessar o oceano num barco à vela até hoje exige uma senhora coragem, imagine 200 anos atrás. No início do século 19, cruzar o Atlântico era um desafio repleto de perigos. Principalmente levando-se em conta que as naus usadas na mudança da corte de Portugal para o Brasil, em 1807, eram verdadeiras “latas-velhas” – desconfortáveis para os passageiros, vulneráveis no caso de um combate e carentes de vários reparos.

Ainda naquele 29 de novembro, dia do embarque, a esquadra portuguesa – composta por 19 navios, entre naus, fragatas, brigues e corvetas e escunas – encontrou-se com a frota britânica que faria sua escolta até o Brasil – outras 13 embarcações. Essa deve ter sido uma cena monumental, de ficar gravada para o resto da vida na memória de quem a testemunhou: 32 barcos de guerra, mais uns 30 navios mercantes, todos se preparando para uma travessia oceânica. Às três horas da tarde, o comandante da Armada britânica, Sidney Smith, ordenou uma salva de 21 tiros de canhão. Estava marcado o início a penosa jornada da família real em direção à colônia.

CHIQUEIROS FLUTUANTES

Algo entre 10 mil e 15 mil portugueses – cerca de 5% de toda a população do país – estavam embarcados naqueles navios. Na maioria, era gente importante, muito afeiçoada aos luxos da nobreza. Mas as condições a bordo não eram nada agradáveis. A água era escassa, de má qualidade. E a comida não passava de carne salgada e biscoitos. Em pouco tempo, o mantimento já estava contaminado por vermes. Animais vivos também foram embarcados, para garantir um pouco de leite, ovos e alguma carne fresca que pudesse ser servida aos passageiros mais chiques. Portanto, dá para supor que as condições de higiene estavam longe do aceitável.

No Alfonso de Albuquerque, nau em que viajava Carlota Joaquina, houve uma infestação de piolhos. Todas as mulheres, incluindo a princesa, tiveram de raspar o cabelo e jogar suas perucas no mar. Ainda por cima, receberam uma aplicação de banha de porco na cabeça, para que o pó anti-séptico salpicado não se desprendesse. Ratos eram abundantes, o que só aumentava o risco de um surto ou uma epidemia. Por causa da alimentação precária, distúrbios intestinais tornaram-se comuns. Para os nobres portugueses em fuga, a situação não podia ser mais constrangedora.

Dom João e sua mãe, a rainha Maria I, estavam no navio Príncipe Real – acompanhados de Pedro e Miguel, os dois filhos homens do príncipe regente com Carlota. Quatro das seis filhas do casal viajavam com a mãe, no Alfonso de Albuquerque. E as outras duas filhas seguiam no Rainha de Portugal. Ainda havia uma tia e uma cunhada de dom João, embarcadas no Príncipe do Brasil. Foi assim distribuída que a família real encarou as agruras daquele autêntico confinamento em alto-mar.

NAVEGAÇÃO ARRISCADA


No dia 8 de dezembro, perto da ilha da Madeira, uma violenta tempestade fez estragos consideráveis. Na esquadra portuguesa, mastros foram quebrados e velas foram rasgadas. Um marinheiro inglês acabou lançado ao mar, mas conseguiu ser resgato. A péssima condição de visibilidade obrigou as embarcações a parar, sobretudo porque aquela era uma área de navegação extremamente arriscada, cheia de rochedos submersos.

Durante a tempestade, a frota dispersou-se e uma parte dela seguiu direto para o Rio de Janeiro. Alguns navios britânicos já tinham voltado para a Europa, a fim de reforçar o cerco à Lisboa, invadida por tropas de Napoleão. As demais embarcações, recuperadas da tormenta, prosseguiram na lenta travessia rumo ao Brasil.

Quando as esquadras alcançaram a linha do equador, novo imprevisto: uma calmaria tornou a frear o avanço das embarcações, submetendo passageiros e tripulações a dias seguidos de sol escaldante. Casos de insolação e desidratação multiplicaram-se. Até que a calmaria se foi, a viagem seguiu e 1807 chegou ao fim – uma triste passagem de ano para a corte portuguesa, mas provavelmente carregada de esperança.

CAJUS E PITANGAS

Depois de tanta carne seca e biscoito, imagine qual não foi a alegria de dom João e sua comitiva ao avistar, já bem perto da costa brasileira, um pequeno barco não-identificado. Era Três Corações, um bergatim enviado por Caetano Pinto de Miranda, então governador de Pernambuco, para dar as boas-vindas à Coroa portuguesa. Dentro dele, um carregamento de frutas tropicais, como caju e pitanga, e muitos recipientes com refresco. Aquele certamente foi um momento de glória – dom João e seus asseclas tirariam a barriga da miséria.

Àquela altura, o príncipe regente já havia determinado que o destino da frota seria a cidade de Salvador, e não o Rio de Janeiro. Em 22 de janeiro de 1808, 55 longos dias depois de zarpar de Lisboa, a comitiva real finalmente desembarcou na Bahia, para uma escala que duraria pouco mais de um mês (leia mais na pág. 18). Estavam todos cansados, debilitados. Mas o primeiro desafio daquela fuga já estava superado: o oceano Atlântico, agora, protegeria a corte portuguesa da fúria de Napoleão.

(Esta e mais quatro matérias foram feitas por mim para a edição especial da revista "Aventuras na História", da editora Abril, sobre a chegada da Família Real ao Brasil - nas bancas neste mês)

3.02.2008

FILAS, POR QUE TÊ-LAS? FILAS, COMO NÃO TÊ-LAS?


Uma das instituições brasileiras mais sólidas, sem dúvida, é a fila. Há fila para tudo neste país, desde as clássicas, como a do INSS ou a dos bancos no início do mês, como a fila para se pesar, a fila se olhar a promoção de uma loja e a fila....para nada.

Comecei a me interessar pelo comportamento dos ´fileiros´ quando, ao comprar bilhetes na Central do Brasil, percebi que as primeiras filas, gigantescas, iam diminuindo nas bilheterias seguintes, até encontrar filas mínimas, às vezes com duas pessoas, nos últimos guichês. Por que as pessoas das filas da frente não andavam mais um pouco?

E aí comecei a entender o seguinte: tem muita gente que gosta de fila. É claro que se você é daqueles que ficam irritadíssimos numa fila, vai me questionar, mas preste atenção: há pessoas que realmente curtem ficar numa fila. Os motivos podem ser vários: solidão, falta do que fazer, querer ser comunicativo, vontade de encontrar alguém para xingar o governo, comentar sobre o capítulo da novela ou o jogo de ontem, pedir dicas etc, etc e uma fila de etcéteras.

A figura clássica desse tipo de fileiro é aquela que já chega com o jornal embaixo do braço e comentando alguma notícia, geralmente ruim. Outra é a senhorinha cheia de artrose que vai em busca de um ´aconselhamento médico´ (Ih, minha filha, toma isso que é tiro e queda) naquela outra característica do brasileiro: a auto-medicação.

A grande alegria dessa turma é quando chega ao guichê e o caixa diz: “Meu senhor, essa fila não é para isso não. O senhor tem que entrar naquela ali, ó”. Sim, porque tem gente que entra em fila sem nem saber por quê.

O período preferido dos fileiros é o início do mês, por causa dos pagamentos que sobrecarregam os bancos e as lojas. O bom fileiro também se sente mais à vontade num grande centro comercial. Mande um deles passar uns dias no interior que ele logo se entedia, ou então...começa a organizar algum tipo de fila. A fila do beijo na moça, por exemplo, era muito comum em cidadezinhas. Mas esta, até mesmo quem não era apreciador desta sólida instituição, pagava pra ver.

Por isso, posso afirmar, sem medo: quando pintar aquela solidão, nada de ficar em casa, vendo TV ou arrumando o que fazer. Tome um banho, vista uma roupa maneira, leve um jornal e encare uma boa fila. É quase um exercício de meditação, pois desenvolve a paciência e a perseverança. Mas cuidado: comece aos poucos, se você não estiver acostumado, pois ela pode propiciar também momentos de raiva e irritação, principalmente no verão.

Comece com uma fila pequena, do tipo padaria. Depois, passe para uma loja de roupas, em seguida ao banco e, quando estiver realmente seguro de si, vá para a fila do Maracanã na semana de uma decisão de campeonato comprar um ingresso. Se você conseguir sair sem escoriações e roupas rasgadas, já pode garantir o seu lugar em qualquer fila e começar a reprimir aqueles que chegam atrasados e tentam furar esta autêntica instituição nacional.

* Agradeço ao bom e velho Vinícius pela inspiração do título.

2.21.2008

OS ´CARTÕES CORPORATIVOS´ DE D. JOÃO


É claro que no início do século XIX ainda não existiam cartões de crédito ou de débito, mas a julgar pelo rombo financeiro causado pela presença da Corte portuguesa no Brasil, podemos dizer que a Mordomia-Mor seria uma antecedente bem adequada da farra dos cartões corporativos.

A Mordomia-Mor era responsável pela organização e administração das repartições criadas após a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808. Seria uma estrutura exemplar em termos de organização se as repartições não fossem usadas para uma série de roubalheiras que contribuíram, inclusive, para a falência do primeiro Banco do Brasil, criado pelo príncipe-regente D. João em 1808, e falido em 1829. O atual só foi criado em 1853, já na época do imperador D. Pedro II.

Duas figuras se destacam como os maiores beneficiários das técnicas de enriquecimento ilícito adotadas em repartições como a Ucharia Real (alimentação e bebida) e a Mantearia Real (tudo relacionado à Família Real). Eram eles Joaquim José de Azevedo, que fôra responsável pelo embarque de Portugal para o Brasil, em 1807, e Bento Maria Targini, administrador do Erário Real, órgão responsável pelas finanças públicas e que tinha como agente operacional o Banco do Brasil.

Os dois roubaram tanto que enriqueceram rapidamente e ganharam poder, sendo promovidos por D. João. Azevedo passaria de barão a visconde do Rio Seco e Targini de barão a visconde de S. Lourenço. Para se ter uma idéia da riqueza de Azevedo, basta olhar o seu palacete, que está sendo restaurado e fica na Praça Tiradentes, no centro do Rio, bem em frente ao 13º Batalhão da PM. Os desmandos destes dois homens geraram até uma quadra muito conhecida da já irreverente população carioca:

“Quem furta pouco é ladrão,
quem furta muito é barão,
quem mais furta e esconde
passa de barão e visconde”

Além disso, o déficit causado pelas altíssimas despesas da Corte foi tão grande que não houve outra saída a não ser pedir um empréstimo de 600 mil libras esterlinas à Inglaterra, dívida que após a independência, em 1822, seria repassada ao Brasil, marcando o início da nossa dívida externa.

O Banco da Brasil ainda sofreria um duro golpe quando o já aclamado rei D. João VI voltou a Portugal, em 1821, levando todas as barras de ouro e diamantes dos seus cofres. Para usar uma expressão atual, esta sim foi uma autêntica herança maldita.



FONTES CONSULTADAS:

* D. João VI no Brasil – Oliveira Lima – Rio de Janeiro – Topbooks - 2007
* 1808 - Laurentino Gomes - Rio de Janeiro - Planeta - 2007