12.19.2007

O SHOPPING DA MANJEDOURA



O Natal é a única festa de aniversário na qual quase ninguém se lembra do aniversariante. Experimente dar uma olhadinha nos jornais ou assistir TV. Não se fala em outra coisa. É a data mais festejada no mundo ocidental e em boa parte do oriente. Mas alguma coisa parece estar fora do eixo. Cadê ele?

No seu lugar, mandaram como representante um velhinho barbudo, simpático, bonachão e gordinho, usando uma roupa que num país tropical como o nosso mais parece uma sauna ambulante.

É verdade que o 25 de dezembro foi uma invenção da Igreja Católica. Não se sabe exatamente o dia em que Jesus Cristo nasceu. O que importa aí é o simbolismo. A data, até mesmo por ser no final do ano, quando todo mundo já está com a bateria meio descarregada, é ideal para um momento de reflexão, de introspecção, aquela hora em que poderíamos fazer um balanço de nossas vidas, de pensarmos no que fizemos (e no que poderemos fazer) de bom e mal com os outros e conosco.

Para isso, nada melhor do que ter como referência uma mensagem de paz e amor tão forte que resiste há dois séculos, independentemente de você ser cristão, ateu ou lá o que seja. Pois mesmo aqueles que duvidam da existência de Jesus Cristo precisam admitir que alguém muito parecido com ele viveu por aquela época, já que os evangelhos, inclusive os apócrifos, não foram criados do nada.

E no que se transformou o Natal? Numa festa pagã, baseada no apelo consumista, regida a muita bebida, churrasco e ultimamente até com fogos de artifício. Há inclusive recomendações da ingestão de antiácidos e remédios para o fígado antes da maratona gastroetílica. Quando o Natal cai num feriadão, como neste ano, sobra espaço para os engarrafamentos e os muitos acidentes de trânsito.

É muito comum alguém dizer: “Ah, não sei se vou poder comprar tudo. Acho que meu Natal vai ser horrível”. Um colega me disse que outro dia um supermercado fez uma promoção-relâmpago de bacalhau e a balbúrdia que se formou lembrou as hordas bárbaras de Átila, o huno.

O aniversariante, até mesmo por sua mensagem de simplicidade e desapego aos bens materiais, parece mesmo estar bem distante desta festa de excessos e gastanças. Mesmo que alguns shoppings abriguem presépios, dá para perceber o desconforto do bebê na manjedoura diante de mensagens como “pagamento só em março” ou “crediário em cinco vezes sem juros”.

Será esse o tal do espírito natalino?


12.13.2007

QUANDO FOI?


Quando achei que te conhecia,
descobri em seus olhos uma tristeza contida

Olhei mais de perto e
vi que eles também escondiam
um sentimento incerto,
um caminho aberto
de esperança e otimismo

Você pediu um lenço pra chorar,
ou, se tanto,
que alguém
te esperasse à noite

E isso era tão pouco,
mas tão pouco,
que você viu que
não valia a pena
esconder mais nada

Abriu os olhos
e encarou, com a coragem renovada,
as armadilhas deste mundo louco

Quando foi que nós falamos
de amor
no meio do turbilhão
de vozes incompreensíveis?

Quando foi que nós falhamos
ao não percebermos que
o amor
era a única solução possível?

11.29.2007

SE...


Se...
eu voltasse a fazer parte
do seu mundo inacabado

Se...
eu iludisse a
saudade com
palavrãs vãs de
esperança

Se...
fizéssemos do
perdão o
desfecho de
nossas mágoas

Minha única alegria
residiria em um céu
infinito de saudades

Onde em cada estrela
brilhariam memórias de
luz própria

Separadas de mim
pela distância de
um sonho

Que não termina
quando acordo

11.28.2007

CHAPLIN NA CORDA BAMBA


É sempre bom rever Chaplin. Este artigo é sobre um dos seus melhores filmes, que revi há pouco tempo.

“O Circo” já valeria pelas cenas do espelho e da corda bamba, mas este clássico de Charles Chaplin é muito mais do que isso. Está aqui, como nos seus grandes filmes, o sutil equilíbrio entre a comédia e a tragédia, representada pela opressão sofrida pelos trabalhadores do circo, chefiados por um patrão frio e ganancioso. A cena da corda bamba é a metáfora perfeita das relações de trabalho, pois quantos não andam na corda bamba para manter os seus empregos?

O dono do circo tem um capataz, homem forte e violento, que trata os outros funcionários da mesma forma que o patrão, sem se dar conta de que ele próprio é explorado como os outros. Enredos como este e de “Tempos modernos”, por exemplo, valeriam a Chaplin a acusação de comunista, figurando na lista das bruxas do senador Joseph McCarthy nos anos 50. Chaplin nunca escondeu sua defesa da igualdade social, chame a isso comunismo, socialismo ou o quer que seja. No meio de todo o pastelão, há sempre momentos de profunda reflexão em seus filmes.

O enredo é simples, como em todos os seus filmes. Chapin, ainda como o vagabundo Carlitos, é confundido com um bandido e entra num circo, perseguido pela polícia. Acaba se tornando a principal atração, sem saber. Vai se apaixonar pela filha do dono (Merna Kennedy) e aos poucos percebe sua real condição dentro do espetáculo.

O filme traz cenas inesquecíveis, como aquela em que ele anda na corda bamba com micos pendurados pelo corpo, a da jaula do leão, e a dos espelhos, logo no início do filme. Como era comum entre os atores meio loucos daquela época, Chaplin não usou dublês nem na cena da corda bamba nem dentro da jaula dos leões.

O filme passou por diversos percalços. O estúdio foi destruído duas vezes, primeiro numa tempestade e depois num incêndio. Chaplin ficou hospitalizado seis semanas por causa de mordidas dos micos e unhadas dos leões e, para piorar, as carroças usadas no desfecho da história foram roubadas por estudantes embriagados. A trilha sonora é do próprio Chaplin, que canta a música de abertura, uma gravação feita no final dos anos 60, quando o ator já tinha 81 anos. Detalhe: no ótimo DVD que traz o filme completamente restaurado, com ótimos extras, os editores poderiam substituir a horrível palavra funâmbulo por equilibrista. Evitaria muita cara de espanto durante a exibição.

11.14.2007

EM BUSCA DO MAGIA DO LEITOR


“Não sou masoquista. Se não adorasse escrever, já teria parado há muito tempo”. Essa foi a tônica da entrevista dada pela premiadíssima escritora Ana Maria Machado às jornalistas Cristiane Costa e Valéria Lamego, ontem na biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. A entrevista foi a última do ano do projeto “Laboratório do escritor”, que levou ao mesmo espaço em 2007 autores como Luis Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony.

Bem à vontade diante de uma platéia cheia de admiradores (e algumas tietes), a autora, que já vendeu mais de oito milhões de exemplares de seus mais de cem livros no Brasil e em outros 17 países, começou descrevendo o seu processo de criação - o tema da entrevista -, mas foi se soltando e acabou falando com naturalidade de momentos mais intimistas da sua vida, como a luta bem-sucedida contra um câncer de mama e o início da carreira, quando exilada pelo regime militar e com dois filhos para criar descobriu que poderia se sustentar com a literatura, “ainda que levando uma vida espartana”. O sustento, no caso, vinha de uma revista chamada “Recreio”, da editora Abril, que queria publicar autores que escrevessem para os jovens numa linguagem “que não fosse tatibitate nem nhemnhemnhem”. Para se ter uma idéia do nível da publicação, a revista também contava com colaborações de Ruth Rocha e Joel Rufino.

Embora seja mais lembrada como autora de livros infantis e infanto-juvenis, Ana Maria falou dos seus contos e romances, dizendo que nunca sabe exatamente para qual público vai escrever quando começa a pensar numa nova história, ou se aquele livro vai interessar apenas a um tipo de público. “Tem sempre mais de uma leitura”, afirma ela, que escreve no computador desde o início da década de 80, quando foi apresentada a um MacIntosh por uma amiga que vivia nos Estados Unidos.

Uma das discussões mais interessantes, que gerou inclusive perguntas do público, foi a relação entre jornalismo e literatura. Ana Maria, que já havia citado Hemingway, recorreu mais uma vez ao escritor americano para dizer que “o jornalismo nunca fez mal a um escritor, desde que largado há tempo”. Para ela, que abandonou a redação do “Jornal do Brasil” nos anos 70 a fim de se dedicar exclusivamente à literatura, o jornal tem que cobrir tudo, “mas no dia seguinte vai embrulhar peixe”, enquanto o escritor tem que cobrir o mínimo, mas com profundidade. Vale ressaltar que o jornalista aqui citado é o da redação, aquele que faz plantão e fechamento, e não o cronista. “Esse, os próprios repórteres da redação não consideram jornalista”.

A relação com a Academia Brasileira de Letras, onde ela ocupa a cadeira número 1, também foi lembrada por ela, que por coincidência tinha acabado de sair de um evento na ABL. "São 40 vaidosos. Quem não for vaidoso, não se candidata", diz a autora com bom-humor, ressaltando o respeito que tem pela permanência da instituição e pela renovação que a internet provocou na ABL através do portal (www.academia.org.br). "A academia é muito querida pelo povo. Ali, eu tenho muito o que aprender".

O bom de se assistir a uma entrevista com um autor consagrado é exatamente perceber o amor que aquela pessoa que está ali na frente tem pelos livros e pelos leitores. Como a frase do início, Ana Maria não se limitou a falar da “necessidade de expressão do artista”, diferencial que ela usa ao citar os escritores de literatura infantil e infanto-juvenil da geração dela, que não têm preocupação pedagógica e escrevem de forma independente. Ao se referir ao leitor, que afinal é o objetivo final do seu trabalho, ela o compara a um “mágico, porque ele consegue estabelecer uma ponte para alguém que ele não conhece”. E quando esse alguém está ali pertinho, dá para entender fascínio que eventos desse tipo exercem sobre o público.

11.05.2007

A VACA NO QUINTAL


A adulteração do leite com soda cáustica e outras substâncias venenosas (um crime mais do que hediondo) apenas reforça a tese de que no Brasil, país onde as leis só existem no papel e as punições são brandas, deveríamos voltar a viver de forma primitiva. Para começar, uma vaca no quintal. Teríamos leite fresco, sem porcarias industrializadas para consumir e, portanto, a garantia de um produto saudável, principalmente para as crianças, as maiores vítimas do crime do leite.

A evolução tecnológica só faz sentido se vier acompanhada de uma estrutura jurídica e ética que impeça, ou pelo menos puna, os excessos e distorções oriundos desta mesma evolução. Isso evitaria, por exemplo, que o automóvel, elemento fundamental em qualquer parte do mundo, aqui seja mais lembrado como um dos principais responsáveis pela alto índice de mortes violentas, principalmente entre os jovens.

Da mesma forma, é inconcebível imaginar um mundo hoje sem aviões "cruzando mares e oceanos". Mas aqui no Brasil, nos últimos tempos, pelo menos, a invenção do brasileiro Santos Dumont tem sido sinônimo de longas filas de espera, overbooking e, o que é mais grave, falta de manutenção das aeronaves e sobrecarga de trabalho para pilotos e controladores de vôo.

A televisão, além de toda a carga de violência que despeja todos os dias em milhões de telespectadores, é uma das principais responsáveis pelo aumento dos casos de obesidade. Aquela clássica cena estilo "Homer Simpson" do sujeito horas em frente à TV com a latinha de cerveja apoiada na barriga e comendo batatinhas industrializadas é cada vez mais comum. E haja calo nos dedos para mexer no controle remoto.

Falando em batatinhas industrializadas, voltemos aos alimentos, e aí não falo nem dos industrializados, que precisam de substâncias químicas para continuarem na validade. Mas e os agrotóxicos nas frutas e legumes? E os casos de carne fora de validade, que comerciantes inescrupulosos adulteram para permanecerem "frescas"? E o famoso pão com bromato? Não é à toa que muita gente vem optando pela agricultura orgânica, que nada mais é do que a comida como deveria ser feita.

Poderia citar inúmeros outros exemplos, como o telefone celular, usado hoje como instrumento de extorsão, a internet, repleta de vírus e de quadrilhas que roubam senhas de bancos etc, mas já que as coisas não devem mudar tão cedo, o jeito é voltarmos mesmo ao estado natural das coisas. Agricultura orgânica, carroças, pombo-correio, conversa na sala de jantar (uma raridade hoje em dia) e, é claro, a vaca e também as galinhas (não nos esqueçamos dos hormônios) no quintal.

10.09.2007

MINISTÉRIOS EXÓTICOS


Depois da polêmica da criação da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, que seria assumida pelo professor Mangabeira Unger, podíamos criar uma série de ministérios exóticos pegando carona no nome tão abstrato da nova secretaria. Vão aí algumas sugestões:

- Ministério de ações abrangentes de largo espectro;
- Ministério de desempenho operacional das novas perspectivas;
- Ministério das novas perspectivas de desempenho operacional;
- Ministério de implementação das ambivalências preferenciais;
- Ministério de planejamento de ações pretéritas, presentes e futuras;
- Ministério de fomento aos compromissos outrora assumidos;
- Ministério de averiguação das garantias imprescindíveis;
- Ministério da avaliação de risco de frases inoportunas;
- Ministério da retificação de promessas estabelecidas em momentos de euforia;
- Ministério de alocação de cargos para amigos e parentes afins e similares.

Sugestões podem ser encaminhadas ao bloco de comentários. Quem sabe não formamos uma nova Esplanada dos Ministérios?

9.28.2007

O VULCÃO DE NOVA IGUAÇU



Ele não tem bondinhos nem abriga princesinhas do mar, mas o vulcão que fica na Serra de Madureira, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, talvez seja o cartão-postal mais inusitado de todo o Rio de Janeiro. Pelo menos é o que atestam seus muitos visitantes desde que a descoberta do único vulcão de cratera do Brasil foi divulgada, em 1979, pelos geólogos André Calixto Vieira e Victor Klein.

Da descoberta em diante estudantes, pesquisadores ou curiosos não pensaram duas vezes antes de subir mais de 400 metros de serra, entre pedras escorregadias e mato cerrado em busca de aventura. Mas vale o esforço. A vista da borda do vulcão, que tem 30 milhões de anos, é exuberante. Digna de ser registrada. Apesar da vegetação e de alguns bois e cavalos pastando, o contorno mantém as rochas vulcânicas ainda com sua estrutura intacta, um precioso campo de observação para pesquisadores.

As erupções do vulcão, ocorridas há 30 milhões de anos, podem ser comparadas com as do vulcão Santa Helena, que em 1979 provocou destruição nos Estados Unidos. Os fragmentos vulcânicos se espalham num diâmetro de 1.500 metros, desde a cratera até a parte externa. Há fragmentos ainda da época dos dinossauros. O material, chamado ígneo intrusivo, não teve força suficiente para romper a crosta terrestre e ficou consolidado no solo. Seus vestígios são os que se encontram mais afastados da cratera e podem ser percebidos no início da caminhada.

Segundo André Calixto, a erosão fez com que a crosta terrestre fosse desaparecendo, o que permitiu a esse material já consolidado chegar à superfície. Quando veio a primeira erupção, todo ele foi para os ares e deu lugar a uma nova série de fragmentos. Há no local farta variedade de material vulcânico. Os mais curiosos são as bombas poligonais, que se encontram no aglomerado vulcânico, na parte mais próxima da cratera. Devido à forma peculiar, as bombas são a prova irrefutável de que houve no local duas erupções vulcânicas.

O vulcão da Serra de Madureira fica a menos de uma hora do centro do Rio e hoje ele faz parte do Parque Municipal de Nova Iguaçu, incluindo uma cachoeira ´véu de noiva´, pista de asa-delta, rapel na Pedra da Contenda (o ponto mais alto, com 443 metros) e o casarão-sede da antiga Fazenda Santa Eugênia, um prédio do século XVIII que hoje é o mais antigo de Nova Iguaçu. E, claro, a vista da Baía de Guanabara no topo, para quem tiver fôlego de chegar até lá.

9.26.2007

ESQUISITICES PROVINCIANAS EM WESTZONE


Político-Populista-paternalista
Posa de modelito fashion

Bundas-secas caminham nas ciclovias
Vestindo a última moda em lingerie

Bichas-viadas querendo ser devoradas
Enlouquecem alcoolizados vira-latas

Animaizinhos silvestres saem das tocas
E ladram nas velhas-empoeiradas-sacadas das janelas

Discos voadores invadem os jardins e extraterrestres Encapuzados não são reconhecidos pelo bicho-homem

Estrangeiros mendigos hospedam-se nas esburacadas calçadas
Exalando a essência da vida saudável

Tartarugas excêntricas e oportunas
Transitam em campanha ao lado de hábeis parasitas

Em devaneios a insensatez de vaidosos
Transforma abaixo-assinado em documento de politicagem

Minhocões de aço cortam os vales petrificados
Lotados de heróicos semideuses que viajam para o além

Um corvo-santo enlouquecido faz liqüidação da Palavra
Dando de brinde um lugar no paraíso celeste

Vermes decompõem vasta extensão territorial das encostas
Emergindo na vista panorâmica um lago de sangue

Lama medicinal transforma-se em fossa-fecal
No lindo mar de poesia

Soberana vaca-leiteira faz promessas de bem estar
Em juras secretas a cabo eleitoral

“Canto este Poema a esta terra-santa
De atalhos retalhados e endêmicas pedras
Canto a desordem niilista do progresso
Canto a fantástica e infinita memória surreal
De minha febricitante terra natal”


PAULO D´ATHAYDE

9.25.2007

EXALTAÇÃO AOS SEBOS


Para mim, não há lugar onde o livro se sinta mais à vontade do que no sebo. Em bienais e livrarias de ponta, por exemplo, com todo o ambiente asséptico e o burburinho em volta, os livros me lembram aquelas pessoas que precisam usar a “roupa de domingo”, desconfortáveis e constrangidas. Já nos sebos não, nos sebos eles estão à vontade, de chinelo de dedo, bermuda frouxa e camiseta surrada. Mais felizes do que pinto no lixo.

Aqui no Rio de Janeiro, principalmente no centro da cidade, o número de sebos cresceu muito nos últimos anos. O principal atrativo para a maior procura, sem dúvida, é a grana. Com o preço dos livros novos sempre teimando em não cair, as pechinchas nos sebos se tornam irresistíveis, principalmente para os estudantes universitários. É possível, com um pouco de sorte, comprar livros de capa dura e em bom estado por dois reais (!) – o preço de um churros.

O bom sebo não pode ter muita luz, tem que ser um pouco na penumbra. Também não pode ser muito limpo, bastando um espanadorzinho de vez em quando, para não sufocar os alérgicos. Também não devem ser muito espaçosos, as pilhas de livros precisam formar corredores e esquinas estreitos, fazendo com que o leitor se sinta literalmente (ou literariamente) cercado por livros.

Um detalhe imprescindível: o dono do sebo jamais pode se aproximar do visitante e perguntar se ele “deseja alguma coisa, senhor?”, como fazem os vendedores de lojas. O visitante precisa ficar à vontade, folhear o que quiser e mesmo que saia sem comprar nada não deve ser incomodado. Afinal, o sebo também cumpre o seu papel de biblioteca comunitária.

As seções não devem ser muito organizadas, pois um dos principais atrativos do sebo é o elemento-surpresa, é encontrar aquilo que jamais se esperaria encontrar naquela prateleira. Eu mesmo achei a melhor biografia do Machado de Assis, da Lúcia Miguel Pereira, numa prateleira que nada tinha a ver com literatura brasileira. Com capa em bom estado e por seis reais.

Revistas antigas são também um atrativo à parte, assim como coleções que já saíram de catálogo. O grande risco quando começamos a folheá-las é perder a noção da hora, pois quando o fator memória ocupa o seu espaço no sebo acaba qualquer relação com a balbúrdia lá fora. Sim, o sebo também é uma máquina do tempo.

Para terminar, um conselho: prefiram sempre os sebos que tenham gatos de estimação. Eles são os melhores amigos dos “ratos de sebo” e geralmente estão em cima do livro que queremos.

- Publicado também no blog Paralelos (www.oglobo.com.br/blogs/paralelos)

9.06.2007

OS MISTÉRIOS DE CANDIANI


Musa de Machado de Assis, a atriz e cantora lírica Augusta Candiani causou furor na vida da Corte do Rio de Janeiro imperial. Mas um mistério permanece sobre o final da vida de Candiani, que chegou ao Rio em 1843, aos 23 anos, como prima dona da Companhia Italiana de Ópera.

Nascida em Milão, em 1820, Carlotta Augusta Candiani estreou na capital do Império brasileiro em 17 de janeiro de 1844, no principal palco da Corte, o Teatro São Pedro de Alcântara (localizado no então Largo do Rocio, hoje Praça Tiradentes, exatamente onde fica o João Caetano). No programa, a primeira montagem no Brasil da ópera “Norma”, de Vicenzo Bellini.

A partir do sucesso estrondoso desta primeira apresentação, Candiani, que veio acompanhada do marido italiano, vai se identificar com a capital e o povo carioca de tal forma que nunca vai sair em definitivo da cidade, incentivando os músicos brasileiros a iniciarem o movimento da Ópera Nacional e rompendo barreiras entre o erudito e o popular ao cantar modinhas, gênero tipicamente brasileiro e mal visto pela elite da época.

Candiani não se tornou musa apenas de Machado de Assis, que a reverenciou em algumas passagens de sua obra, mas também de escritores como Joaquim Manoel de Macedo Martins Penna e do próprio D. Pedro II. O imperador, aliás, e sua esposa D. Teresa Cristina seriam padrinhos de sua filha, em 1844. Dois anos depois, ela se separou do marido e passou a viver com o compositor de modinhas José de Almeida Cabral. Nem é preciso dizer que foi um escândalo para a época. Com o divórcio, Candiani perdeu todos os bens e a guarda da filha.

Ela passa então a viajar por todo o Brasil pela Companhia Dramática Cabral, sempre misturando o erudito com o popular. Chega a morar no Rio Grande do Sul, onde atua no desenvolvimento do teatro e da ópera na província, e volta ao seu amado Rio de Janeiro em 1877. Continua a atuar até 1880, quando se retira para o bairro de Santa Cruz, na atual zona oeste carioca e na época zona rural da Corte. Morre aos 69 anos, em 28 de fevereiro de 1890, logo após o fim do Império.

Não se sabe até hoje em que casa Candiani teria morado em Santa Cruz. O que se sabe é que foi na atual rua Senador Camará. Alguns elegantes sobrados da época ainda existem no bairro e o boato é que D. Pedro II teria doado uma casa para ela em Santa Cruz. Após a morte do marido ela teria vivido com, ou próxima de, Bartholomeu Guimarães, um ator cômico português que também morreu em Santa Cruz um ano depois de Candiani. O grande desafio para os historiadores da vida da cantora é saber o que ela fez em Santa Cruz durante os dez últimos anos de vida e onde teria morado.

Mais informações no excelente blog http://http://agrinalda.blogspot.com/, da pesquisadora Andréa Carvalho, que está concluindo um livro sobre Candiani.

8.27.2007

INGAIO PAPAGAIO (POEMA DO CONTROLADOR DE VÔO)


Que lugar é esse
onde exclui-se o mundo
onde esfria a vida
e o sabor de encontrar-se
contém-se em papilas
de medo repartido?

Que lugar é esse
escuro e frio
onde brilham feixes
de elétrons concentrados
em LUAS CHEIAS de perigo iminente?

Que lugar é esse
que me impõe essa existência
cheia de dor e esperança?

Que lugar!

Templo de tecnológica penunbra
Obrigação escalada de seres aborrecidos
Farol permanente de alados monstrengos de aço

Que lugar!

Onde me desfaço e
me descabelo
me despeço cada vez que entro
e me liberto cada vez que saio.

Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro - 21/4/81 - Sala de radares, Controle de Tráfego Aéreo

Silvio Alves (jornalista e controlador de Tráfefo Aéreo reformado)

O LIVRO "FURACÃO ELIS" DE VOLTA


Publicado em 1985, o livro "Furacão Elis", da jornalista Regina Echeverria, volta às livrarias pela Ediouro. Nessa reedição, Regina nos brinda com uma biografia, "atualizada, revista e ampliada" da inesquecível cantora Elis Regina Carvalho Costa.

O livro biográfico de Elis Regina começa pelo bairro de Navegantes, em Porto Alegre, cidade em que nasceu, e tem seu desfecho na triste manhã do dia 19 de janeiro de 1982, quando morreu a artista. Primeira filha do casal Ercy e Romeu, a menina foi criada de maneira simples ao lado do irmão Rogério. "Furacão Elis" conta a trajetória musical da cantora, seus casamentos, sua vida familiar, seus amigos e a complexa relação que mantinha com os pais. Mostra o lado explosivo do seu temperamento e sua busca na qualidade musical, fato que marcou muito o trabalho e carreira de Elis. Para escrever o livro, a jornalista entrevistou os familiares, amigos, músicos, artistas - pessoas que se relacionaram com a cantora.

A jornalista relata com detalhes os passos da grande dama da música popular brasileira. Entra nessa exposição o conhecido programa "Fino da Bossa", por onde passavam os grandes nomes da música brasileira; a participação nos festivais; as excursões internacionais; seus relacionamentos afetivos e sua chegada ao auge como reconhecida cantora da MPB. Entremeando, o livro traz importantes depoimentos dos ex-maridos Ronaldo Bôscoli e César Camargo Mariano, e de Gilberto Gil, Luiz Carlos Miele, Roberto Menescal, Miriam Muniz, Solano Ribeiro, Marcos Lázaro e outros.

Ao desembarcar no Rio em março de 1964, Elis, com 18 anos, encontra uma cidade onde ferve a bossa nova. Nesse cenário musical e político, a carreira começa a ser construída na Cidade Maravilhosa. Regina Echeverria nos mostra uma Elis "para quem a vida se dividia em 8 ou 80, amor ou ódio". O leitor vai conhecer uma mulher de temperamento forte e que encarava sua arte de cantar com muita seriedade e profissionalismo.

O livro é também um excelente registro das imagens, com belas fotos da cantora ainda criança, as festas em famílias, trabalhando no palco, com os três filhos, as horas de lazer. São retratos de uma Elis que acenou para uma geração da qual Regina é testemunha. A Pimentinha, apelido que ganhou de Vinicius de Moraes, sabia como ninguém cantar com o coração. Quem não se lembra de Elis cantando Madalena, Atrás da Porta, O bêbado e a equilibrista, Arrastão, Wave, Águas de Março, Dois pra lá, dois pra cá, Casa no campo, Maria, Maria...

Outro importante momento do livro são bilhetes escritos pela cantora e anotações do disco que seria gravado em janeiro de 1982. A extensa discografia dela aparece ao final do volume, além de quadrinhos do cartunista Henfil. Elis viveu apenas 36 anos. Elis é saudade. "Furacão Elis" é a história de "uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta".

Cláudia Ferreira (do site www.diversaocerta.com.br)

8.06.2007

Os bons e NOVOS tempos (II)



A TRINCHEIRA DOS BLOGS

Se na música a Lapa foi o ponto de encontro da nova geração, o terreno onde autores até então desconhecidos se destacaram reside no plano virtual. O crescimento dos blogs, de uns quatro anos para cá, deu visibilidade a muita gente de talento, como Ana Maria Gonçalves (anamariagoncalves.blogspot.com), que lançou o ótimo "Um defeito de cor" (Companhia das Letras), um livro de quase mil páginas sobre a escravidão no Brasil e vencedor do importante prêmio "Casa de las Americas".

Ana Maria seguiu caminho interessante: formou um público leitor, editou por conta própria um livro e ganhou visibilidade para ser acolhida por uma grande editora. Outros autores, ou já publicaram, ou com certeza vão publicar ainda, mas já têm um público fiel no meio virtual: nomes como Marcelo Moutinho, Antônia Pellegrino, Daniel Galera, João Paulo Cuenca, Sérgio Rodrigues, Cecilia Gianneti e Augusto Sales, entre muitos outros.

A grande vantagem do terreno virtual é que os blogs podem ser descobertos através de mecanismos de pesquisa, como o Google. Assim, os textos, que antes ficavam guardados numa gaveta sombria envolta em papel pardo agora são expostos num endereço que pode ser encontrado na rapidez de um clique.

É claro que, como em qualquer outro ramo de atividades, a filtragem separa o joio do trigo. Há aqueles que usam o blog apenas para manter um diário de coisas que só interessam a quem escreve. Os que realmente têm algo a dizer vão cada vez aumentando mais a visitação diária de seus blogs, o que é extremamente importante para democratizar o acesso às publicações e renovar a literatura.

Para concluir, vai aqui a dica do melhor contador de acessos de blogs e sites que existe, muito bem detalhado e eficiente: www.google.com.br/analytics

* Lá em cima: Ana Maria Gonçalves.

7.19.2007

Os bons e NOVOS tempos (I)





A LAPA QUE VOLTOU A SER A LAPA

Muita gente boa vem conseguindo furar o bloqueio dos medalhões da música e da literatura brasileiras. Na música, um dos principais motivos é a revitalização da Lapa, mítico território cultural bem no centro do Rio de Janeiro e que viveu seu apogeu nas décadas de 30 e 40, eternizada por gente como Noel Rosa, Moreira da Silva e Madame Satã. Mas se nos anos 90 a Lapa vivia um período de decadência, de lá pra cá ela se transformou em ponto de atração turística, com dezenas de antiquários e sobrados restaurados que lembram a música de Herivelto Martins e Benedito Lacerda: "A Lapa está voltando a ser a Lapa".

Ou melhor, já voltou. Nessas casas, lotadas às sextas e sábados, só toca boa e renovada música, sem contar o movimento das ruas em torno, com barraquinhas e caixas de isopor com um preço de cerveja mais em conta. O burburinho só acaba quando o dia amanhece, para fazer jus à tradição boêmia da Lapa de outrora.

Pois é nesse espaço extremamente democrático, freqüentado principalmente por jovens cansados do marasmo que as rádios jabazeiras e a maioria dos programas de auditório querem impor, que nomes como Edu Krieger, Roberta Sá, Ana Costa, Rodrigo Maranhão, Teresa Cristina e grupo Semente, Brasov e tantos outros formaram uma boa parcela do seu público extremamente fiel. Parte da turma que toca lá, aliás, passou por dois centros de excelência na formação musical: a escola de música Villa-Lobos, ali pertinho, na rua Ramalho Ortigão, e a Faculdade de Música da Uni-Rio, na Urca.

Se essa galera passou anos lutando para conseguir um espaçozinho ao sol, ou seja, gravadoras, rádios (sem jabá), espaços maiores para tocar, mídia em geral, hoje esses músicos, que valorizam a genuína música brasileira (choro, samba, forró etc), começam a colher os frutos gravando discos bem produzidos, alguns com colaboração de gente graúda (como Geraldo Azevedo com Edu Krieger e Roberta Sá com Ney Matogrosso), conseguindo espaços nobres como o Canecão e divulgação cada vez maior na mídia, embora ainda haja muitas trincheiras a conquistar.

No próximo artigo, falo da renovação na literatura.

- Lá em cima: Fotos de Roberta Sá e Edu Krieger e ilustração de Noel Rosa.

6.14.2007

E A BARRIGA DE CHOPE, MINISTRO?


A polêmica envolvendo o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e o cantor Zeca Pagodinho sobre a presença de artistas em anúncios de cerveja passa longe do principal problema que envolve a propaganda da "loura gelada".

Recapitulando: José Gomes Temporão é a favor da restrição aos anúncios de cerveja na televisão, por entender que eles incitam ao consumo exagerado da bebida entre os jovens. Além disso, criticou a postura de artistas, principalmente Zeca Pagodinho, à frente destes anúncios, por entender que "não é ilegal o artista pôr sua imagem a serviço disso. Mas será que a atitute se sustenta do ponto de vista ético?" (Revista O Globo nº 150)

Muita gente já vem criticando, com razão, o machismo presente em alguns desses anúncios por colocarem a mulher sempre em posição submissa, às vezes como um "tira-gosto" a mais. Mas o que a meu ver significa uma verdadeira aberração do ponto de vista da falta de qualquer sentido com a realidade é a ausência entre os atores daquela que é a principal característica de quem bebe cerveja. A famosa "barriga de chope".

Sim, porque são raríssimos os bebedores de chope ou cerveja esbeltos. Pode até ser magro, mas sempre rola uma protuberância abdominal. Pois bem, nestes anúncios só vemos moças e rapazes sarados, correndo com desenvoltura na areia, que é o pior piso para quem pratica atividades físicas, e chegando a bares extremamente limpos e com um aspecto onde dá vontade de pedir uma vitamina de banana com aveia e não uma cerveja.

Cadê o ovo cor-de-rosa, a sardinha frita, as moscas, o pano molhado no balcão, as garrafas empoeiradas nas prateleiras e o chinelo de dedo? Onde está a imagem de São Jorge?

A discussão é séria e deve ser tratada com cuidado, tanto a questão do machismo quanto a da influência exagerada do consumo de bebida entre os jovens. A Organização Mundial de Saúde elogiou o Brasil pela redução no consumo de cigarros no país e, segundo o ministro afirmou recentemente no "Programa do Jô", ela foi causada principalmente pela proibição da propaganda de cigarro. Pelo menos meus amigos fumantes dizem que ficam constrangidos quando vão acender um cigarro no bar e percebem que são os únicos fumantes - coisa que jamais aconteceria há uns dez anos.

A ausência da barriga de chope fica assim como mais um ingrediente nesta complexa discussão. Talvez não seja o mais importante, mas com certeza também é fundamental e mereceria um debate mais aprofundado. De preferência, num boteco com mesa de mármore, cadeiras de madeira e ovos-cor-de-rosa.

5.07.2007

LARANJA X COCA-COLA



No centro do bairro carioca de Campo Grande, há algumas esculturas que fazem referência ao produto que se tornou base da economia da região durante as décadas de 30 e 40. “Laranja no pé, dinheiro na mão” era o slogan publicitário que dominava o comércio da fruta na época. A zona oeste, junto com a Baixada Fluminense, foi a maior produtora de laranjas do país no período citado, e um curioso e desigual combate foi travado na época.

A produção se voltava principalmente para a exportação aos países europeus, Estados Unidos e Argentina. A colheita ficava armazenada nas packing-houses, barracões de armazenamento onde as laranjas eram preparadas para a exportação, e o transporte feito nos trens da Central ou por caminhões lotados (1). “Os caminhões repletos passavam sob os gritos da garotada que pedia laranja aos ajudantes e os meninos nos barracões pediam pregos e madeiras para seus brinquedos”. A garotada adorava as folhas de papel de seda importadas da Finlândia, usadas para envolver as laranjas e que serviam também para pipas e balões.

Na época, foi produzido em Campo Grande um suco de laranja chamado “A nossa”, iniciativa do químico-industrial Jorge Lima Filho e de seu sócio Ademar Flores. Nome oficial: “Suco natural de nossa laranja”. A produção era realizada numa packing-house perto do centro do bairro. “Era nossa de ponta a ponta, da safra da laranja na terra até a distribuição aos consumidores”. (2) Com o sucesso inicial, até houve negociações para exportação.

Mas algumas dificuldades técnicas e a forte concorrência da Coca-Cola, que após a II Guerra Mundial começou realmente a se espalhar pelo mundo, acabaram com o sonho dos sócios. “Foi assombroso o marketing da Coca-Cola. Distribuíam o refrigerante de graça nos colégios e nas festas e lugares onde se reunia o povo”. Para o autor citado, a iniciativa do suco de laranja foi um “patriótico, romântico e quixostesco visionarismo”. (2)

A decadência da época de ouro da laranja na região começou com a II Guerra Mundial, quando a economia dos países que importavam a laranja brasileira se voltou para a produção de armamentos. Além disso, o bloqueio continental feito pelos submarinos alemães prejudicou mais ainda a exportação. Os laranjais ficaram carregados, as frutas estragavam no pé e logo surgiram pragas. Os proprietários então venderam suas terras, que seriam loteadas, e o próspero ciclo da laranja chegava ao fim. “A decadência da citricultura de exportação, em função da guerra, contribuiu, de maneira decisiva, para que Campo Grande começasse a transformação das propriedades rurais em loteamentos suburbanos e já no decênio 1940 -1950 apresentasse um dos mais altos incrementos populacionais da cidade (70%)”. (3)

Bem antes das laranjas, no entanto, Campo Grande foi o berço de outro produto importante, principal fonte de divisas do Brasil na maior parte do século XIX. Mas isso é assunto para o próximo artigo.

FONTES CONSULTADAS:

(1) Artigo não assinado na revista nº5 do Instituto Campograndense de Cultura (ICC).
(2) “Desastre ecológico na Baía de Sepetiba – Dílson de Alvarenga Menezes – Edição do autor – Rio de Janeiro – 2000.
(3) “A fisionomia das unidades urbanas” – Maria Terezinha Segadas Soares – Artigo publicado no livro “O Rio de Janeiro em seus 400 anos” – Rio de Janeiro – 1965.


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3.30.2007

SERROTE DE LEITURA


Três coisas o serrote não compra: relógio, isqueiro (no caso dos fumantes) e jornal. Os dois primeiros itens são indispensáveis para puxar assunto com a vítima e o último é para se manter bem informado, condição importante para a prática da serrotagem.

Sentado ao lado da vítima num meio de transporte, ou em qualquer outro recinto, o serrote aguarda a abertura do jornal ou revista. É preciso estar com o exame de vista em dia, pois muitas vezes as condições de observação não são ideais (luz fraca, vento, jornal ou revista num ângulo desfavorável para a leitura).

Aberto o objeto de interesse, que também pode ser um livro, folheto, ou qualquer coisa que valha a pena ser serrotada, o serrote, discretamente e com o canto dos olhos, observa se a vítima está atenta à leitura. Se estiver, o serrote pode começar imediatamente sua atividade, mas sempre mantendo o corpo num nível alguns centímetros para trás em relação ao corpo da vítima, para que ela não perceba estar sendo serrotada.


Por algum motivo ainda não identificado, vítimas do serrotismo por leitura costumam se tornar bastante agressivas quando percebem o que está acontecendo. Houve inclusive o caso, famoso nos compêndios de serrotagem, de uma vítima que percebeu estar sendo serrotada num ônibus e escreveu em letras bem grandes numa folha colocada entre duas páginas de um jornal que estava lendo:
“VAI LER O C...”

Situações como esta devem sempre ser evitadas, daí o cuidado que o serrote deve ter em sempre seguir os procedimentos recomendados. Nas viagens longas durante a manhã, de trem ou de ônibus, o serrote não precisa se preocupar, pois é quase certo que ele vai encontrar um exemplar inteiro de um jornal no canto de um banco.

3.29.2007

CÚMPLICE

Cúmplice silenciosa
De palavras ditas apenas pelo olhar
Cúmplice que lê
onde não há letras escritas

Que enxerga na folha em branco
Versos de toda uma vida
De uma história corrida
De um querer inventado

Cúmplice que observa
E de tanto ver
E de tanto calar
É eterna cúmplice
De um viver de sonhar

Marina Gonçalves (no bar Canoa Quebrada, maio de 2005)

3.20.2007

LAMENTAMOS O INCIDENTE...


Caso você se depare com algumas destas frases a seguir, saiba que todas são inúteis e não têm nenhuma conseqüência prática. Para uma melhor visualização, resolvi dividi-las em grupos, cada um com uma pequena nomenclatura para fins didáticos.


GRUPO 1 – Era melhor ter ficado calado


- Lamentamos o incidente
- Condenamos o ataque

GRUPO 2 – Até nunca mais.

- Vamos marcar
- Eu te ligo.

GRUPO 3 – Nada será feito.

- Estamos avaliando todas as possibilidades.
- Temos um leque de opções.
- Estamos tratando a questão com muito carinho

GRUPO 4 – Frases políticas de início de ano.
- As perspectivas são as melhores possíveis.
- Temos um cenário otimista pela frente.

GRUPO 5 – O óbvio.

- Ao ser preso, ele declarou inocência.
- Houve consenso entre a maioria.

GRUPO 6 – A constatação de que nada será feito.

- Isto é um absurdo.

GRUPO 7 – Saindo pela tangente.

- Nada a declarar.

Aos colaboradores que quiserem contribuir com novas frases, por favor, ´cartas para a redação´: andreluismansur@yahoo.com.br

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3.01.2007


no centro da cidade tem malandro

pensando que é malandro do centro

da cidade tem malandro pensando

do centro da cidade-malandro

no centro malandro da cidade

tem cidade pensando que é malandro

pensando que é do centro da cidade

do centro da cidade do malandro

pensando no malandro da cidade

que é cidade do malandro do centro

da cidade malandro do centro da cidade.


Carlos Alexandre.

30/01/07, às 13:47

Longe do centro da cidade do malandro.

2.23.2007

A PEQUENA NOTÁVEL



Vencedor de dois prêmios do Oscar (roteiro original e ator coadjuvante, para Alan Arkin), “Pequena Miss Sunshine” consegue uma das mais difíceis tarefas no cinema: misturar drama e comédia de forma equilibrada e envolvente. Não é à toa que esta produção independente, orçada em US$ 8 milhões (uma bagatela diante das superproduções de Hollywood), vem conquistando platéias no mundo inteiro. Por trás do riso solto que rola durante a maior parte do filme, há a consciência de que um poderoso drama está sendo contado ali.

Todos os atores estão ótimos, mas Alan Arkin, que fez o embaixador americano no filme “O que é isso, companheiro?”, está acima da média. Fazendo o papel do avô da pequena Olive, ele desenvolve com muita segurança seu personagem, um homem desiludido da vida, viciado em heroína, mas que vê na pequena neta um alento para continuar lúcido. Aliás, Olive é o lastro que segura uma família que tem tudo para desmoronar.

O chefe, Greg, dá palestras sobre auto-ajuda, mas não consegue ajudar a si mesmo; o filho Dwayne decidiu que só vai falar quando passar na prova para a escola de pilotos; o cunhado gay, Frank, acabou de tentar o suicídio; e a esposa, Sheryl, tenta de todas as formas manter a ilusão de uma família feliz. Quando a pequena Olive ganha a chance de disputar o concurso infantil “Pequena Miss Sunshine”, a família, apesar da resistência inicial, se concentra em torno deste objetivo, que na verdade é muito mais do que ganhar um concurso. É, exatamente, o de salvar a própria família.

Na viagem, feita numa Kombi para lá de problemática, entre momentos engraçadíssimos, dá para perceber que a família vai se unindo (mesmo que a contragosto no princípio) diante dos fracassos iminentes e imediatos. O excelente roteiro de Michael Arndt garante a mesclagem de diálogos hilários e profundos, com a referência mais do que apropriada a Proust, autor estudado por Frank. Pois o filme, dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, faz uma profunda crítica ao estilo de vida competitivo americano, mostrando que para a família Hoover muito mais do que vencer um concurso é partir em busca do tempo perdido e refazer suas vidas em comum.
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2.14.2007

TUDO É VAIDADE



A frase do Eclesiastes que dá título ao primeiro livro do jornalista Rogério Nery resume o espírito dos jovens personagens do seu livro, todos moradores da Zona Sul carioca no final dos anos 80. Uma época em que não havia mais ditadura para combater, o muro de Berlim estava sendo derrubado e no cotidiano daquelas pessoas cultas, bonitas e com algum dinheiro no bolso só havia uma preocupação: curtir a vida.

Morando sozinho no Leme em um apartamento de três quartos, bancado pelos pais que moram em Brasília, Mateus é o mais fiel representante desta geração aparentemente perdida. Estudante de jornalismo, é freqüentador assíduo do underground carioca, onde encontrava artistas de vanguarda, talentos promissores e inúmeros fracassos. “Eram porres homéricos. Chegava a dormir com um balde do lado da cama – a melhor maneira de colocar tudo para fora sem sujar o colchão”.

Mateus encontrava o par perfeito em Diana Prado, uma garota que “poderia ter a credencial de uma verdadeira junkie das páginas de um romance de William Burroughs”. Juntos, eles tomam porres juntos com os outros amigos em apartamentos da Zona Sul ao som de R.E.M. e Joy Division e fazem sexo, muito sexo, que aliás é um dos temas constantes do livro e descrito de forma bastante explícita.

Rogério Nery não esconde a influência da literatura americana, da qual é admirador e conhecedor. Hemingway, Fitzgerald, Henry Miller, o já citado Burroughs e todos os seus parceiros beatniks, assim como Charles Bukowski (este fundamental nos trechos de sexo e bebedeira), cada um contribui com o seu quinhão para que o estilo do autor se defina. O texto é dinâmico, com muitos diálogos, frases curtas e objetivas e descrições bem detalhadas. O belo projeto gráfico da editora Bruxedo, bonito e funcional, contribui para que o livro seja lido de um fôlego.

Quando está razoavelmente sóbrio, Mateus tenta escrever alguns contos embalado pelas sinfonias de Gustav Mahler. “Fazia um esforço sobrenatural, mas não tinha a regularidade e persistência necessárias pra poder deixar as palavras em mais de três páginas por dia”. Logo o telefone toca e a proximidade da noite e suas imprevisíveis tentações tiram totalmente a concentração do pretenso escritor. “Vamos entrar que hoje o negócio vai pegar fogo aí dentro”, convida o amigo Márcio diante de uma boate.

Embalado pelo ritmo frenético da história, Rogério Nery faz um paralelo interessante da época. Era o ano em que o brasileiro iria, enfim, votar para presidente da República e os debates na TV paravam o país, “que estava prestes a cair numa armadilha”. As pessoas usavam máquinas de escrever e ouviam LPs, num retrato tão fiel que é impressionante constatar como os últimos 15 anos tornaram tantas coisas, inclusive os costumes e as idéias, obsoletas.

O livro é repleto de pequenos dramas pessoais, o contraponto perfeito para as noites de delírio que os personagens vivem. O pai de Diana Prado é ex-alcoólatra, a ex-namorada de Mateus sente um ciúme perturbador de qualquer uma que se aproxime dele e de vez em quando rola uma briga na turma – quase sempre por ciúmes inflamados pelo álcool. São jovens meio sem rumo, sem destino, que apesar de terem projetos, às vezes empregos, vivem num mundo que em muitos momentos lembra a “Doce Vida” de Fellini e seus burgueses decadentes.

A conclusão a que se chega é que os personagens deste livro querem “fazer tudo ao mesmo tempo, num único fôlego, como numa jam session de jazz, soprando, improvisando”. Como os ídolos do rock dos anos 60 que morreram cedo, eles querem chegar aos limites. O problema é que depois sobram apenas o vazio, o tédio e o desencanto.

"Tudo é vaidade”
Rogerio Nery
Editora Bruxedo
R$ 25,00
132 páginas

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1.29.2007

VERÃO



A primeira imagem que me vem do verão é a da camisa grudada nas costas, empapada de suor. Por mais que elejam esta calorenta e luminosa estação como a melhor do ano, o que mais ouço é exatamente o contrário.

Perguntem, por exemplo, a motoristas de ônibus, carteiros, pedreiros, contínuos, policiais, lixeiros, enfim, a todos o que trabalham na rua o que eles acham do verão. Perguntem a quem pega um ônibus para voltar do trabalho às seis da tarde, em pleno horário de verão, ou precisem trabalhar de terno.

E enfim, perguntem a jogadores de futebol que precisam treinar com o sol a pino e jogam às quatro da tarde (às três, no horário normal).

Com a constante destruição da camada de ozônio, o forno de microondas que existe lá em cima está cada vez mais impiedoso. Se há uns dez anos era possível ‘pegar uma cor’ numa boa em qualquer horário na praia (sem protetor solar!), hoje só mesmo pessoas com comportamento auto-destrutivo conseguem fazer isso. Basta andar um pouquinho sob o sol para sentir que não tem mais refresco.

Claro, os que moram perto da praia, ou da montanha, e estão de férias devem adorar o verão. Mas e quando precisam sair para pagar uma conta e o ar-condicionado do banco não está lá essas coisas? Ou então num engarrafamento ao meio-dia, com a camisa grudada nas costas (voltamos a ela) e o motorista de trás buzinando para avançar o sinal? Não é à toa que o verão é a estação do estresse no trânsito.

Mesmo os que ficam o tempo quase todo no ar-condicionado não estão livres, pois os médicos sempre advertem sobre o perigo do choque térmico que acontece quando a pessoa sai do calor de quarenta graus para o ar-condicionado ou vice-versa.

Por isso, depois das águas de março (que agora vêm em janeiro), prefiro "As cores de abril", canção de Toquinho e Vinícius, que diz: "Olha quanta beleza/Tudo é pura visão/E a natureza transforma a vida em canção". Prefiro este sol, o do outono, bem mais ameno. Mas como este é um espaço democrático, aguardo os defensores do verão apresentarem seus argumentos.

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1.22.2007

SINTONIA FINA


Quero o silêncio
quebrado apenas pelo momento
de um dizer inalcançável

Quero o silêncio que grita calado,
que rasga as partes

Quero o silêncio
que consome os ruídos
imperfeitos do prazer

Quero o silêncio tântrico
que restaura corpos,
que enlouquece seres

Quero encostar o ouvido na parede
e esperar o leve rumor
de sintonia fina de sua voz

Que me faz delirar gemendo,
consumir morrendo


André Luis Mansur & Cirlene Fernandes

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1.06.2007

TIGRES NA CIDADE


Faz muito tempo, mas houve uma época em que os tigres infestavam as ruas da cidade do Rio de Janeiro, principalmente à noite. Embora não fossem de verdade, a sua simples aparição numa esquina já fazia com que os mais prevenidos atravessassem a rua, com o pavor do que um simples esbarrão neste temido personagem da vida carioca de antigamente poderia acarretar. Mas que tigres eram esses?

Tigres nada mais eram do que os escravos que carregavam os dejetos das casas para jogarem no mar ou em rios e lagos. As fezes e águas servidas, para usar um termo típico dos sanitaristas, eram carregadas em baldes na cabeça pelos escravos e a sua definição provoca controvérsias entre historiadores. Para alguns, tigres eram os escravos, para outros eram os baldes, e para mais alguns eram o conjunto escravo-balde. “O conjunto ‘negro-barril’ foi apelidado de ‘tigre’, pois não menos assustadora do que a de uma fera se afigurava, aos transeuntes das ruas desertas, de precárias iluminação, a aproximação de tais personagens, de cujo choque, involuntário ou proposital, podemos muito bem imaginar as conseqüências”(1). Havia lugares determinados na praia, em pontes de madeira, para os escravos jogarem os dejetos, mas quase ninguém os respeitava.

Os tigres saíam de casa geralmente à tardinha. “Era a hora dos Tigres, nome que se dava aos escravos que carregavam à cabeça, no interior de grandes barricas, os despejos das residências, que vinham atirar nas praias”(2). O pior era quando surgia, digamos, uma pequena “fresquinha” nessas horas. “O vento soprava, espalhava o ‘perfume’ e era um desespero”(2).

Adolfo Morales de los Rios Filho também destaca um aspecto repugnante deste triste trabalho, realizado até a metade do século 19, quando surgiram empresas que faziam o serviço em carroças, levando os baldes fechados até barcaças e depois despejando os detritos no meio da Baía. “Muitas vezes o fundo do barril cedia e os repugnantes despejos, emporcalhando as roupas dos pobres escravos, lhes deixavam marcas que o populacho julgava assemelharem-se às pintas das peles dos verdadeiros tigres”(3).

Muitos tigres jogavam os despejos na vala construída para drenar as águas as antiga Lagoa de Santo Antônio (onde é hoje o Largo da Carioca) para o mar, na rua do Aljube (atual rua do Acre). Estava vala atravessava toda a área onde é hoje a rua Uruguaiana, que por isso era chamada de rua da Vala. Ela foi construída a pedido dos religiosos do Convento e da Igreja de Santo Antônio, que reclamavam da água parada da lagoa, foco de mosquitos e cheiro ruim. Com o tempo, no entanto, a vala ia se enchendo de porcarias, até que já na segunda metade do século 18 o Vice-Rei, Conde da Cunha, mandou cobri-la de lajes de pedra. Mas a verdadeira razão que circulava na época para a atitude do Vice-Rei era por “haver caído nela certa noite escura, no decorrer de uma aventura galante, o mais graduado dos seus ajudantes...”(4) As quedas naquele depósito de imundícies eram muito comuns, já que a única iluminação confiável na época era a lua cheia.

O serviço realizado pela Companhia de Limpeza do francês Mr. Gravasser, a partir da década de 40 do século 19, foi considerado bastante eficiente. Os barris eram devolvidos vazios e limpos para os clientes, mas mesmo assim essa horrível atividade só seria abolida de vez com a implantação do sistema de esgotos da cidade, a partir de 1864, sendo o Rio de Janeiro a segunda capital do mundo – atrás apenas de Londres – a ter um sistema de esgoto. E os tigres, felizmente, nunca mais foram vistos com suas expressões tristes pelas calçadas da cidade.

FONTES CONSULTADAS:

(1) - "O saneamento do meio físico (O Rio de Janeiro em seus 400 anos) - Stelis Emanuel de Alencar Roxo e Manoel Ferreira.

(2) - Memórias do Rio - Sérgio D.T. Macedo.

(3) O Rio de Janeiro imperial - Adolfo Morales de los Rios Filho.

(4) - História das ruas do Rio - Brasil Gerson.


* Veja também (se tiver paciência) meu romance Vera Lúcia (romanceveralucia.blogspot.com) e meu livro de contos Superávit, o herói brasileiro (superavitoheroibrasileiro.blogspot.com