9.07.2008

POR CAUSA DE UMA PIPA LILÁS


Um dia eu quebrei o dedão do pé e acreditei que aquela era a maior dor do mundo. Um dia, com oito anos de idade, correndo, quebrei o dedão do pé direito. Com oito anos de idade constatei que não-liberdade significava ter que ficar com um pedaço do corpo abafado por uma parede disforme e branca (que breve receberia as mais criativas pichações), enquanto as pernas sãs, bastante ou não tanto ligeiras, das demais crianças se gabavam no pique-pega. Com oito anos quebrei o dedão do pé direito e constatei que a maior injustiça do mundo era eu não poder mais ser bailarina, leve.

Após oito enigmas indecifráveis, com os anos que pude ter até então, percebi que o que há de pior é aquilo que não dói tanto e que, portanto, não pode ser considerado “a maior dor do mundo” em algum momento. É aquilo que se encaixa nas horas. Cabe nos dias. Nos anos. Aquilo que não sobra e nem sequer precisa. Nem sequer precisa de uma pipa lilás cambaleante levantando vôo, numa aquarela viva emoldurada pela janela do meu quarto — precisa epifania. Não precisa. Nem sequer quer do mundo um bem-me-quer.

BRUNA MITRANO (www.deliriolilas.blogspot.com)