11.30.2009

OS VERDES ANOS


Sempre que volto ao meu bairro de infância, retomo minha crença na máquina do tempo.

Quase não vou ao meu bairro de infância. Além das recordações boas e más que surgem na minha frente (mesmo sem estarem fisicamente na minha frente), o que sempre me chama a atenção é encontrar as mesmas pessoas que faziam parte desta mesma infância fazendo exatamente a mesma coisa. E do mesmo jeito.

Ainda está lá o depósito de doces onde me empanturrava de guloseimas e, não há como negar, causa maior dos diversos problemas odontológicos que tive na vida adulta. O letreiro ainda é o mesmo de 30 anos atrás, a disposição das bancadas também, e o mais incrível: os três funcionários, sempre gentis e atenciosos, também estão lá, apenas com o acréscimo de outro, mais jovem. Só faltou mesmo a bancada que ficava na frente com os pacotinhos de K-Suco, ideais para visitas inesperadas e com os quais fazíamos saborosos picolés nas compotas de cubos de gelo.

Embora hoje não ligue mais para doces (para sorte dos meus dentes), outro dia não resisti: entrei na loja, caminhei um pouco lá dentro, como se estivesse a escolher algo, e comprei alguma bobagem qualquer. Na hora de pagar, dei uma rápida, porém significativa, olhada no perfil dos funcionários. Eles não me reconheceram, e nem poderiam. Afinal, quando moleque, acho que nunca trocamos mais do que algumas palavras. Melhor assim, pois uma conversa banal, do tipo "e aí, quanto tempo, hein?", "está fazendo o quê?", "e seus pais?", "engordou, hein"? tiraria toda a magia do momento, que prosseguiu com um passeio, aqui e ali um reencontro, outros personagens marcantes, como o dono da banca de jornal, onde comprava muitas revistas em quadrinhos, o ponto final do ônibus em frente à minha casa, o barbeiro, com cadeira americana (e onde ainda corto o cabelo) e a mendiga Rubenita, já pela casa dos 60 e tantos, prova viva de que os anticorpos realmente protegem os que vivem nas ruas.

Quando me deparo fisicamente com lugares e personagens vivos de algum lugar do passado, percebo que a máquina do tempo é uma invenção totalmente possível de se realizar apenas na memória. Tudo atinge uma outra dimensão, que pode ser agradável ou frustante. Se somos felizes, se conseguimos concretizar pelo menos parte do que planejamos ou sonhamos, este pequeno regresso não deve nos afetar, pelo menos assim acredito. Mas se levamos uma vida frustrante, a falar coisas do tipo "pô, tive tanto tempo pra escolher o que fazer", aí a melancolia assume o papel de protagonista, forçando a busca por uma conjunção tempo-espaço qualquer - um caminho, uma fresta onde dê para interferir nas escolhas que fizemos nos "verdes anos", como diria José Lins do Rego, um autor que fez das memórias da infância passada no engenho do avô matéria-prima para alguns de seus melhores romances.

A impressão que tenho nestas viagens ao bairro de infância às vezes é tão real que chego a acreditar que, ao virar a esquina, ainda vou encontrar a mim mesmo, andando de biciclieta monark-monareta verde, jogando bola na rua de paralelepípedos ao meio-dia (e arrebentando o dedão, às vezes), ou entrando no jatão, o brinquedo mais popular do parque IV centenário.

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11.10.2009

MANUTENÇÃO DE AMIZADE


Muitos amigos de infância acabam virando, assim como a Itabira de Drummond, um quadro na parede.

Assim como existe para carros e bicicletas, deveria haver uma oficina para manutenção de amizades. Até os 18 anos, acreditamos que os nossos amigos serão eternos. Compartilham da nossa vida de forma tão profunda que não podemos sequer imaginar a possibilidade de que um dia se transformem em ´estranhos e indiferentes´, aquela pessoa que você encontra na rua, fica meio sem jeito por não ter o que falar e termina a conversa com o sempre inócuo ´vamos marcar´.

Mas, infelizmente, é o que muitas vezes acontece. Claro, muitos permanecem ao nosso lado, alguns conseguem inclusive a proeza de estender a amizade entre os filhos, transferindo a afinidade e afeição mútuas para as respectivas famílias. Estes são casos mais raros. Na maioria das vezes, quando chegamos aos 20 e poucos anos, quando terminamos os estudos, começamos a trabalhar, nos mudamos da rua da infância, enfim, seguimos nosso próprio caminho, acabamos deixando muita coisa para trás, inclusive os amigos (até então) inseparáveis. Novos amigos surgem, no entanto, aos 30, aos 40, aos 50, até no fim da vida, quando, muitas vezes, numa situação grave como uma doença terminal a pessoa descobre uma amizade que até então se mantinha discreta, mas que naquele momento derradeiro se revelou com uma entrega e uma generosidade emocionantes.

Hoje, com as ferramentas virtuais de relacionamento social, como o orkut, por exemplo, acabamos encontrando com mais facilidade muitos amigos de infância. Entrando, por exemplo, na comunidade daquela escola pública onde fizemos o antigo primário, vemos aqui e ali alguma fisionomias conhecidas e pronto, um primeiro contato, muitas recordações, um encontro (real) e todo aquele mundo que se julgava perdido reaparece. Aí podem acontecer três coisas: aquela amizade reaparece, com cores e formas novas; um novo tipo de amizade se forma, quase sem nada a ver com o passado, ou, o mais melancólico, descobrimos que os outrora amigos eternos não foram nada mais do que ´amigos de infância´. E aí vamos manter um contato mais frio e distante, como colegas comuns.

Tem gente que prefere sequer pensar na possibilidade de voltar a ver a turma antiga, está tão feliz com a vida que leva que uma volta ao passado traria tintas de melancolias e tristeza incompatíveis com o estado atual. Outros já se animam, organizam almoços, encontros em boates, as tais ´reuniões de confraternização´, que muitas vezes provocam decepção pelo estado físico dos presentes.

Mas assim é a vida, ´é bonita, e é bonita´, como diria Gonzaguinha, um sujeito que deixou muitas amizades, antigas, presentes e futuras.


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