5.07.2007

LARANJA X COCA-COLA



No centro do bairro carioca de Campo Grande, há algumas esculturas que fazem referência ao produto que se tornou base da economia da região durante as décadas de 30 e 40. “Laranja no pé, dinheiro na mão” era o slogan publicitário que dominava o comércio da fruta na época. A zona oeste, junto com a Baixada Fluminense, foi a maior produtora de laranjas do país no período citado, e um curioso e desigual combate foi travado na época.

A produção se voltava principalmente para a exportação aos países europeus, Estados Unidos e Argentina. A colheita ficava armazenada nas packing-houses, barracões de armazenamento onde as laranjas eram preparadas para a exportação, e o transporte feito nos trens da Central ou por caminhões lotados (1). “Os caminhões repletos passavam sob os gritos da garotada que pedia laranja aos ajudantes e os meninos nos barracões pediam pregos e madeiras para seus brinquedos”. A garotada adorava as folhas de papel de seda importadas da Finlândia, usadas para envolver as laranjas e que serviam também para pipas e balões.

Na época, foi produzido em Campo Grande um suco de laranja chamado “A nossa”, iniciativa do químico-industrial Jorge Lima Filho e de seu sócio Ademar Flores. Nome oficial: “Suco natural de nossa laranja”. A produção era realizada numa packing-house perto do centro do bairro. “Era nossa de ponta a ponta, da safra da laranja na terra até a distribuição aos consumidores”. (2) Com o sucesso inicial, até houve negociações para exportação.

Mas algumas dificuldades técnicas e a forte concorrência da Coca-Cola, que após a II Guerra Mundial começou realmente a se espalhar pelo mundo, acabaram com o sonho dos sócios. “Foi assombroso o marketing da Coca-Cola. Distribuíam o refrigerante de graça nos colégios e nas festas e lugares onde se reunia o povo”. Para o autor citado, a iniciativa do suco de laranja foi um “patriótico, romântico e quixostesco visionarismo”. (2)

A decadência da época de ouro da laranja na região começou com a II Guerra Mundial, quando a economia dos países que importavam a laranja brasileira se voltou para a produção de armamentos. Além disso, o bloqueio continental feito pelos submarinos alemães prejudicou mais ainda a exportação. Os laranjais ficaram carregados, as frutas estragavam no pé e logo surgiram pragas. Os proprietários então venderam suas terras, que seriam loteadas, e o próspero ciclo da laranja chegava ao fim. “A decadência da citricultura de exportação, em função da guerra, contribuiu, de maneira decisiva, para que Campo Grande começasse a transformação das propriedades rurais em loteamentos suburbanos e já no decênio 1940 -1950 apresentasse um dos mais altos incrementos populacionais da cidade (70%)”. (3)

Bem antes das laranjas, no entanto, Campo Grande foi o berço de outro produto importante, principal fonte de divisas do Brasil na maior parte do século XIX. Mas isso é assunto para o próximo artigo.

FONTES CONSULTADAS:

(1) Artigo não assinado na revista nº5 do Instituto Campograndense de Cultura (ICC).
(2) “Desastre ecológico na Baía de Sepetiba – Dílson de Alvarenga Menezes – Edição do autor – Rio de Janeiro – 2000.
(3) “A fisionomia das unidades urbanas” – Maria Terezinha Segadas Soares – Artigo publicado no livro “O Rio de Janeiro em seus 400 anos” – Rio de Janeiro – 1965.


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22 comentários:

Anônimo disse...

Como dizem os publicitários, o marketing agressivo da Coca é um ótimo case. Uma vez, fiz matéria com um cara que tinha trabalhado lá, e ele contou como compravam quantidades industriais de concorrentes (Mineirinho, Pepsi, etc.) no verão e destruíam, para que faltasse no mercado. Vou esperar o próximo artigo e ficarei pensando em qual será o produto-tema a ser tratado. Abraços

Anônimo disse...

Mansurca,
legal ler de novo suas historinhas, depois de tanto tempo sem escrever nada... (o q houve?).

Sorvendo o texto, até fiquei com vontade de tomar uma coca, ops, um suco de laranja !!!

- ZEROCAL.

Anônimo disse...

Salve serrote!ótima história. Juntou duas coisas que eu adoro: marketing e campo grande. Vou usar o exemplo da laranja em aula...vc tem mais informações sobre esta guerra de marcas?..abs

Anônimo disse...

Marketing agressivo mesmo, Marcello. Mas os monopólios funcionam assim também. É o capitalismo selvagem, tudo pelo mercado. Abraços.

Valeu pelo comentário, Carlos Alberto. Bom saber que meus leitores são fiéis, eh, eh. Eu estava organizando uns textos, até para manter a qualidade do blog, oras.

Pô, Aru, vou ver se consigo mais dados sobre isso e te passo. Até a próxima festa.

Anônimo disse...

Eu preciso coca com suco de laranja e vodka. Não é Dreher, mas desce macio e reanima.
Bem, "The secret formula" (é um livro que eu tenho aqui em casa sobre justamente a jogada de marketing da Coca-cola) é o 7-X, o tal composto misterioso da bebida! Vai ver que esses americanos acharam isso em nossas laranjas e enriqueceram às nossas custas!

Anônimo disse...

Recapitulando, eu não preciso de nada, eu gosto de!

Gustavo disse...

Coé, Mansur!
Ótimo texto (como sempre)! Talvez a história do fim das pequenas e médias propriedades rurais de CG também renda um bom artigo, até por envolver o Rio da Prata.
Abraços,

André Luis Mansur disse...

Uma boa pauta, Aline, vou pesquisar aqui para saber se o tal 7-X saiu dos laranjais campo-grandenses. Em tempo: laranja com vodka é hi-fi? Eu gosto. Beijos.

Fala, Gustavo. Venho pensando nesse tema já há algum tempo. Em breve vou escrever algo. Abraços e até a próxima cervejada.

Anônimo disse...

Mais um motivo para eu continuar preferindo suco de laranja, além de ser mais saudável. Ótimo texto, como sempre.

Beijos, Mariana.

Anônimo disse...

Seria interessante se alguém ainda tivesse uma garrafinha da Nossa.

Abraços.

Anônimo disse...

Faz bem, Mariana, se bem que para ressaca nada se compara a uma coca-cola de garrafa de vidro.

Augusto, posso tentar procurar, mas acredito que será difícil. Se bem que consegui uma vez a caixinha da Manteiga Campo-Grande, que fez sucesso no bairro em priscas eras.

Abraços.

Anônimo disse...

Ainda existem essas packing-houses, Mansur? Ou já foi tudo destruído? Fiquei curiosa.

Beijos.

Anônimo disse...

Lembro que no caminho pra Guaratiba tinha um, mas já derrubaram faz muito tempo.

Obrigado por resgatar parte da nossa história.

Abraços.

Anônimo disse...

Acho que não tem mais nenhum. Eu só conheço das fotos que ficam no bar Chope da Villa, do meu amigo Ernesto Pires.

Anônimo disse...

Fala Mansur, eu prefiro guaraná a coca-cola. Suco de laranja é ótimo para curar ressaca. É nois!

Anônimo disse...

Ih, rapaz, eu ainda prefiro a coca de garrafa para curar ressaca, principalmente aquela garrafinha de 200 ml. É a ideal. Mas caldo de cana e água de coco também é bom. Valeu.

Abraços.

Unknown disse...

Não querendo generalizar... mas brasileiro não sabe dar valor ao que tem, trocar suco de laranja por coca-cola. Esse mania de achar que do outro é melhor, é tão antiga quanto a humanidade.
Nada mais agradável do que um bom suco, seja de laranja ou de qualquer uma de nossas maravilhosas e excêntricas frutas...rs
Aprendo muito com seus textos de história..rs São ótimos. Agora os comentários, divertidos! Verdadeiras dicas de como acabar com a ressaca..rsrs
Beijinhos

André Luis Mansur disse...

Os comentários são um caso à parte (rs). Esta história é bem ilustrativa do poder da propaganda. Realmente eu só tomo coca-cola quando estou de ressaca, o que é raríssimo. E prefiro aquela pequena, de 200 ml. Fora isso, só laranja, e lima.

acácio disse...

Sobre os laranjais de Campo Grande, RJ, meus avós eram um dos plantadores e exportadores de laranjas na época da II Guerra, eu ainda vivi uma parte da minha infância neste laranjal, região entre Campo Grande e Inhoaíba.

Anônimo disse...

Muito legal. Você tem fotos da época. Ou mais informações?

Anônimo disse...

Mansur,
Ao fazer uma releitura de meus poemas para publicá=los em meu blog,deparei-me com um intitulado "cocacologia reprodutiva". Pensei em buscar alguma figura para dar um visual diferente e, com que alegria, satisfação e orgulho, que aqui estou escrevendo-lhe esse depoimento. Nutro um profundo saudosismo bairrista e sempre que tenho oportunidade, faço referência a esse maravilhoso lugar. Já há 15 anos morando em Cabo Frio (exerço o magistério aqui na Região dos Lagos. Sou funcionário público municipal), sempre que posso, vou visitar os meus parentes (irmãos, tios, primos, sobrinhos) e matar as saudades do povo.
Estou, nesse momento, com a sua anuência, divulgando esse resgate histórico maravilhoso, feito por você.
Aproveito o ensejo e o convido a visitar o meu cantinho virtual e a continuar mantendo esse contato.
Saudações virtuais, literárias e, por que não, campograndenses.
Francisco Mattos
www.chicomattos.spaceblog.com.br

Anônimo disse...

Oi, Chico, tudo bem? Agradeço os elogios e a divulgação do blog. Aliás, em outubro estarei lançando aqui no Rio o livro ´O Velho Oeste Carioca´, pela editora Ibis Libris, sobre a História da zona oeste do Rio. Também organizo na Universidade Moacyr Bastos, em Campo Grande, um cineclube todas às sextas, às 19 horas, de graça. Quando estiver por aqui, apareça.

Infelizmente no últimos 15 anos Campo Grande cresceu demais, principalmente no trânsito, e está meio bagunçado, mas ainda é um bom lugar para se viver.

Gostei bastante do seu blog. "Que nossos filhos não chorem coca-cola!!!"

Grande abraço.