5.05.2008

CAPITU NÃO TEVE CHANCE


Passa um tempo e a pergunta volta: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Neste ano então, em que se completam os cem anos da morte de Machado de Assis, ela vai se fazer muito presente. Mas a questão central desta polêmica que já dura mais de 100 anos (“Dom Casmurro” foi lançado em 1900) raramente é mencionada.

Quando alguém é acusado de alguma coisa, o máximo que se espera é que tenha chance de se defender. Mas Capitu não teve esta chance, pois “Dom Casmurro” nada mais é do que a versão de Bentinho pura e simples. Lembremos que o livro começa com Bentinho dentro do trem, dirigindo-se ao bairro do Engenho Novo, no subúrbio do Rio, e que na época era um local ideal para quem queria se isolar do burburinho do centro da cidade.

A meta de Bentinho é escrever a “História dos subúrbios”, mas o que ele faz mesmo é contar a grande amargura da sua vida, a traição da mulher que ele amou desde a infância passada junto com ela na rua de Matacavalos (atual rua do Riachuelo). Bentinho está velho, isolado, amargurado e provavelmente com lapsos de memória. Mas assim mesmo escreve a sua versão sobre o que ocorreu, a mesma versão que até hoje causa polêmica através da pergunta: Capitu traiu ou não traiu?

Portanto, para começarmos a tentar descobrir a “verdade sobre os fatos”, teríamos de pelo menos ouvir a versão de Capitu e de Escobar, seu suposto amante, o que Machado torna impossível, pois quando Bentinho começa a contar sua história os dois já estão mortos.

O escritor Fernando Sabino chegou a fazer uma recriação de “Dom Casmurro” sem o narrador original, em terceira pessoa, no livro “Amor de Capitu”. Há quem goste deste tipo de especulação e eu respeito, mas acho que a continuação de uma obra de arte só pode ser feita pelo autor da obra de arte, e isto vale também para a música e o cinema (não tiveram a coragem de fazer uma continuação de “Casablanca”?).

As suposições de Bentinho são mostradas principalmente em alguns trechos do livro, como neste, em que Bentinho recebe a visita de seu suposto filho Ezequiel, mas que para Bentinho...“Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar” (Cap. 145). Ou esta, ainda envolvendo Ezequiel: “Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel” (Cap. 139).

Depois de um tempo de casamento feliz com Capitu, de uma vida “mais ou menos plácida” (Cap. 105), começam as desconfianças de Bentinho em relação a Capitu e Escobar, que terminam de forma trágica e melancólica, com Bentinho dizendo que “a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me...A terra lhes seja leve! Vamos à História dos Subúrbios” (Cap. 148).

Mas, como foi dito, este é o desfecho de um relato repleto de rancor e melancolia feito por um homem desprezado pelos vizinhos e que logo no início do livro irrita um passageiro no trem. Num estado como esse, até que ponto é possível acreditar na sua versão sobre uma frustrada história de amor? Esta sim é que me parece a questão central de "Dom Casmurro" e não a velha pergunta citada no início.

17 comentários:

Anônimo disse...

Que falta não fez para a Literatura um exame de DNA!!!! rs rs

Esse Bentinho era um chato e inseguro...

Sou mais Millor Fernandes... Veja

http://agrinalda.blogspot.com/2007/11/dubito-ergo-sum-millor-fernandes-sobre.html

Um bjo Andrea

Anônimo disse...

É mesmo, um exame de DNA resolveria tudo, mas tiraria todo o prazer do livro.

Aliás, sobre o Millor, não concordo nem um pouco com as opiniões dele sobre ´Dom Casmurro´. Já as tinha lido no jornal ´Rascunho´, junto com as do Domingos Pellgrini, da mesma linha. Perguntar, por exemplo, se os olhos de ressaca eram de maresia ou de porre é coisa de quem apenas quer dar uma de engraçadinho.

Beijos.

Anônimo disse...

Um curitibano disse que se Capitu tivesse traído, não seria Machado e sim, Dalton Trevisan.

Abujamra, um abraço.

Anônimo disse...

Muito boa a ´provocação´.

Grande abraço.

Fanzine Episódio Cultural disse...

Olá, meu nome é Agamenon Troyan. Sou mineiro da cidade de Machado (sul do estado). Sou autor do livro “O Anjo e a Tempestade”, publicado pela Editora Nelpa, de São Paulo. É um livro onde a mitologia, o terror, o suspense, os problemas sociais e o caos se cruzam a cada instante. A capa (em anexo) foi elaborada pela artista plástica carioca, Mel Gama (www.melgama.com )

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Anônimo disse...

O mistério de Capitu. A pergunta que não quer calar. Traiu ou não traiu? Este é um enigna para futuras gerações continuar fazendo o mesmo questionamento.

Anônimo disse...

100 anos e continuamos deslumbrados com a grandiosidade machadiana... se Capitu traiu ou não... que importância faz? Machado constrói um narrador que ao longo do relato vai deixando as pistas para o seu leitor. Bentinho não nos entrega um relato pronto, fechado, terminado... a escrita de Machado continua em nós. A questão da traição não passa de uma estratégia do discurso. Para prender, seduzir e dar responsabilidade ao leitor... às vezes nos vemos na necessidade, por um ato de compaixão - cumplicidade, resolver os problemas de bentinho.
Bem, Machado é maravilhoso... e Capitu, assim como Eugênia, Sofia etc... são mulheres extremamente inteligentes... As mulheres machadianas têm mais força e inteligência que os homens... é claro que faz parte da retórica do nosso grande escritor.

Bjs

Anônimo disse...

Pois é isso exatamente o que eu acho: a possível traição não é o mais importante e sim toda a engenharia narrativa e a sutileza descritiva dos personagens conduzidas pelo mestre. Como você disse, "a escrita de Machado continua em nós" e é tão marcante que "Dom Casmurro" permanece atual como se a frustração de Bentinho estivesse estampada nos jornais de hoje.

E é verdade, Machado mergulhou na alma feminina de um jeito que, pelo menos é o que eu acho, só outro mestre, Chico Buarque, conseguiu igualar.

Beijos.

Anônimo disse...

Sim, Capitu traiu.

Anônimo disse...

mentira! sempre levantei esta possibilidade e poquíssimas pessoas concordaram comigo. bom ver que não sou tão maluco assim. "uma frustrada história de amor" pode ser uma definição perfeita, levando em conta a situação de Bentinho. mas no fundo, lá no fundo, eu acho que Capitú o traiu sim... por mais sedutora que seja a outra hipótese, ela não consegue converncer-me completamente... =)
abs!
http://acoesevariacoes.blogspot.com

Anônimo disse...

Como Cirlene já disse tudo, limito-me apenas a salientar que, se a "verdade" (construção)é relativa e completamente dependente de um referencial, imagine a "traição"...

Anônimo disse...

A falta de uma ´verdade sobre os fatos´ é que torna o desfecho de ´Dom Casmurro´ especialmente atraente, e confesso que realmente o que menos me importa é se Capitu traiu ou não. As relativizações de Machado, principalmente sobre o caráter dos personagens (vide uma figura importantíssima na trama, José Dias) é que deveriam ser discutidas em primeiro plano. O mestre sabia ser sutil como ninguém, até mesmo para disfarçar a discussão central do seu livro.

Beijos, menina Gaivota.

Anônimo disse...

Marcello disse...

Eu acho que Capitu traiu e, mesmo assim, ele gostava dela. A impressão que tenho é que ele se viu obrigado a não gostar dela por causa disso, mas ainda assim gostava. Foi o que senti nas últimas páginas.
Ela era seu primeiro - e único - amor, ele a admirava, tinha uma vida boa com ela e ainda teve um filho homem.
A vida dele decai muito quando todos saem de cena. E o amor permanece.
Claro - é só a minha opinião.
Abraços.

Anônimo disse...

Faz sentido.

Bruna Mitrano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruna Mitrano disse...

Mandou bem, Cirlene! Defendendo o "nosso" querido Machadinho (meus alunos adoraram esse apelido do Bruxo..rs).
Sei que esse post é meio antigo, mas...
Bem, parece que o tal do exame de DNA existe na versão contemporânea da história, a do filme, que não só por causa disso é um verdadeiro desastre. Ele destrói essa que é exatamente a grande jogada do homem do Cosme Velho. No filme, fica claro que a Capitu não traiu e que tudo não passou de um desvario do Bentinho. Claro, o filme veio muito depois de muitos sutiãs seram incendiados em praça pública. Lutas feministas à parte, o gostinho, todos nós leitores sabemos, está na dúvida.Então,um viva à (e "a") incerteza!

Ah, eu excluí o comentário acima porque quis escrever mais (podia ter continuado em outro..lerda..rs)

Anônimo disse...

Também gosto muito do ´Machadinho´, que era como os amigos o chamavam na juventude. ´Bruxo do Cosme Velho´ é que eu não suporto, pois já virou um lugar comum na imprensa.

Vai ter a nova versão agora, na minissérie da Globo. Como é dirigido pelo Luiz Fernando Carvalho, espero que mantenha um pouco das sutilezas do mestre.

Beijos.