
Acho que ninguém agüenta mais ver todos os dias as mesmas imagens de operadores da Bolsa com a mão na cabeça, olhar perdido ou sentados de cabeça baixa. A crise é séria? É. Pode afetar a gente? É...pode. Mas, pelo que vejo, o pior dela já passou e quem anda nas ruas das grandes cidades percebeu que as dezenas de financeiras continuam com a corda toda, despejando funcionários nas ruas ávidos por conseguir novas vítimas, digo, clientes, e oferecer empréstimos (ou seja, crédito) sem comprovante de rendimento nem consulta ao Serasa. Se o primeiro elemento econômico a sumir numa crise é o crédito, ela, pelo jeito, não passou por aqui.
Ah, algumas empresas perderam muito dinheiro com a alta do dólar. Mas também ganharam fortunas quando a moeda americana estava em baixa, o que aconteceu durante muito tempo. Ora, este é um risco normal de quem atua em um sistema econômico volátil como o capitalismo. Dentro de uma grande empresa há analistas que fazem projeções sobre alterações no sistema financeiro. E há quanto tempo ouvimos falar que a “bolha iria estourar”? Se, com tantas informações disponíveis no mundo capitalista selvagem e globalizado, alguns empresários não se prepararam, paciência.
Já estava na hora também de se parar com este endeusamento de algumas figuras do mundo das finanças. Desde 1997, quando fui redator de economia do Jornal do Brasil (ainda na saudosa sede da Avenida Brasil) e estourou a crise dos tigres asiáticos, que ouço falar que o mercado está apreensivo com a possibilidade de uma recessão americana. Lá, como cá, eram usadas com exaustão as mesmas imagens citadas no início deste texto. O então presidente do Federal Reserve (caprichar na pronúncia), o Fed, Alan Greenspan, era exaltado como um deus. Não à toa, a expressão “Todo Poderoso” era constantemente empregada em relação a ele. Lembro de uma frase quase apocalíptica a respeito de Mr. Greenspan: “Quando este homem fala, o mundo treme!” Meu Deus...
Por quanto tempo seremos massacrados com índices, gráficos, projeções e viés de baixa e alta? Um dia a Bolsa despenca, noutro dispara. “O mercado está nervoso”, “O mercado aguarda com cautela”, “O mercado está eufórico”. Falam do mercado de ações como se ele fosse realmente um representante fiel da economia de empresas e países, mas se esquecem que hoje, com esta orgia desenfreada de grandes capitais migrando de um para outro lado do mundo com um simples toque no teclado, o marcado de ações está muito mais para um cassino de grandes proporções do que outra coisa. Só perde dinheiro mesmo o desesperado que retira a aplicação quando as ações despencam, ou seja, o investidor de primeira viagem. Os tubarões então vão lá, compram os papéis em baixa, os índices disparam e mais uma fortuna foi feita, quase sem esforço físico nenhum.
Ah, mas o “valor de mercado” das empresas caiu em tantos por cento. O valor de mercado é tão volátil quando os índices da Bolsa. Podem ter certeza de que quando tudo se normalizar, em breve, o valor de mercado das empresas vai estar lá, no lugar onde sempre esteve. A única coisa que mudou é que, por enquanto, algumas megafusões e megacompras de empresas estão em suspenso. Nada demais, afinal todos ganharam muito dinheiro com a farra e agora aguardam apenas a ressaca passar.
O capitalismo precisa destas crises sistêmicas, até para poder sobreviver enquanto “agoniza, mas não morre”. A locomotiva (no caso, a economia americana) dá uma freada para sacudir os vagões lá atrás, mas daqui a pouco retoma a viagem. Portanto, vamos falar mais de cultura, meio-ambiente, ciência, política e esporte e deixar a “crise” um pouco em segundo plano. O mundo já tem vários outros motivos para “tremer” de vez em quando.