3.01.2010

RIOS ANTIGOS


Um dos principais sintomas da degradação ambiental de uma cidade ocorre quando seus rios passam a ser chamados de valões. Aqui no Rio de Janeiro isso ocorre em todos os bairros e o mais irônico é que a cidade carrega um rio no nome, conseqüência do equívoco dos primeiros navegantes, que, ao chegarem aqui em 1º de janeiro de 1502, confundiram a Baía de Guanabara com a foz de um grande rio. Como estávamos em janeiro, Rio de Janeiro.

Já o rio que deu nome aos nascidos na cidade, o Carioca, é hoje quase totalmente canalizado. Tem apenas um pequeno trecho visível no Largo do Boticário, no Cosme Velho, e desemboca de forma muito mal-cheirosa na Praia do Flamengo. Era às margens dele que o fidalgo português Martim Afonso de Souza morava, em 1531, numa casa de pedra, origem do termo cari-oca, dado pelos indígenas e que significa ´casa de branco´.

Apesar da lastimável situação atual, os rios antigos já foram o principal meio de transporte desta cidade, já que as poucas trilhas que existiam eram perigosas e cheias de obstáculos. Assim, rios como o Maracanã, o Comprido, o Carioca, o Andaraí, o Piraquê, o Meriti, o Piraquara, o Guandu e tantos outros foram responsáveis pela maior parte da movimentação de cargas e passageiros da cidade por muito tempo, sempre atrelados a ancoradouros e portos que já não existem, como os de Irajá e Maria Angu, fundamentais para o escoamento de boa parte da produção agrícola do subúrbio carioca.

Destes tempos de grande importância para o desenvolvimento da cidade só ficaram mesmo os nomes dos rios - boa parte subterrâneos - e os que não passaram por este processo ficam expostos a todo tipo de degradação, não apenas do esgoto jogado in natura nas suas águas, que nascem limpas e cristalinas nas serras, mas também à falta de educação dos moradores próximos que jogam todo tipo de porcaria em suas águas, de sacos plásticos a cadeiras, sofás e até geladeiras velhas. Um projeto que deu certo aqui na cidade é o dos ´guardiões dos rios´, realizado por pessoas que recebem um salário para não apenas manter o leito do rio sempre limpo mas também as margens. O trabalho recebe o apoio de jardineiros, também da prefeitura, que estão transformando alguns rios em verdadeiras alamedas, com plantas e árvores bem diversificadas. Vendo o trabalho bem feito e o cuidado com que o rio é tratado, a quantidade de lixo jogada neles depois que o projeto começou diminuiu consideravelmente.

Mas fica aqui uma sugestão, que já compartilho com alguns amigos: por que não chamar o rio pelo nome? Nos mapas da prefeitura, é fácil identifica-los e alguns têm até plaquinhas. Não que isso vá lá mudar muita coisa, mas só de não chamá-los de valão, nome que simboliza sujeira e podridão, quem sabe eles não passem a ser mais respeitados? Afinal, não dizem que o sujeito só passa a existir quando é batizado?
Eu não sei não, mas depois que passamos a chamar o rio perto da minha casa pelo nome dele, Cabuçu-mirim, afluente do Cabuçu, que desemboca no Piraquê e deságua na Baía de Sepetiba (este poderia ser o seu ´nome completo), já percebi que duas garças aparecem por lá todas as manhãs e ficam se refestelando num banco de areia que surgiu milagrosamente no meio do rio.

* Imagem atual do Rio Carioca, na altura do Largo do Boticário.

- Se puder, veja também meus outros blogs:
www.criticasmansur.blogspot.com
www.manualdoserrote.blogspot.com

15 comentários:

Pedro Paulo Rosa disse...

Com certeza, André! Essa sua sugestão é uma chamada ao bom senso. Está mais do que na hora de percebermos o quanto o meio ambiente nos sustenta em todos os sentidos e nos propõe uma vida bem mais saudável, equânime.

Grande Abraço!

Anônimo disse...

Marcello disse...

Lamentável que os rios sejam hoje motivo só de aporrinhação. Quem mora às margens do Rio Maracanã, por exemplo, já começa a tremer quando a chuva aperta. E o pobre do rio não tem nada com isso.

Abraços.

André Luis Mansur disse...

E o Maracanã era o principal meio de transporte do Engenho Velho dos Jesuítas, origem da Tijuca, Andaraí e vários bairros da zona norte. Acho que os rios realmente foram as maiores vítimas do tal do ´progresso´.

Abraços, amigo!

André Luis Mansur disse...

Fala, Pedro, tudo bem?
Seria muito bom se os rios voltassem a ser limpos. Conhecidos meus de 50 e poucos anos falam com saudades de como pescavam tranquilamente nos valões de hoje.

Abração!

Gustavo disse...

Em minhas andanças por aí, como bom carioca, cada deslumbramento ante uma linda paisagem, uma bela cidade ou um imponente castelo é acompanhado por um saudosismo do meu Rio de Janeiro.

Tive até o despeito de, em pleno êxtase, diga-se, ao caminhar ao longo do Sena e avistar a Torre Eiffel pela primeira vez, flagar-me pensando "sou mais o Rio" - e, no fundo, sou mesmo! hehe

"Carioca só viaja pra confirmar que a cidade dele é a melhor do mundo mesmo".

Entretanto, indo ao que interessa, confesso que sempre tive uma ponta de inveja da marcante presença de rios em praticamente todas as cidades européias em que estive. O Liffey, o Clyde, o Tâmisa, o Sena, o Lech, o Lee, o Forth, os canais de Manchester... Enfim, a lista parece não ter fim.

Ok, temos praias infinitamente mais bonitas, temos as lagoas de Marapendi e Rodrigo de Freitas, os mangues de Guaratiba, as duas maiores florestas urbanas do mundo...

... Mas a verdade é que, mesmo sem abalar minha certeza de que vivemos na melhor cidade do mundo (hehe), ironicamente, e com uma ponta de inveja e tristeza, sempre penso que falta um rio no nosso Rio.

Infelizmente, em vez de rios e pontes a recortar nosso espaço urbano, temos muros de trem e passarelas. Lastimável.

Saudações Tricolores

André Luis Mansur disse...

Fala, Gustavo, tudo bem?

Muito bacana o seu depoimento. Se o Eduardo Paes ou o Sérgio Cabral o lerem vão querer a liberação do texto para a campanha da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Mas, falando sério, é muito legal ter essa visão, principalmente em relação a Paris. Afinal, a verdade é que a cidade-luz, em termos de belezas naturais, não tem quase nada. O sul parece ser muito mais atraente.

Mas os rios da Europa são míticos, citados em inúmeras referências culturais, protagonistas de guerras, de romances, de mil coisas, daí a sua importância. O Tâmisa mesmo, foi despoluído há alguns anos e aqui a nossa Baía de Guanabara continua a receber verbas que desaparecem nas suas águas imundas. O Reno, o Danúbio o Tejo, cada um carregando uma história riquíssima em suas águas.

Grande abraço e, a respeito das ´saudações tricolores´, não custa lembra que fluminense vem de ´flumen´, o rio em latim que tanto confundiu os nosso primeiros visitantes.

PS: Pelo menos temos um dos mais famosos, só que não é no Rio, é beeeem lá pra cima.

Gustavo disse...

Complementando (e mudando um pouco o foco - ou não):

Acho a idéia de divulgar os nomes dos rios muito boa. Parece-me que poderia ajudar na conservação dos mesmos se implementada.

Sobre a Copa e as Olimpíadas, pensando sobre isso agora, não me lembro de ter lido nada sobre planos de recuperação e manutenção dos maciços da Pedra Branca e de Gericinó. Em geral, leio apenas sobre despoluição da baía.

Aliás, há ainda o Maciço do Tinguá, em Nova Iguaçu. Na época em que minha avó por lá morava, lembro claramente do péssimo estado de conservação. Uma pena.

Isso para não falar da Ilha Grande, que nos últimos 20 anos sofreu um processo de degradação impressionante. Creio que só não está pior graças a instalação de um campus avançado da Uerj, que ocupou uma parte considerável da ilha.

Dá até tristeza...

Saudação
PS(1): admito que não sabia origem da palavra fluminense. Mais um motivo de orgulho pra mim! hehe

PS(2): Paris não tem muitos atrativos naturais, mas também está longe de ser feia... rsrs. Em termos de paisagem, incluiria no meu "top 3" a Baviera, as Highlands e o Tejo.

André Luis Mansur disse...

É mesmo, sempre me refiro aos rios pelos nomes. Quando alguém pergunta: "Ah, é perto do valão?" Não, é perto do rio das Pedrinhas, ou do rio do A, ou do rio Piraquê...e por aí vai.

Eles nem falam nada em conservação dos maciços. Houve uma estiagem grande aqui no Rio em fevereiro e teve muitas queimadas nas florestas. O único empenho que existe para a conservação e até para a viabilização dos parques como atrativos turísticos acaba vindo de ongs e de abnegados ecologistas. A Ilha Grande é a mesma coisa.

Pois é, o seu time tem a ver com as origens da cidade, apesar da confusão entre baía e rio. E quando a Paris, prefiro sempre a frase de Rick para Ilsa no final de Casablanca, um pouco antes da separação deles. "E nós?" "Nós teremos sempre Paris".

Abraços.

Vivian Graça disse...

Bóra fazer um slogan?
"Rios no Rio em 2016. Como estará o seu valão?" Mas, é sério, aderi a campanha de chamar o rio pelo nome. Vou incentivar isso com outras pessoas também. E, nossa, não sei porquê, mas eu tô com um boa intuição sobre os rios em 2016...
beijos

André Luis Mansur disse...

Oi, Vivian, tudo bem?

Adorei esse slogan, você leva jeito, mas é melhor registrar logo antes que ele apareça em alguma campanha da prefeitura.

Sei lá, não estou muito otimista não, principalmente porque para os rios voltarem a ser limpos seria preciso um investimento muito grande em redes coletoras de esgoto, o que leva muito tempo.

Legal você incentivar outras pessoas, afinal o coitado do Rio já sofre com sujeito e cheiro ruim e ainda tem que sofrer de crise de identidade. Aí não dá, né?

Beijos!

Fernanda Godoy disse...

Oi, Mansur!

Quando estava lendo o seu texto sobre os rios cariocas, comecei a chamar esta cidade de Vala de Janeiro, e comecei a acreditar que este seria um nome bastante apropriado para o que sobrou daquele Rio De Janeiro. Afinal, que esta cidade é linda, ninguém no mundo duvida. E é linda mesmo sendo extremamente maltratada por todos, sejam pobres, ricos, povo, políticos etc. O descaso é tão absurdo que eu, que sempre fui politicamente correta (não chata, apenas tento fazer a minha parte), ando me recusando a colaborar. Ainda não joguei lixo no chão porque não consigo, mas ando reclamando alto, o que já é um passo largo para mim.

No entanto, ao ler seu texto até o fim, acabei contagiada pelo seu romantismo, pela sua bela (re)visão sobre a cidade. Graças a você recuperei um pouco do fôlego. Valeu!!

Bjs,

Fernanda

André Luis Mansur disse...

Caramba, fiquei muito feliz, Fê, de saber que meu artigo recuperou um pouco do seu fôlego. "Contagiada pelo seu romantismo" foi lindo, ganhei o meu feriadão (rs).

Realmente a revolta às vezes domina a gente, principalmente nesta cidade tão maltratada tanto por políticos como pelo povo mesmo, mas sei lá, eu gosto tanto daqui que tenho que manter um mínimo de esperança, senão eu me mudo. Mas que às vezes é difícil é, e dá vontade de ´chutar o balde´.

Beijos!

Adinalzir disse...

Esse texto tem tudo a ver com aquele dos "Duzentos anos de Enchentes". A falta de cuidado com os nossos rios é uma das principais consequências das atuais enchentes no Rio de Janeiro.

Abraços!

André Luis Mansur disse...

E o senhor, como professor de História, sabe muito bem que nossa cidade, pelo menos a área central, foi toda construída sobre pântanos, mangues, lagoas e rios, tudo aterro. Ou seja, está assentada sobre bases nem um pouco sólidas.

Abraços e obrigado!

André Luis Mansur disse...

E o senhor, como professor de História, sabe que nossa cidade, pelo menos a área central, foi construída sobre pântanos, mangues, charcos, rios e lagos, ou seja, uma base nem um pouco sólida.

Abraços e obrigado.