7.18.2013

ATENTADOS LITERÁRIOS

         Costumo deixar livros no trem, mais precisamente quando a composição chega à Central do Brasil, estação final, no centro do Rio de Janeiro. Assim que a "minhoca de lata" chega, espero todo mundo sair, tiro o livro da mochila, coloco no canto de um banco e saio, sem olhar para trás. Prefiro esta atitude discreta, pois seria muito desagradável se alguém me cutucasse no ombro lá na frente e dissesse, com a melhor das intenções: "Amigo, esqueceu isso aqui". "Ah, sim obrigado".
         Os temas dos livros variam, pode ser de ficção, História, variedades, o que pintar, contando que esteja em bom estado. Fico imaginando a reação das pessoas, se vão gostar, levar pra casa, dar pro filho, ou mesmo deixar de lado. Não sei. O mais fascinante nesta atividade, que já desenvolvo há muitos anos, é exatamente deixar a imaginação livre para saber o destino do livro. Um amigo também já fez a mesma coisa, mas ele acrescentava um pequeno texto no início do livro, quase uma dedicatória, do tipo "Este livro não chegou a você por acaso, portanto trate dele com carinho".
         Certa feita vi uma reportagem sobre um grupo que fazia isso, mas em vários lugares, banco de praça, jardim, ônibus, balcões, metrô e trem, entre outros. Chamavam de atentado literário, já que tinha sido algum tempo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Embora eu já fizesse o mesmo no trem havia algum tempo, gostei do nome e passei a adotá-lo.
         Apenas uma vez meu atentado literário quase não deu certo. Quando o trem chegou à Central, entraram várias pessoas para a viagem de volta, já que era de tardinha, hora da volta do trabalho. Ia deixar um exemplar da "Revista de História", da Biblioteca Nacional (deixo revistas também, às vezes), devidamente lida. Estava com um grupo de amigos, sem saber o que fazer, pois os outros trens já estavam cheios. Por sorte um dos amigos, bastante extrovertido, pegou a revista da minha mão e, já na saída da estação, quando entrou um rapaz com cara de estudante, entregou a revista para ele e disse, em um tom que não admitiria contestação: "Toma!" O rapaz sorriu e ainda balbuciou um agradecimento, mas já estávamos em um passo rápido e decidido, passo de quem acabou de cumprir uma importante missão.


Obs: este texto foi escrito dentro do trem, chegando à estação da Central, onde mais um atentado literário seria feito com sucesso.

3 comentários:

Adinalzir disse...

Prezado Mansur
De vez em quando eu também cometo alguns atentados como esse. Meus parabéns pelo excelente texto!

Elisa Gaivota disse...

Curioso que ontem eu estava pensando sobre como preciso exercer o desapego aos livros... reflexão advinda de uma lembrança nostálgica dos livros que emprestei e nunca mais retornaram. Como só acredito no acaso-não-ocasional, prefiro pensar que ótimo texto e ótima ideia veio ratificar meu exercício de desapego já iniciado. Adoraria achar um livro com uma dedicatória como as que seu amigo faz... assim não ficaria com a consciência pesada de estar com o livro de alguém... mas teria certeza que fora destinado à mim, nesses instantes de sincronicidade junguiana.

André Luis Mansur disse...

Obrigado, professor. É bom saber que a minha pequena ´transgressão´ também é compartilhada - rs. Grande abraço!

Querida Gaivota, não foi à toa então que este texto surgiu, como um impulso dentro de um sacolegante trem. O desapego aos livros realmente é um grande exercício, ainda tenho algum ciúme de vários, mas aos poucos vou me desapegando. E pode ter certeza, se aparecer algum no banco do trem, realmente foi para você. De repente fui até eu que deixei. Beijinhos.