7.11.2006

FILÉ DE NASDAQ (aprecie com moderação)


A insistência em se divulgar certos termos no jornalismo, acreditando que eles tenham interesse para alguém, pode gerar situações bastante curiosas. Na economia, por exemplo, qualquer pessoa que conheça um pouquinho de Bolsa de Valores sabe que aquilo lá funciona no fundo como um grande cassino, onde os grandes especuladores sempre se dão bem e o pequeno investidor, se não tiver uma orientação muito boa, pode perder o pouco que investiu. Por isso, a variação brusca dos índices nem sempre quer dizer que a economia está volúvel. Mas nas épocas de turbulência econômica internacional, como na crise dos tigres asiáticos, em 1998, a situação sempre beira o caos, pelo menos na cabeça de muitos editores, que resolvem colocar o economês com a língua mais importante do país no momento.

Pois bem, a equipe de um importante telejornal resolveu ir às ruas para testar a eficiência desse tipo de informação. E escolheram como pauta o Nasdaq. Para quem não sabe, Nasdaq é o nome da Bolsa de Valores americana utilizada apenas por empresas de alta tecnologia em informática, telecomunicações e outros setores. Quer dizer: se o interesse pela Bolsa de Valores, tanto brasileira quando americana, já é restrito, o que dizer do índice Nasdaq. Mas o que importa é que todo dia, em horário nobre, para milhões de telespectadores no Brasil inteiro, o índice era divulgado, muitas vezes num tom dramático se ele caísse muito.

A equipe de jornalistas resolveu ir a um restaurante especializado em carnes onde costumavam almoçar. Quando o garçom chegou para fazer os pedidos a, digamos, porta-voz não pensou duas vezes:

- Nós queremos Filé à Nasdaq. O senhor tem?

O garçom franziu a testa, pensou muito e, com vergonha de reconhecer que desconhecia o próprio cardápio, pediu licença para perguntar ao cozinheiro, diante do olhar tranqüilo dos comensais, que sequer esboçaram um sorriso.

Logo em seguida, vem ele, com uma expressão de desânimo e já pensando num prato alternativo.

- Senhora, desculpe, mas o cozinheiro disse que não temos o File à Nasdaq, mas vocês não gostariam de...

- Como?! Aqui é especializado em carnes e o senhor não tem o File à Nasdaq? Aparece todo dia na televisão.

Com medo de que sua aparente ignorância pudesse ser percebida por outras pessoas, o garçom ficou nervoso, começou a suar frio e a gaguejar.

- É...in-infelizmente não temos. Os senhores na-não querem outro prato...?

Vendo o constrangimento do garçom, os jornalistas disseram que não tinha problema e optaram por outro prato, até porque a idéia não era humilhar ninguém. E naquele dia, os que acreditavam que o índice Nasdaq era importantíssimo para o povo brasileiro tiveram de rever seus conceitos. Coincidência ou não, algum tempo depois ele foi retirado do ar, mas o ´cardápio´ ainda pode ser mais enxugado. Basta que alguém peça em algum restaurante um picadinho de superávit primário, um caldo de mercado (bem agitado) ou um ensopado de bovespa. A indigestão é certa.

9 comentários:

Anônimo disse...

Torço para o mercado sofrer desinteria daquelas, de se borrar, para deixarmos de sentir só o cheiro das verdinhas. Chega de passarmos ao longe, a grana precisa ir pro ventilador e o bolo, enfim, ser repartido. Os bancos não se fartam de estufar suas panças monetárias e ao pobre só basta morder a língua.É dose, mas tem jornalista que adora enrolar o freguês, o trouxa do brasileiro, com economês, juridiquês só para comer uma pedaço do file de Nasdaq...Colher de pau na cabeça deles, Mansur

Anônimo disse...

Esse uso exagerado do economês sempre me irritou.

Mas tal uso não significa que assuntos de economia não devam ser apresentados de maneira palatável...

Anônimo disse...

pois é, foi a técnica do Garotinho em alguma eleição aí. Ele perguntou, acho que foi ao Lula, o que ele faria em relação a uma sigla lá...Ele suou frio, como o garçom da sua conversa. Acho que foi o Lula mesmo, me corrija se não for. O certo é que o tal índice, acho que foi índice, hehe, foi citado para sempre nos jornais, como algo corriqueiro. Agora, não me perguntem qual é. Nem me perguntem o que eu acho do Garotinho... Por favor, isso não é um nota de apoio a ele. Aliás, o dia que o Garotinho for presidente do Brasil eu gostaria de poder sair correndo.

Anônimo disse...

Tem razão, Gustavo, bom, você trabalho com textos científicos e sabe que dá pra tornar palatáveis os assuntos mais complicados, né? É só querer.

Elaine, a tal pegadinha do Garotinho no Lula era sobre o CID, o imposto sobre combustíveis, que era pra ser usado nas estradas e nunca foi.

Fernando, aceito o convite pro almoço.

Anônimo disse...

Ainda bem que eu não sou a única a pensar nessas coisas...Sabe qual é o problema da humanidade? É gostar de tornar coisas simples em complicadas. E sugiro um concurso entre os convivas desta mesa-blog para colher nos jornais mais coisas impalatáveis, mas que a gente finge que não. Aposto que vão morrer de indigestão.

Jorge Cordeiro disse...

sinceramente acho que o pessoal das editorias de economia escreve para si mesmo, para os coleguinhas e um ou outro entrevistado, que quer se ver no jornal. Porque informar mesmo, nao informa. Afinal, tudo o que está lá é atrasado, já passou, nao traz muita coisa relevante. Quem precisa realmente da informação tem outras fontes. É muitro declaratório e pouco explicatório. Outro dia li o caderno de economia do NYT e quanta diferença!! TExtos simples, didáticos, com muita figura de linguagem. Meio Joelmir Beting, saca? Enquanto por aqui é um festival de blue chip, hedge, swap... Outro dia vi na capa do Globo Online: 'BC faz swap cambial reverso'. É mole?

abração!!

Anônimo disse...

Olá. Será que nesse restaurante servem "Filé à la Dow Jones"? Adorei o artigo e o blog. :-)

Anônimo disse...

Oi, Gi, obrigado pelo comentário. ´Dow Jones´ é servido como aperitivo, junto com uma dose de igp-m, para abrir o apetite.

Abraços.

Anônimo disse...

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