
Fernando Sabino fez de uma decisão de parar de fumar, “decisão assumida de repente, como a própria aceitação da morte”, material para duas crônicas bem ao seu estilo, recheadas de um humor contido e de comparações propositadamente exageradas. “O último cigarro” e “Depois do último cigarro”, publicadas no livro de crônicas “A falta que ela me faz” (Record, 9ª edição, 1981), são de um período em que o ato de fumar ainda era considerado charmoso e estava associado a jogos de sedução e até a atividades esportivas, vide anúncios publicitários da época, hoje terminantemente proibidos.
Naqueles tempos em que o movimento anti-tabagista não tinha nem de longe a força que tem hoje, os textos revelam as conseqüências deste verdadeiro (pelo menos para a época) ato de coragem do escritor, ou melhor dizendo, um ato heróico, “porque ainda me sinto como aquele condenado à morte, diante do pelotão de fuzilamento, a quem ofereceram o último cigarro”.
Entre os melhores trechos, estão as citações a outros dois colegas, de profissão e de tabagismo. Rubem Braga, por exemplo, é mencionado como exemplo de perseverança, capaz de olhar para um cigarro como se fosse uma mulher por quem foi apaixonado perdidamente e dizer, com a “olímpica indiferença” de quem já fumou quatro maços de cigarro por dia. “Não sei como é que eu pude gostar dessa mulher”.
Já João Condé representa aquele tipo de personagem muito comum nos contos e crônicas de Sabino, pitoresco e extremamente engraçado, exatamente por tentar levar a sério as situações mais absurdas. No caso, Condé resolve prometer aos santos de sua devoção que só fumaria em Caruaru. Apesar de, no início, viajar para lá com uma freqüência incomum, com o tempo vai diminuindo, ou melhor, regateando com os santos as dificuldades da promessa. De Caruaru, limita o alcance do seu direito de fumar para São Paulo, depois até Niterói e, por fim, resolve fumar só aos domingos, o que só aumenta a ansiedade das noites de sábado. “A partir da meia-noite dispara a fumar, até a meia-noite seguinte”.
Sabino, ao tomar decisão tão radical, anseia por nascer o homem novo, “sem sarro nos dentes ou nos dedos, e sem úlcera de estômago, distúrbio das coronárias, enfisema pulmonar”, todos os males que o artigo lido por ele coloca como fatores de risco para os fumantes, inclusive o de que os fumantes têm uma probabilidade duas vezes maior de morrer na meia-idade do que os que não fumam, afirmação que serve de mote para uma série de especulações estatísticas para lá de irônicas exatamente sobre a obsessão por estatísticas quando o assunto é saúde.
Por fim, o autor considera, placidamente, como se estivesse a fumar da janela de seu apartamento, hábito que ele considerava dos mais prazerosos, que “não há outros vícios que eu possa abandonar, a não ser o de viver”, pois, como afirma, viver também é morrer um pouco, pois “faz cair os cabelos e os dentes. Provoca rugas na pele, flacidez nos músculos e artrite nos ossos”.
O mais interessante nos contos e crônicas de Fernando Sabino é que, apesar de a grande maioria deles terem sido escritos há mais de 30 anos, não ficaram datados. Pois mesmo num assunto que hoje carrega uma abordagem completamente diferente, como o hábito de fumar, nas suas mãos ainda apresenta o aspecto de um texto escrito hoje, época em que os fumantes se sentem cada vez mais acuados em seus poucos rincões. E o humor, sempre presente em suas crônicas, aqui encontra terreno dos mais férteis para se manifestar sem deixar de provocar a devida reflexão, mesmo que venha espremida entre sonoras gargalhadas.