5.31.2010
A COPA DO MUNDO E OS FICHAS SUJAS
A primeira Copa do Mundo a que assisti de verdade foi a de 82 e lembro bem da fatídica derrota para a Itália, no estádio Sarriá, que provocou a tão famosa comoção nacional. Bem, de lá pra cá, já se foram seis Copas do Mundo e o que venho observando, de quatro em quatro anos, é que alguma coisa realmente mudou. Já não há mais aquela euforia de outrora, quando, mal acabava o Carnaval e “começava o ano” da Copa, ruas eram pintadas e decoradas, você via uma quantidade muito maior de camisas amarelas e de bandeiras nos carros, de vez em quando um ou outro já soprava aquelas cornetas infernais, enfim, havia um frisson, um prenúncio de catarse coletiva que, à medida que ia se aproximando a convocação do escrete, assumia uma condição de paralisação do país, da tal “pátria em chuteiras”, como bem definiu um dia Nelson Rodrigues.
Já vinha notando esta redução do estado de euforia, se é que podemos chamá-lo assim, mas neste ano a coisa chegou ao seu auge, às vezes até dando a entender que não teremos Copa do Mundo e que a vida vai transcorrer tranqüila no mês de junho, apenas com a diferença de que haverá uns joguinhos da seleção aqui e ali.
É claro que o futebol é o esporte mais popular do mundo, mexe realmente com as emoções de quem o aprecia e, no caso da Copa do Mundo, até de quem mal conhece as suas regras. Mas sempre achei um exagero o estado de loucura coletiva que via não só durante a competição, mas já nos meses anteriores, uma dependência completa do resultado da seleção, que se perdesse provocaria uma catástrofe geral, uma quebradeira na economia, que todo mundo ficaria perdido, sem um rumo, sem um horizonte, uma esperança – algo parecido com o que ocorreu na Copa de 82.
Bem, é verdade que a televisão já está nos entupindo de anúncios sobre a Copa, algumas ruas foram enfeitadas, mas realmente não há nada que se compare a tempos como o da carta que Carlos Drummond de Andrade escreveu para o neto Luiz Maurício, um pouco antes da derrota para a Itália: “Aqui vivemos em plena euforia pelo futebol, como se o futuro do país dependesse dos pés de Zico, Éder e Sócrates. As ruas estão inundadas de flâmulas e faixas verde-amarelas, e até o asfalto foi pintado com as cores dos clubes e os retratos dos jogadores. Uma verdadeira loucura que tem um componente de alienação: procura-se esquecer a inflação torcendo pela vitória na Copa do Mundo”.
Pena que o grande poeta de Itabira não esteja mais entre nós para uma avaliação bem mais precisa do que mudou neste longo período de alegrias e frustrações futebolísticas, pois o que me parece que esteja acontecendo neste ano seja realmente um sinal de amadurecimento político, já que a grande mobilização nacional que percebi nas últimas semanas foi em relação à votação dos fichas sujas, que se não foi aquilo que se esperava, já foi um avanço muito grande para um tema que achávamos que jamais seria “votado pela maioria”.
Em recente palestra no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, dentro do excelente evento “Brasil, futebol e livros”, o sociólogo Ronaldo Helal descreveu este cenário de forma bem profunda e abrangente, dizendo que o que acontecia antes é que a derrota ou a vitória em Copas do Mundo ultrapassava as fronteiras esportivas e alcançava uma dimensão de perda ou ganho de “auto-estima nacional”. Quando perdíamos, adotávamos o tal “complexo de vira-latas”, para usar a famosa expressão cunhada por Nelson Rodrigues, e quando vencíamos dizíamos que “com o brasileiro não há quem possa”, fazendo uma referência à música-tema da vitória no Mundial de 58.
Segundo Helal, e concordo plenamente com ele, hoje a seleção brasileira e a Copa do Mundo se limitam simplesmente à esfera esportiva, ainda mais que a seleção hoje é formada basicamente por jogadores que atuam no exterior, o que reduz e muito a empatia com a seleção. Basta ver que as paixões clubísticas continuam acirradas, já que os clubes e seus jogadores estão próximos do torcedor.
Seria muito bom aproveitar esta nova, digamos, mentalidade e desejar que as pessoas voltassem a se mobilizar pelas grandes causas públicas, ainda mais agora, com a grande rede virtual da internet como auxílio. Que a vibração que a Copa do Mundo traz, mesmo para quem nunca acompanha futebol, sirva de estímulo para a esta possível mudança de postura, ainda mais que logo depois vem disputa das eleições, uma “competição” cuja derrota tem um efeito muito mais prolongado do que a de uma Copa do Mundo.
Aguardo sua visita aos meus outros blogs:
www.criticasmansur.blogspot.com
www.manualdoserrote.blogspot.com
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14 comentários:
Ô Mansur, sabe que eu já havia pensado nisso? Mas ainda não cheguei a uma conclusão se este arrefecimento foi pelas vias naturais que você mencionou, ou se foi porque nós éramos crianças e tudo nos parecia maior, pessoas e acontecimentos. Lembro das proximidades do show do Kiss no Maracanã como um grande acontecimento, e nem vi o show (tinha 11 anos) nem gosto do Kiss! Em suma, será que foi o país que amadureceu, ou será que fomos nós? Acho que não estou maduro o suficiente para chegar a uma conclusão...
Ah, botei no meu blog um link para o seu. Depois dá uma olhada, se puder, para fazer uma crítica construtiva, que eu tô apanhando por lá. Abração.
Fala, Túlio, beleza? Não tenho mais te visto no CCBB. Saiu de lá? É uma boa reflexão a tua, aliás, é um tema que provoca várias reflexões e possíveis respostas, mas que, independentemente de hoje sermos adultos, me parece que objetivamente algo mudou. E lembro bem do show do Kiss, parece que o som foi um horror, mas era o primeiro grande show de rock do Maracanã, né?
Vou dar uma olhada no seu blog. Abraços.
Eu acho que isso tem a ver com a consolidação da democarcia e a melhoria do padrão de vida das pessoas. Apostar todas as fichas numa selecção de futebol é coisa de quem não tem ou não vê nenhuma saída.
Pode ser sim, até porque mesmo o uso político da Copa do Mundo já não me parece ter tanto efeito, pois nas últimas copas quando o Brasil venceu o candidato da situação perdeu e vice-versa.
Grande abraço!
Mansur! Obrigado pr transformar em palavras percebo ano a ano; ou melhor: de quatro em quatro anos. Mas, para esta Copa, o efeito DUNGA parece ter sido um estimulante às avessas. Um verdadeiro brochante futebolístico. Trocer para Julio batista e Josué...
Fala meu amigo! Eu acho que já não era sem tempo de isso acontecer. eu também já tinha notado um pouco essa diminuição, mas muito discretamente. Talvez no interior (espero que não) ainda haja isso de enfeitar as ruas e tudo mais, como dizia Drummond (só pra lembrar ele tb era do interior, devia ter visto isso mil vezes...)
Acho que ainda mais agora que a era Lula tá no fim, o país pode entrar num ciclo virtuoso que todos (digo América latina - no caso, realmente fazer parte dela e torná-la muito mais forte e influente) esperam ou voltar para o buraco-negro do FMI. Estamos com a "mão na taça" pra isso!
Valeu!
Ah, depois passa no blog que tem coisa nova lá. Abração!
E aí, Marlos, tudo bem por aí? Olha, eu acho que até no interior a coisa está assim, o que acho muito bom.
Agora você precisa me dizer se na Argentina o clima é o mesmo.
Vou dar uma olhada lá.
Grande abraço!
É verdade, Márcio, talvez se ele chamasse alguns dos jogadores do Santos a coisa mudasse um pouco, mas acho que não mudaria muito não. Em 94 a seleção era meio brochante também e as ruas estavam todas enfeitadas. Acho que o clima é que mudou mesmo, mas a gente sempre acaba torcendo, não é? Mesmo que discretamente.
Abraços.
Coé, Mansur, blz?
Esse é um assunto sobre o qual já pensei muito tomando umas (hehe) e que, mesmo de longe, ainda faz parte do meu existencialismo de butequim.
Também credito a mudança objetiva ao exílio de nossos melhores jogadores.
Aliás, após a coletiva em que foi anunciada a lista do Dunga, que assisti, fiquei com a sensação de que se perdeu uma grande chance mudar a tendência.
Tivesse o Dunga convocado mais jogadores que atuam no Brasil, sobretudo aqueles que para aí retornaram, deixando claro que o havia feito por atuarem no país, talvez mais atletas de alto nível se sentissem estimulados a defender os clubes brasileiros, principalmente no período pré-Copa.
Confirmada a nova "cultura" na escalação do nosso time nacional, veríamos mais bons jogadores atuando no país, teríamos um Campeonato Brasileiro fortalecido (possivelmente, com médias de público melhores), torceríamos por uma seleção mais identificada com aqueles que representa...
Seria mesmo esse o resultado? Fato é que não foi o que ocorreu...
Maldito talvez.
abs!
Fala, Gustavo, tudo bem?
Realmente muita gente menciona o êxodo dos jogadores como importante também para explicar o menor interesse pela Copa, ainda mais que os últimos amistosos já vinham sendo disputados na Europa para encurtas as distâncias. Mesmo assim, eu acho que o comprometimento (para usar uma expressão Dunguiana) com a seleção ainda seria bem menor do que em 94 ou 98, por exemplo, quando a seleção já era formada na maioria por ´estrangeiros´.
Acho que a tendência agora é que alguns jogadores, principalmente aqueles que já fizeram o ´pé de meia´, voltem para jogar aqui, o que vai valorizar bastante o nosso campeonato. Isso, de certa forma, já aconteceu um pouco no último Brasileiro.
De qualquer forma, só para radicalizar um pouco, acho que uma seleção formada apenas por jogadores daqui, bem entrosados e treinados, faria bonito na Copa, não acha?
Abração!
Marcello disse...
O desinteresse da maior parte da cidade e do país é muito simples de explicar. A maior parte da população, principalmente aquela ligada em futebol, JÁ É HEXACAMPEÃ!, título conquistado em dezembro do ano passado. Esse time de amarelo é que não é. Nós já somos!
Assim como em 82, o título mundial já tinha vindo antes, também em dezembro, com Zico, Júnior e Leandro muito bem acompanhados (não tinha vaga para Toninho Cerezo atrasador, Valdir Peres frangueiro, nem Serginho caneleiro - era outro nível).
Esse time de amarelo está sempre atrasado!!!
Concordo quando dizem que o técnico deixou no Brasil o melhor jogador do país! Estamos falando do técnico da Sérvia, né?
Rumo ao Hepta!
Abraços.
MARCELLO BRUM
Você sempre dá um toque de humor ao blog (rs).
Abraços!
Infelizmente, hoje não se faz mais futebol como antigamente. Todos são mercenários: a Fifa, os Clubes e os jogadores. E tudo em nome do Capitalismo selvagem.
Abraços! :-)
Olá, professor, tudo bem? É verdade, tudo é marca, é propaganda. Não aguento quando jogador chega no clube e beija o escudo. Os jogadores hoje representam muito mais seus patrocinadores do que o clube ou a seleção.
Grande abraço!
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