11.14.2007
EM BUSCA DO MAGIA DO LEITOR
“Não sou masoquista. Se não adorasse escrever, já teria parado há muito tempo”. Essa foi a tônica da entrevista dada pela premiadíssima escritora Ana Maria Machado às jornalistas Cristiane Costa e Valéria Lamego, ontem na biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. A entrevista foi a última do ano do projeto “Laboratório do escritor”, que levou ao mesmo espaço em 2007 autores como Luis Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony.
Bem à vontade diante de uma platéia cheia de admiradores (e algumas tietes), a autora, que já vendeu mais de oito milhões de exemplares de seus mais de cem livros no Brasil e em outros 17 países, começou descrevendo o seu processo de criação - o tema da entrevista -, mas foi se soltando e acabou falando com naturalidade de momentos mais intimistas da sua vida, como a luta bem-sucedida contra um câncer de mama e o início da carreira, quando exilada pelo regime militar e com dois filhos para criar descobriu que poderia se sustentar com a literatura, “ainda que levando uma vida espartana”. O sustento, no caso, vinha de uma revista chamada “Recreio”, da editora Abril, que queria publicar autores que escrevessem para os jovens numa linguagem “que não fosse tatibitate nem nhemnhemnhem”. Para se ter uma idéia do nível da publicação, a revista também contava com colaborações de Ruth Rocha e Joel Rufino.
Embora seja mais lembrada como autora de livros infantis e infanto-juvenis, Ana Maria falou dos seus contos e romances, dizendo que nunca sabe exatamente para qual público vai escrever quando começa a pensar numa nova história, ou se aquele livro vai interessar apenas a um tipo de público. “Tem sempre mais de uma leitura”, afirma ela, que escreve no computador desde o início da década de 80, quando foi apresentada a um MacIntosh por uma amiga que vivia nos Estados Unidos.
Uma das discussões mais interessantes, que gerou inclusive perguntas do público, foi a relação entre jornalismo e literatura. Ana Maria, que já havia citado Hemingway, recorreu mais uma vez ao escritor americano para dizer que “o jornalismo nunca fez mal a um escritor, desde que largado há tempo”. Para ela, que abandonou a redação do “Jornal do Brasil” nos anos 70 a fim de se dedicar exclusivamente à literatura, o jornal tem que cobrir tudo, “mas no dia seguinte vai embrulhar peixe”, enquanto o escritor tem que cobrir o mínimo, mas com profundidade. Vale ressaltar que o jornalista aqui citado é o da redação, aquele que faz plantão e fechamento, e não o cronista. “Esse, os próprios repórteres da redação não consideram jornalista”.
A relação com a Academia Brasileira de Letras, onde ela ocupa a cadeira número 1, também foi lembrada por ela, que por coincidência tinha acabado de sair de um evento na ABL. "São 40 vaidosos. Quem não for vaidoso, não se candidata", diz a autora com bom-humor, ressaltando o respeito que tem pela permanência da instituição e pela renovação que a internet provocou na ABL através do portal (www.academia.org.br). "A academia é muito querida pelo povo. Ali, eu tenho muito o que aprender".
O bom de se assistir a uma entrevista com um autor consagrado é exatamente perceber o amor que aquela pessoa que está ali na frente tem pelos livros e pelos leitores. Como a frase do início, Ana Maria não se limitou a falar da “necessidade de expressão do artista”, diferencial que ela usa ao citar os escritores de literatura infantil e infanto-juvenil da geração dela, que não têm preocupação pedagógica e escrevem de forma independente. Ao se referir ao leitor, que afinal é o objetivo final do seu trabalho, ela o compara a um “mágico, porque ele consegue estabelecer uma ponte para alguém que ele não conhece”. E quando esse alguém está ali pertinho, dá para entender fascínio que eventos desse tipo exercem sobre o público.
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