11.03.2008
AS PEGADAS DE MACHADO
Machado de Assis jamais poderia imaginar que seus textos escritos a bico de pena e sob a luz de lampião iriam se transformar em relíquias disputadas por ávidos pesquisadores. Quanto vale um texto ou uma foto inédita do maior escritor brasileiro?
Diante de tantos livros, debates, adaptações para outros meios e homenagens em geral a Machado de Assis no ano de centenário de sua morte, não deixa de ser intrigante, para os muitos admiradores de sua obra, viajar ao seu tempo e espaço, naquele Rio de Janeiro pacato e ainda bem distante de qualquer tipo de indústria cultural. No silêncio da casa do Cosme Velho, silêncio quebrado apenas pelo ruído de uma ou outra charrete, ou pelo canto dos vendedores ambulantes, Machado redigia seus textos a bico de pena, acompanhado apenas pela sua amada Carolina. Embora chamado (excessivamente, a meu ver) de bruxo, Machado não tinha bola de cristal para prever o futuro. Sendo assim, mesmo recebendo as glórias em vida, não poderia imaginar o alcance que sua obra teria hoje e de como seria esmiuçada com precisão cirúrgica por incansáveis historiadores que procuram relacionar textos escritos em jornais, cartas, ofícios de serviço público, romances, poemas, críticas, crônicas, contos e peças, tudo para dar uma dimensão maior e mais completa de um homem discretíssimo por natureza, que não deixou uma biografia e cujas pegadas, principalmente as da juventude, despertam fascínio e curiosidade exatamente por estarem envolvidas pelo mistério.
UMA GRANDE CHARADA
Um dos trabalhos mais penosos neste esforço coletivo é o de se aventurar pelos textos escritos por ele em jornais, publicados de forma sistemática logo após sair da adolescência, quando ainda era o Machadinho. A dificuldade tornou-se muito maior devido à grande quantidade de pseudônimos que o escritor adotou ao longo da vida de jornalista, muitos deles já devidamente descobertos, mas muitos outros a descobrir, como se ele tivesse deixado de propósito uma grande charada aos seus estudiosos.
Escrevendo muitas vezes tarde da noite em jornais, aquele jovem cheio de ambições literárias publicava artigos apócrifos que permanecem esquecidos em jornais já extintos e que hoje são objetos do desejo de pesquisadores ávidos por encontrar qualquer coisa inédita do mestre, mesmo um tema irrelevante, escrito apenas para fechar uma página no calor do fechamento de uma redação da época em que tudo era mais trabalhoso no jornalismo.
Neste grande esforço feito em torno do centenário de sua morte, muito material inédito foi descoberto: cartas, contos, artigos, pseudônimos, inscrição na Biblioteca Nacional, dedicatórias, fotos de Carolina ainda bem jovem (e bonita) etc. É curioso especular sobre quando vale um texto inédito de Machado, pois ele teve de escrever muito em jornais para poder sobreviver, já que ganhava-se muito pouco nas redações, pois afinal, escrevia-se para quem? Num país escravocrata e atrasado, uma minoria da minoria apreciava a leitura diária dos jornais. Da mesma forma, ou pior ainda, quem comprava livros no Brasil? Os de Machado, editados por Baptiste Louis Garnier, (também conhecido por Bom Ladrão Garnier, devido às relações quase nunca vantajosas para os autores) lhe garantiam alguns mil-réis por mês).
O "ESTILO" DA REPARTIÇÃO
Ou seja, Machado teve de escrever muito. Não apenas por amor à literatura, mas também para sobreviver. E mesmo se levarmos em conta a estabilidade financeira conseguida no serviço público, não nos esqueçamos da imensa quantidade de documentos oficiais que ele precisou redigir nas quase quatro décadas que atuou como funcionário público. Alguns foram, inclusive, descobertos e expostos recentemente como relíquias, pois o “estilo” machadiano das repartições públicas é praticamente desconhecido.
Relíquia também seria alguma carta descoberta trocada entre ele e Carolina. Só existem duas, pois as outras (e deviam ser muitas) ele mandou que as queimasse, o que foi feito após a sua morte. A discrição, realmente, foi um dos maiores tesouros que Machado de Assis deixou como legado de sua existência.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 comentários:
Marcello disse...
Acho que a discrição favorece o mito. Além do inegável talento, lógico.
Gostei do seu texto, principalmente na parte que diz que os salários de jornalistas eram baixos, que trabalhar em jornal era custoso, e que apenas uma minoria lia jornais. Coisas do século XIX....
Na Livraria da Travessa do Shopping Leblon tem uma mesa só de livros sobre Machado. Dá vontade de sair de lá com tudo, inclusive a própria mesa.
E um lembrete para 2009: não marque nada para as noites de terça e sexta-feira!
Abraços.
MARCELLO BRUM
Marcello disse...
Acho que a discrição favorece o mito. Além do inegável talento, lógico.
Gostei do seu texto, principalmente na parte que diz que os salários de jornalistas eram baixos, que trabalhar em jornal era custoso, e que apenas uma minoria lia jornais. Coisas do século XIX....
Na Livraria da Travessa do Shopping Leblon tem uma mesa só de livros sobre Machado. Dá vontade de sair de lá com tudo, inclusive a própria mesa.
E um lembrete para 2009: não marque nada para as noites de terça e sexta-feira!
Abraços.
MARCELLO BRUM
É verdade. Quanto mais exposto, menos espaço para o enigma. Às vezes a pessoa não tem nada de interessante, mas só o fato de manter um mistério sobre a sua vida, já fortalece o mito.
Sobre a parte dos jornalistas, lembrou a coluna do Ancelmo Góis: "Deve ser terrível viver numa época dessas, que em os salários dos jornalistas eram baixos etc".
Na Travessa do CCBB também tem. Aliás, vá ver a exposição do Machado na BN, se puder. Você deve estar pertinho aí hoje, né?
Terças e sextas? Depois de domingo, tive a certeza de que não irei ver jogos pela Rede TV no ano que vem.
Abração.
Não podia prever o futuro? Há controvérsias..rs.Parece que ele "previu" a ponte Rio-Niterói e outras coisitas mais (ou ele deu a idéia, vai saber).
Muito bem lembrado, André, Machadinho (pros íntimos) ao que tudo indica era um cara super discreto. Se ele estivesse vivo, provavelmente ficaria de saco cheio de toda essa badalação em torno do nome dele. Acho que é preciso fazer homenagem sim, mas já está ficando tudo muito repetitivo, os discursos acadêmicos já são mais do que previsíveis, nem precisa ser bruxo(a).
Abraço, André! Tô de volta!rs
É verdade, já está tudo meio exagerado, principalmente as histórias em torno da Capitu. E bem lembrado, Machado acho que ficaria meio recluso com tantas homenagens.
Acho que ele especulou, numa crônica, sobre a possibilidade de uma ponte ligando o Rio a Niterói. Vale uma pesquisada.
Beijos e bom retorno. Estava sentindo falta dos seus comentários. Agora, aguardo a presença física também.
Coitado do Machado... vão desenterrar aquilo de mais burocrático que ele já foi obrigado a escrever, sem atenção, com uma enorme má vontade... E é capaz que ainda lancem um livro: "Despachos e Requisições: o Machado burocrata".
O pior de tudo é que eu compraria!!!
Eu também, Diego. Outro dia mesmo vi um despacho desses na exposição da Biblioteca Nacional. Realmente, era um excelente...despacho, e nada mais. Deve ter atingido seu objetivo, tal a quantidade de assinaturas.
Abraços.
Olá André,
estive com vc no pré-lançamento do seu novo livro, no Museu da República, e na ocasião eu fiquei de enviar o endereço do Machado de Assis na rua dos Andradas. O número é 147. Ele morou lá entre 1869 e 1871.
Abraços e sucesso!
Cláudia
Obrigadão, Cláudia. Vou passar lá para ver o estado da casa e talvez me inspirar um pouco.
Beijos.
Postar um comentário