5.04.2009

O PRAIÃO DE SANTA LUZIA


Numa época em que o carioca sequer pensava em tomar banho de mar, o centro do Rio de Janeiro abrigava um verdadeiro praião. Hoje só existe aterro por lá e o mar apenas pode ser visto dos prédios, coisa que também não existia na época. À frente da praia, a igreja de Santa Luzia, que lhe dava o nome, construída em 1592 em terreno doado por João Pereira Lemos e sua esposa, ainda estava em sua localização original, a pouca distância da atual, que é do final do século XIX e já havia recebido duas torres e uma ampla e bem trabalhada porta.

Para se ter uma idéia de como praia era algo totalmente alheio ao estilo de vida carioca, basta dizer que a de Santa Luzia também era conhecida como Praia da Forca, devido à existência de um pelourinho nela, e também abrigava um cemitério de indigentes ao redor. Até meados do século XIX, também era o endereço do matadouro da cidade. Menos convidativo, impossível.

Na liturgia católica, Santa Luzia é a santa que protege os olhos. O príncipe-regente D. João, chegado aqui em 1808 com toda a sua Corte fugida de Napoleão, era católico da cabeça aos pés e com certeza agradeceu muito a Deus por ter chegado são e salvo à sua mais rica colônia. Foi por toda essa fé que, em 1817, o príncipe disse ao Intendente Geral Paulo Fernandes Viana que queria ir à igreja de Santa Luzia para cumprir a promessa de cura de um problema que seu neto, D. Sebastião, tivera nos olhos.

Bem, de simples o pedido de D. João não tinha nada. Qualquer movimentação sua pela cidade exigia uma grande infra-estrutura logística. Carruagens, cocheiros de fardas, cadetes na frente, lacaios atrás (com jarro d´água e goiabada), escolta, padre, jumento com criado e pinicos feitos de pura louça pintada, além de outras parafernálias, tudo tinha de ser devidamente preparado. Ou seja, mesmo que quisesse sair apenas para comprar um galetinho na esquina, D. João daria muito trabalho a muita gente.

Mas isso constituía a rotina do príncipe e precisava sempre ser feita. O pior era que o trajeto até a igreja, também chamado de Caminho da Forca, era muito estreito e não permitia a passagem da comitiva. Além disso, para piorar, a região ficava constantemente alagada.

Foi preciso então fazer uma espécie de “choque de ordem”, para usar uma expressão da moda. O estreito caminho para se chegar à igreja e à praia foi alargado, embora para isso fosse preciso derrubar o muro da chácara de d. Ana Francisca de Jesus, que recebeu uma indenização de 800 mil réis no ano seguinte. Provavelmente estava bem aquém do valor do terreno, mas não adiantava reclamar. Não havia Procon nem colunas de ´Defesa do consumidor´, haja vista a absurda lei que obrigava os donos das melhores casas da Corte a cederem suas residências por um determinado tempo aos nobres ociosos.

Depois que perdeu estas companhias indesejáveis, ainda no século XIX, a praia de Santa Luzia acabou se tornando a predileta dos clubes de regata e das casas do banho de mar, como a Charneca da lua e a Sociedade Alemã de Ginástica. O mais curioso é que as pessoas tomavam banho de mar amarradas a cordas presas em trapiches. Como se vê, ´pegar uma praia´ na época era um programa dos mais exóticos para um povo que usava trajes europeus em pleno calor tropical.

8 comentários:

Adinalzir Pereira disse...

Caro Mansur

Achei excelente o texto, mostra um Rio de Janeiro que não volta mais. Meus parabéns pela qualidade do seu trabalho!

Um grande abraço,

André Luis Mansur disse...

Obrigado, professor. Este texto está bem de acordo com o seu blog, não é? Aliás, vou lá visitá-lo, pois faz tempo que não apareço.

Abração!

Marcio Arruda disse...

Sensacional, Mansur! Não sabia destes detalhes da nossa Avenida Beira-Mar. Achei que era em homenagem ao ilustríssimo Fernandinho (ahahah)! Em tempo, vou passar a vir trabalhar no Centro de sunga. Tenho esperança que os bons tempos voltem. Deixando as brincadeiras de lado, achei excelente este texto. Rico em detalhes e de história do Brasil. Abração!

André Luis Mansur disse...

Já pensou? Sair do expediente, tomar um chopinho na avenida Beira-mar e depois dar um mergulho? Aí é que iriam falar que o carioca não trabalha mesmo.

Abração e obrigado!

Bruna Mitrano disse...

Tô imaginando D. João indo comprar um galetinho na esquina. Teus textos são os melhores!

André Luis Mansur disse...

Pena que não tinha ainda a televisão de cachorro, o programa preferido da turma de quatro patas nas manhãs de domingo.

Estou com saudade dos nossos papos, principalmente quando você comunga do meu humor como agora.

A última frase do seu comentário deixou minha auto-estima lá em cima. Estava precisando.

Abraços.

Anônimo disse...

Marcello disse...

O amigo foi modesto e nem falou do mais famoso club de regatas da Praia de Santa Luzia. Lá tinha matadouro, mas ainda tem calabouço.

Dá-lhe Ceará! (é daqui a pouco).
Abraços.

Unknown disse...

Sr André Mansur,terminei em 2007 um pequeno livro sobre a invasão de Jean François Du Clerc em 1710, fiz por minha conta uns poucos exemplares, nele, estão citados vários locais da zona oeste. Gostaria de saber como faço para lh enviar um exemplar por sedex e como faço para adquirir o seu " O Velho Oeste Carioca ".
Muito obrigado
Ronaldo Morais
ronaldoacm@gmail.com